Manifes­­tantes envolvidos na bandeira grega protestam em frente ao parlamento contra as medidas de austeridades exigidas pela União Europeia| Foto: John Kolesidis/Reuters

Opinião

Amartya Sen, ganhador do prêmio Nobel e professor de economia e filosofia de Harvard, é o autor do livro A Ideia de Justiça, que saiu recentemente.

A crise da democracia europeia

Se fosse necessário obter provas da máxima "de boas intenções o inferno está cheio", a crise econômica na Europa seria ideal para isso. As intenções dignas, porém limitadas, dos criadores de políticas da União Europeia têm sido inadequadas para a economia europeia e produziram um mundo de miséria, caos e confusão. Há dois motivos para isso.

Primeiramente, as intenções podem ser respeitáveis sem que sejam claras, e a fundamentação da política de austeridade atual, combinada com os rigores da união monetária europeia, forneceu um péssimo exemplo de sagacidade e razão. Em segundo lugar, uma intenção que é boa em si pode entrar em conflito com prioridades mais urgentes – neste caso, a preservação de uma Europa democrática preocupada com o bem-estar social, valores pelos quais a Europa tem lutado por várias décadas.

Certamente, alguns países europeus há muito tempo têm sofrido com a necessidade de melhor contabilidade econômica e um gerenciamento econômico mais responsável. É, porém, crucial fazer as coisas no tempo certo.

Na Grécia, um dos países deixados para trás pelos aumentos de produtividade em outros lugares, a estimulação econômica via desvalorização da moeda foi impossibilitada pela existência de uma união monetária, enquanto o pacote fiscal exigido pelos líderes do continente é severamente anticrescimento. A produção econômica na zona do euro continuou seu declínio no último trimestre de 2011, e a perspectiva tem sido tão sinistra que um relatório recente que descobriu um crescimento zero no primeiro trimestre deste ano foi visto como uma boa notícia.

Há, de fato, uma abundância de provas históricas de que o modo mais eficaz de se cortar déficits é combinar a redução deficitária com rápido crescimento econômico, o que gera mais receita. Em contraste, os países europeus hoje estão sob pressão para cortar os déficits ao mesmo tempo em que estão presos num crescimento econômico zero ou negativo.

Os compromissos políticos com os quais a Europa emergiu após a Segunda Guerra Mundial levaram ao nascimento do Estado de bem-estar social e serviços de saúde nacionais modernos – não para suportar a economia de mercado, mas para proteger o bem-estar humano.

Talvez o aspecto mais perturbador do mal-estar atual da Europa seja a substituição dos compromissos democráticos por exigências financeiras – dos líderes da União Europeia e do Banco Central Europeu, e, indiretamente, das agências de crédito, cujo julgamento tem sido notoriamente equivocado.

A discussão pública participativa poderia ter identificado reformas apropriadas dentro de um tempo razoável, sem ameaçar as bases do sistema de justiça social da Europa. Em contraste, cortes drásticos nos serviços públicos com pouquíssima discussão acerca de sua necessidade, eficácia ou equilíbrio, têm causado revolta num amplo segmento da população europeia e servido aos propósitos de extremistas de ambos os lados do espectro político.

A Europa não pode se entregar às visões unilaterais de especialistas sem a discussão pública e o consentimento declarado de seus cidadãos. O óbvio fracasso dos mandatos de austeridade impostos até então tem minado não só a participação do público – um valor por si só –, mas também a possibilidade de se chegar a uma solução razoável em tempo razoável.

Estamos certamente longe da "Europa unida e democrática" que os pioneiros da unidade europeia buscavam.

Tradução: Adriano Scandolara.

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A Grécia criou um grande ponto de interrogação no futuro da Zona do Euro (ZE). Nas últimas semanas, o país foi para o centro dos debates internacionais de política e economia por causa da crise. Será que a nação, que foi o berço da civilização ocidental, deixará de usar a moeda única europeia? E se o fizer, outros governos seguirão o mesmo caminho?

O professor de relações internacionais das Faculdades Integradas Curitiba (Uni­­Curi­­tiba) George Wilson diz que o projeto de ampliação da ZE já foi prejudicado pela situação da Grécia.

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"A expansão da moeda está comprometida. Que país vai querer entrar num bloco que não representa mais prosperidade, mas instabilidade econômica e política?", questiona.

O grande problema é que a Grécia dá sinais claros de que não vai mais se submeter ao pacote de austeridade defendido pelo governo da chanceler alemã Angela Merkel, que prevê drásticos cortes de gastos do governo no bem estar da população. "Não podemos pagar, não vamos pagar", anunciou publicamente o líder do partido de esquerda radical, Alexis Tsipras, sobre a dívida grega. O partido do político é o favorito às eleições que ocorrem no dia 17 de junho.

Para Wilson, é possível que o Banco Central Europeu – autoridade máxima da Eu­­rozona – tente reabilitar a Grécia dentro do bloco. "Eles precisam evitar o efeito dominó, em que outros países podem seguir o exemplo e deixar a moeda", diz.

Reforço de fiscalização

Outra consequência direta da saída dos gregos da moe­­da única europeia é que os diretores da Eurozona intensificariam a fiscalização para os novos candidatos. O processo, segundo o professor da UniCuritiba, tende a ficar mais burocrático e difícil para aceitar países candidatos como a Turquia e a Sérvia, por exemplo.

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Para adotar o euro em 2001,­­ a Grécia "maquiou" da­­dos sobre sua estabilidade econômica, minimizando suas dívidas internacionais. Os números, ignorados­­ na época, fizeram diferença quando a crise estourou em 2008. O país foi um dos primeiros a quebrar. Atualmente, a taxa de desemprego atinge 21,7% da população.

"A Grécia nem deveria ter entrado na Zona do Euro. Is­­so foi uma decisão política e não econômica", explica o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Pau­­lo­­ (USP), Kai Lehmann. Se­­gundo ele, os gregos deveriam ter deixado o bloco há dois anos, para dar tempo de organizar o calote na Europa. "Hoje, o continente está em crise. A saída da Grécia do euro, em curto prazo, só deve piorar muito o problema de toda Europa", conta.

Blocos

O abandono do euro por parte dos gregos não significa que o país também deixará a União Europeia (veja o mapa ao lado). Apenas 17 nações aderiram ao euro desde que a moeda foi criada em 1999, enquanto outras 27 fazem parte da União. No entanto, com a saída do país da ZE, os dois projetos de expansão são colocados em jogo.

"O alargamento da União Europeia também é perigoso agora. Primeiro é preciso discutir os rumos da crise econômica e limpar a casa", afirma o professor de direito internacional do Grupo Uninter Eduardo Gomes. Pa­­ra ele, os impasses políticos com a Grécia levaram o bloco a perder credibilidade.

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Gomes não acredita que a saída da Grécia da Zona do Euro seja boa para nenhuma das partes. Para ele, os gregos estariam apenas postergando o problema da dívida e, em algum momento, seriam forçados a conter gastos em desenvolvimento. O bloco, por sua vez, "poderia não sofrer impacto econômico nenhum, mas a situação abre um precedente e por isso não é interessante."

Para Kai Lehman, a grande ironia é que os gregos não têm uma maneira legal de abandonar o euro. "Quando a moeda foi construída, ela não previa como os países poderiam sair dela. No Tratado de Lisboa, há clausulas específicas sobre a saída da União Europeia. Essa situação da Grécia é algo novo e sem precedentes."