O epicentro do jihadismo na África tem sido, por muito tempo, o Sahel, a região que circunda a margem sul do deserto do Saara. Grupos islâmicos, como o Boko Haram, usaram a vasta e relativamente vazia área para se esconder, recrutar e organizar suas atividades. Agora, a ameaça está, cada vez mais, se espalhando pelos países vizinhos.
Ataques terroristas atingiram a Costa do Marfim em 2016 e, desde então, vem ocorrendo repetidamente em Burkina Faso. Vários suspeitos de terrorismo vem sendo, recentemente, presos em países da África Ocidental, como Guiné, Guiné-Bissau e Senegal. Este último, historicamente um dos países mais estáveis da África Ocidental, está realizando o maior julgamento de terroristas da história. Vinte e nove pessoas são acusadas de tentar criar um califado, no estilo do Estado Islâmico, na região.
Ameaças a interesses ocidentais
Grupos afiliados à Al-Qaeda na região lançaram uma nova onda de ameaças contra interesses ocidentais na África Ocidental. Um desses grupos identificou o Senegal e a Guiné, que têm soldados em uma missão de paz das Nações Unidas no vizinho Mali, como alvos prioritários.
"Desde os ataques terroristas em Burkina Faso e Costa do Marfim, tornou-se claro que nenhum país é completamente imune. Onde houver embaixadas, organizações internacionais, multinacionais - e especialmente os ocidentais - há alvos", disse Vincent Foucher, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, que se concentra em temas relacionados ao Sahel.
A presença de grupos terroristas na região ajudou a alimentar as ameaças. Alguns dos supostos terroristas em julgamento no Senegal foram treinados na Nigéria pelo Boko Haram - e alguns até se encontraram e receberam dinheiro do grupo do líder Abubakar Shekau, segundo testemunho dado aos investigadores.
Outros tinham ligações com grupos extremistas na Líbia e no norte do Mali, de acordo com documentos judiciais obtidos pelo Washington Post. Um relatório de inteligência do final de 2015, obtido pelo jornal americano, disse que a instabilidade tornou a Guiné-Bissau um refúgio para "terroristas internacionais" de grupos como a al-Qaeda e o Boko Haram.
Multiplicação do terrorismo
Como o julgamento no Senegal tem mostrado, os militantes estão retornando de combates que envolvem esses grupos em lugares como Líbia, Mali e norte da Nigéria. Eles trazem ideologias, contatos e, às vezes, milhares de dólares para iniciar novas células terroristas. As investigações que levaram ao julgamento começaram em julho de 2015, graças a um post no Facebook mostrando combatentes senegaleses que supostamente morreram enquanto lutavam ao lado de grupos islâmicos na Líbia.
Supostos terroristas também contam com a facilidade de se movimentar entre os países da África Ocidental. A Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Ecowas, na sigla em inglês), composta por 15 membros, permite que os cidadãos desses países atravessem as fronteiras sem vistos. As áreas fronteiriças são muitas vezes mal controladas. Os governos, por sua vez, muitas vezes, são incapazes de rastrear suspeitos enquanto elas se movimentam.
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"Devido à sua fragilidade política, entrar na Guiné-Bissau é muito fácil. As pessoas podem passar despercebidas por muito tempo", disse um alto funcionário da inteligência da Guiné-Bissau. Pessoas suspeitas de terem ligações com grupos terroristas deveriam ser seguidas quando entrassem no país, disse ele, mas os serviços de inteligência do país não têm muitos carros disponíveis para realizar operações de vigilância.
"O estado deveria ter uma estratégia de prevenção, mas o estado é fraco", disse Aristides Gomes, primeiro-ministro da Guiné-Bissau.
Operações militares
Mesmo a intensificação de operações militares no Sahel pode não resolver o problema. Tropas americanas e europeias estão ali com uma força regional composta de tropas da Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Níger e Chade e respaldada por milhões de dólares em financiamento internacional. Mas a presença de soldados poderia levar a uma dispersão da ameaça terrorista na região, diz Pierre Lapaque, que dirige o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime na África Ocidental.
A expansão de grupos militantes que assolam o Mali desde 2012 é pouco provável no resto da região. "Em vez de redes controladas por grupos jihadistas que lutam em outros lugares, existem grupos de membros e ex-membros, e simpatizantes aos quais os grupos jihadistas podem recorrer", disse Foucher.
Mas há preocupações de que os países da África Ocidental estejam subestimando a ameaça, enquanto os políticos estão nervosos ao falar sobre os radicais islâmicos à medida que atraem os eleitores muçulmanos. “O Senegal descuidou-se na luta contra o extremismo violento" para evitar alarmar os turistas e os investidores estrangeiros, disse Bakary Sambe Said, diretor do Instituto Timbuktu, com sede em Dakar, e coordenador para o Observatório sobre Radicalismo Religioso e Conflitos em África.
O atual julgamento poderia levar a uma mudança na abordagem do Senegal em relação ao contraterrorismo, com sentenças duras sendo usadas como uma demonstração de força projetada para dissuadir potenciais seguidores. Mas especialistas dizem que um julgamento justo será fundamental para impedir que outros se juntem aos terroristas.
"Muitas vezes, a repressão do Estado, especialmente a tortura e as execuções extrajudiciais, são fatores que levam as pessoas ao jihadismo", disse Foucher. "Deste ponto de vista, o fato de que o Senegal esteja realizando um julgamento oficial a supostos jihadistas deve ser encorajado."