O governo do Haiti prometeu reduzir gastos e aprofundar uma investigação sobre corrupção no programa de petróleo PetroCaribe, uma tentativa de satisfazer algumas das exigências dos milhares de manifestantes que desde o dia 7 pedem a renúncia do presidente Jovenel Moise. A onda de protestos violentos na capital haitiana deixou pelo menos nove mortos.
Durante um pronunciamento televisionado, o primeiro-ministro haitiano, Jean-Henry Céant, anunciou medidas para aliviar a crise econômica. Ele disse que o governo cortará 30% de seus gastos, conversará com o setor privado para tentar elevar o salário mínimo e indicará um novo diretor para intensificar o inquérito na Petrocaribe.
O governo também buscará mais investimentos externos para reanimar a economia, segundo Céant. "Eu e os membros do governo ouvimos a voz (da oposição), ouvimos este brado, entendemos sua raiva e indignação", afirmou.
Desde o dia 7, milhares de manifestantes pedem a renúncia do presidente e de Céant e um inquérito independente sobre o paradeiro dos fundos do acordo da PetroCaribe, uma aliança entre países caribenhos e a Venezuela para a venda de petróleo a preços subsidiados. Uma investigação do Senado, realizada no ano passado, acusou ex-funcionários do governo e empresários de desviar cerca de US$ 2 bilhões (R$ 7,4 bilhões) de ajuda enviada por Caracas.
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Na quinta-feira, a Embaixada do Brasil em Porto Príncipe publicou uma nota aconselhando a não viajar ao Haiti. Vários governos estrangeiros, como EUA e Canadá, também instruíram seus cidadãos a evitarem viagens para o Haiti. A expectativa é de que os protestos sejam retomados nesta semana.
Americanos presos
Um grupo de cinco americanos, outros dois estrangeiros e um haitiano foi preso pela polícia haitiana no domingo (17) à noite. De acordo com a CNN, as autoridades policiais alegam que eles estavam em posse de armas ilegais e por isso foram detidos. Antes, elas haviam afirmado que o grupo foi acusado de conspiração, o que não foi confirmado oficialmente pelo ministro das Relações Exteriores do Haiti, Bocchit Edmond.
Os nomes dos presos não foram informados.
"Quando cidadãos norte-americanos são presos no exterior, buscamos o acesso consular o mais rápido possível e prestamos assistência consular adequada, conforme estabelecido pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares", informou o Departamento de Estado dos Estados Unidos em um comunicado divulgado na segunda-feira, que confirmou as prisões dos americanos.
Protestos
Dezesseis meses após o fim da missão de paz da ONU cujo comando militar era do Brasil, o Haiti está novamente mergulhado em uma forte onda de violência política – o mesmo motivo que desencadeou a intervenção dos capacetes azuis, em 2004.
Nos últimos dez dias, dezenas de milhares têm saído às ruas em várias partes do país exigindo a renúncia do presidente Jovenel Moise. Relatos da imprensa local têm registrado diversos mortos e feridos, mas não há um número oficial.
Grupos armados bloqueiam estradas e ruas com entulho e pneus, impedindo a distribuição de alimentos, combustível, água potável e medicamentos, gerando escassez de produtos básicos em várias cidades.
Além de grupos armados com conexões político-partidárias, os protestos em favor da renúncia do presidente têm o apoio de líderes oposicionistas, estudantes e outros segmentos sociais.
No poder desde 2017, Moise quebrou o silêncio na última quinta-feira, quando os protestos completaram uma semana. Em tom desafiador, disse, em pronunciamento à TV, que não entregará o país para "gangues armadas e traficantes de drogas". Ele também acusou ex-aliados de se unirem a "líderes de quadrilhas procurados pela lei". Por outro lado, em aceno às dezenas de milhares de manifestantes, disse que escutuou "a voz do povo". "Conheço os problemas que os atormentam. É por isso que o governo tem adotado medidas [contra a miséria]."
As “bases”
País mais pobre do hemisfério ocidental, o Haiti sofre com a economia estagnada, déficit público e inflação anual de 15%, pressionada pela forte valorização do dólar, com impacto imediato nos preços dos alimentos, boa parte importada.
Representante da ONG Viva Rio no Haiti, o antropólogo carioca Pedro Braum afirma que os protestos guardam algumas semelhanças com a crise de 2004, que levou à queda do então presidente Jean-Bertrand Aristide, principalmente o protagonismo dos grupos armados com ramificações políticas, conhecidos como "bases".
Braum, que coordena um projeto de polícia comunitária, explica que as bases não são os únicos atores dos protestos, mas que eles têm papel importante por controlar grande parte de Porto Príncipe. "Eles são responsáveis por cuidar dos bairros, têm contatos com políticos eleitos, e alguns fazem discurso de transformação social. Por outro lado, em época de campanha, os políticos tentam estabelecer diálogo com esses grupos para ter acesso aos bairros, apoio e, se o país estiver violento, tentar apaziguar os ânimos."
No entanto, há diferenças importantes com a crise que levou à criação da Minustah (missão da ONU), avalia Braum: não há enfrentamento aberto entre as bases e a polícia; ausência, nos protestos, de grupos paramilitares pró-governo; mais popular em sua época, Aristide polarizava mais o país do que o desgastado Moise.
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