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Governo francês é acusado de perseguir muçulmanos após ataques terroristas

Em dezembro, mesquita da cidade de Ajaccio, na Córsega, foi atacada e cópias do Corão foram queimadas | PASCAL POCHARD-CASABIANCA/AFP
Em dezembro, mesquita da cidade de Ajaccio, na Córsega, foi atacada e cópias do Corão foram queimadas (Foto: PASCAL POCHARD-CASABIANCA/AFP)

Dependendo de quem está contando a história, o jovem cego Daoud Muradyan, de 21 anos, é visto como um terrorista em potencial ou como um simples imigrante indefeso — que representa o que há de mais errado com os poderes concedidos ao Estado francês pela nova lei antiterrorismo.

Muradyan tornou-se suspeito depois de entrar em contato com um imã radical, de acordo com as autoridades francesas, que também afirmam que ele viajou recentemente para uma região em Bruxelas, onde vivem muitos dos responsáveis pelos ataques do dia 13 de novembro em Paris. Além disso, as autoridades afirmam que ele carregava cinco aparelhos de celular e mais quatro pen-drives quando a polícia fez uma batida em sua casa na cidade de Avignon.

Mas Muradyan, que se converteu ao islamismo e veio da Armênia em 2007, afirmou que simplesmente gosta de comprar aparelhos eletrônicos e que viaja bastante.

“Os policiais foram maldosos quando entraram aqui, muito maldosos e irônicos. Eles quebraram tudo“, afirmou, relembrando a batida realizada em sua casa.

Agora, ele faz parte das centenas de muçulmanos franceses que foram submetidos à prisão domiciliar desde que o presidente François Hollande declarou estado de emergência após os ataques realizados em Paris pelo Estado Islâmico. Muradyan precisa ir três vezes ao dia à delegacia para se encontrar com as autoridades.

Trauma pós-atentados

Grupos muçulmanos apontam o caso de Muradyan como um exemplo dos excessos praticados pelo governo francês no ano passado. A França se tornou um laboratório do equilíbrio entre preocupações com a segurança e com liberdades civis. No mínimo, seu caso demonstra as dificuldades enfrentadas pelas autoridades durante mais um ataque terrorista, contribuindo para alienar ainda mais os muçulmanos da França.

Esses poderes de emergência — que agora são ouvidos durante a batidas em casas, empresas, associações e locais de culto religioso a qualquer momento — permitem que a polícia submeta qualquer pessoa à prisão domiciliar, mesmo que não haja provas suficientes para acusá-las. Os críticos dos novos poderes de segurança emergencial afirmam que o custo desses mandatos de busca e apreensão em tempos de paz – que já são mais de 3,3 mil desde os ataques de Paris – seja desproporcional à sua eficácia.

Menos de 1% das batidas policiais resultaram em novas investigações de terrorismo, de acordo com o próprio Ministério do Interior. Muitas pessoas cujas casas foram revistadas, assim como Muradyan, reclamam que sua privacidade foi devassada, que suas famílias estão amedrontadas e que suas propriedades foram danificadas.

Além dos poderes emergenciais, o governo de Hollande conseguiu aprovar a expansão das leis de vigilância. Agora, ele está fazendo lobby por uma série de mudanças na Constituição, incluindo uma lei que permitiria que algumas pessoas condenadas por terrorismo perdessem o direito à cidadania. A medida gerou inúmeros debates e processos, envolvendo as opiniões de diversos integrantes do Partido Socialista.

Recentemente, o parlamento francês votou para estender o estado de emergência por mais três meses.

Marc Trévidic, juiz responsável por supervisionar os casos de terrorismo dos últimos 10 anos, enfatizou os perigos que a França corre caso não encontre um bom equilíbrio. Durante seu mandato, afirmou, ele escutava inúmeras conversas telefônicas grampeadas, envolvendo jovens que aventavam a hipótese de seguir formas mais radicais do Islã no futuro.

“Eles têm a impressão de que a França não gosta do islamismo”, afirmou Trévidic, acrescentando que esses jovens muitas vezes não deram o passo que os torna terroristas em um grupo extremista porque têm empregos, amigos e famílias em jogo.

À medida que o número de batidas sem mandato policial começou a crescer nas semanas que se seguiram aos ataques, uma série de cidadãos franceses postaram fotos e vídeos nas redes sociais em que mostravam os danos causados às portas de casa, aos móveis e até mesmo suas poucas posses. Os danos foram especialmente graves para quem não tem dinheiro para realizar os reparos.

Em um caso amplamente reportado, policiais entraram em um restaurante halal, onde várias famílias jantavam, e pediram para que todos colocassem as mãos sobre a mesa. Embora não tenham pedido tempo para conferir seus documentos de identidade, fizeram buscas em mesquitas e até em abrigos para mulheres muçulmanas espancadas e sem-teto.

Com frequência, não se sabia ao certo porque a polícia estaria realizando a batida. A Anistia Internacional relatou em fevereiro que muitas gente envolvida nas batidas afirmava temer que as buscas muitas vezes fossem baseadas em pouco mais do que desconfianças infundadas e fruto de fofoca entre vizinhos.

As autoridades também realizaram 407 prisões domiciliares desde o dia 14 de novembro, exigindo que essas pessoas entrassem em contato com a polícia três vezes ao dia. Tudo isso forçou os jovens trabalhadores a abandonarem seus empregos ou a pedirem afastamento temporário.

O primeiro-ministro Manuel Valls defendeu as batidas, detenções e prisões domiciliares durante um encontro realizado em fevereiro na Assembleia Nacional, afirmando que elas se tratam de medidas “eficazes e indispensáveis à segurança do povo francês”.

Valls afirmou que os poderes de emergência permitiram que o governo descobrisse ao menos um ataque terrorista em fase de planejamento.

Todavia, não se sabe ao certo em que ponto estava o plano de ataque terrorista, nem se havia alguma conspiração arquitetada por um grupo extremista de grande porte, como o Estado Islâmico ou a Al-Qaeda. As evidências disponíveis apontam que, no máximo, alguns extremistas em potencial foram encontrados como resultado das medidas de emergência.

O governo utiliza os mecanismos legais cabíveis em apenas 10% das batidas realizadas. Dentre estas, apenas 28% estavam relacionadas ao terrorismo, cuja vasta maioria (23%) estaria ligada ao crime de “apologia ao terrorismo” ou “elogio do terrorismo”. Em muitos casos, estes atos seriam protegidos sob a égide da lei de defesa da liberdade de expressão nos EUA.

Isso quer dizer que apenas cinco casos envolveram crimes possivelmente ligados ao terrorismo, como a preparação de viagens para o Oriente Médio com o objetivo de participar de treinamentos e obter informações sobre um possível ataque.

No que diz respeito às mais de 400 prisões domiciliares, o governo admitiu espontaneamente que estava errado em 41 casos, cancelando estes mandatos de prisão.

“Atualmente, o que acontece é que todo muçulmano é visto como terrorista em potencial”, afirmou Mohamed Bajrafil, imã de uma congregação com mais de três mil pessoas em Ivry-sur-Seine, nos arredores de Paris. “Isso precisa chegar ao fim. Há quem diga que o Estado Islâmico ganhou porque seu objetivo era causar a discórdia, e eles foram bem sucedidos nisso”.

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