O presidente do Cazaquistão, Kasim-Yomart Tokayev, aceitou nesta quarta-feira a renúncia do governo do país e nomeou um primeiro-ministro interino após intensos protestos provocados por um forte aumento no preço do gás liquefeito, usado por muitos cazaques para abastecer seus veículos.
Tokayev também anunciou que assumiu o Conselho de Segurança Nacional do país, que até então era ocupado pelo ex-ditador Nursultan Nazarbayev, que renunciou em 2019 mas continua a ter grande influência sobre a política do país, com o título de "Pai da Nação".
Os protestos, que ocorrem há três dias, já deixaram cerca de 100 policiais feridos. O estopim das manifestações foi a suspensão, no sábado, do limite do preço do gás liquefeito, o que fez com que o custo do combustível dobrasse nos dias seguintes.
Mais de 1.000 manifestantes invadiram nesta quarta-feira a sede da prefeitura de Almaty, maior cidade da ex-república soviética. De acordo com a agência de notícias Interfax-Kazakhstan, chamas e uma densa fumaça podem ser vistas das janelas do segundo andar do edifício, enquanto os manifestantes o cercam e gritam palavras de ordem como "Avante, Cazaquistão".
Armados com bastões, os manifestantes forçaram os policiais que faziam a segurança do prédio a recuar para ruas próximas e tiraram de vários deles escudos e coletes à prova de balas.
Além disso, de acordo com fontes locais, a sede do Ministério Público está em chamas, assim como 30 veículos, tanto policiais como particulares.
O presidente cazaque diz que pretende "agir com firmeza" enquanto os protestos se intensificam. "Como presidente, sou obrigado a proteger a segurança e a paz de nossos cidadãos e a preocupar-me com a integridade do Cazaquistão", disse Tokayev em discurso transmitido pela televisão nesta quarta-feira.
Tokayev declarou estado de emergência em partes do país, incluindo Almaty e a capital, Nursultan, para tentar conter os protestos.
Serviços de internet estão cortados em grande parte do país, e os de telefonia móvel apresentam limitações. Correspondentes da imprensa internacional no país relatam que aplicativos de mensagens e alguns canais de televisão não estão disponíveis, assim como o site de vários jornais independentes, que parecem ter sido bloqueados.
Horas antes, o Ministério do Interior do Cazaquistão informou que um grupo de mais de 300 jovens seguia em direção à sede do governo. O chefe da polícia descreveu o grupo como "extremistas e radicais".
A polícia iniciou uma operação de contenção e detonou várias granadas, mas não conseguiu conter o protesto.
Na cidade de Aktobe, no oeste do país euroasiático, manifestantes também conseguiram invadir a sede da prefeitura, que foi sitiada por mais de mil pessoas, segundo a imprensa cazaque.
Na cidade de Kostanai, no norte, dezenas de pessoas se reuniram em frente à sede da administração municipal, mas a polícia conseguiu evitar uma invasão. Em Petropavl, também no norte, policiais dispersaram cerca de 50 manifestantes que também foram para a sede da prefeitura local.
Vários manifestantes pediam a saída de Nazarbayev. Vídeos publicados em redes sociais mostram pessoas tentando derrubar uma estátua do ex-ditador em uma cidade próxima a Almaty.
Presidente remove cargo de ex-líder
A fim de frear a agitação, Tokayev ordenou a implementação da regulamentação estatal de preços de bens de primeira necessidade, incluindo gás liquefeito, gasolina e diesel, por 180 dias. Ele também impôs um teto para o aumento dos preços dos serviços comunitários no mesmo período e levantou a necessidade de estudar a possibilidade de subsidiar o aluguel de moradias para os setores mais vulneráveis da população.
Tokayev anunciou ainda nesta quarta-feira, em mensagem à nação transmitida pela televisão estatal, que em breve vai apresentar novas propostas para transformar politicamente o país e reconheceu relatos de "mortos e feridos" em confrontos, embora sem apresentar números.
Tokayev explicou que, a partir de hoje, assumirá a liderança do Conselho de Segurança do Cazaquistão, que era chefiado pelo poderoso ex-ditador cazaque Nursultan Nazarbayev, 81 anos.
Em seu pronunciamento, o presidente não mencionou o nome de Nazarbayev, que comandou o país por 29 anos até apontar pessoalmente Tokayev como seu sucessor em 2019. Ele deixou o poder como o mais longevo entre as autoridades comunistas que se tornaram ditadores nos países da Ásia Central após o colapso da União Soviética e continua a ter grande influência no Cazaquistão. A capital do país, Nursultan, foi rebatizada em sua homenagem.
O presidente cazaque também afirmou que havia um "alto nível de organização" das pessoas envolvidas nos tumultos que levaram à invasão e ao incêndio da sede da prefeitura de Almaty.
"Chama a atenção o alto grau de organização desses bandidos. É impressionante. Isso atesta um plano de ação altamente organizado por conspiradores motivados financeiramente", declarou.
"Há mortos e feridos", acrescentou o chefe de Estado, sem dar números.
Ele também denunciou que "multidões de bandidos" estupraram mulheres, saquearam lojas e atacaram militares e os humilharam, forçando-os a andar nus pelas ruas.
"A situação é uma ameaça para a segurança de todos os moradores de Almaty. E nós não podemos tolerar isso. Além de Almaty, a situação é tensa em outras regiões, e por isso eu impus o estado de emergência", enfatizou.
"Como chefe de Estado e, a partir de hoje, presidente do Conselho de Segurança, pretendo agir com a máxima firmeza", advertiu.
Embora Tokayev tenha aceitado a renúncia do governo durante a manhã e proposto várias medidas para conter os protestos contra o aumento do preço do gás, distúrbios continuaram a acontecer em várias cidades cazaques e foram particularmente violentas em Almaty, onde mais de 500 pessoas foram feridas, de acordo com as autoridades locais.