O presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, manteve o posicionamento crítico ao ditador Nicolás Maduro depois que a Assembleia Nacional Constituinte, chavista, retirou sua imunidade parlamentar e autorizou o prosseguimento de uma investigação judicial, na qual Guaidó é acusado de uma série de crimes.
Mas à medida que as crises política e humanitária na Venezuela aumentam, alguns estão levando a sério a ameaça contra o líder da oposição apoiado pelos EUA e mais de 50 países.
"O governo só está ganhando tempo", alertou Daniel Álvarez, gerente de uma loja de 41 anos em Caracas. "Eles estão esperando que as ruas se acalmem e que os países aliados baixem a guarda".
A votação realizada na terça-feira (2) por partidários de Maduro foi a mais recente de várias medidas destinadas a intimidar Guaidó e seus partidários. O governo de Maduro congelou os bens de Guaidó, proibiu-o de deixar o país e deteve seu chefe de gabinete. A polícia interrompeu protestos e forças paramilitares ameaçaram manifestantes.
Guaidó disse que está preparado para ser preso pelo regime autocrático e que tem um plano de contingência para que aliados continuem com o movimento liderado por ele.
"No caso de eles quererem, ou tentarem me sequestrar, o que podem fazer sem dúvida, existe uma estratégia completa pronta para continuar com a liderança, mas também para intensificar a pressão", disse Guaidó em uma entrevista após uma conferência sobre os planos políticos da oposição para remediar a crise da Venezuela. Uma prisão "só catalisaria a pressão local e internacional, e ouso dizer, seria uma das ações políticas erráticas finais do governo".
Embora Guaidó e seus aliados tenham se preparado para uma prisão, ele disse que ainda estava tentando aceitar o que a prisão significaria para ele pessoalmente. O regime foi acusado de violações dos direitos humanos que incluem tortura e execuções extrajudiciais.
"Eu tive que ver o mal de perto", disse Guaidó. "Mas nada pode prepará-lo para ser sequestrado, morto ou ver a sua família sofrer".
Tática do salame
O conflito está esquentando em meio a uma profunda crise humanitária neste país sul-americano de 30 milhões de pessoas. Fome, falta de energia e água em nível nacional, hiperinflação e uma economia em contração estão levando os venezuelanos de todas as classes sociais ao desespero.
EUA e outras autoridades alertaram Maduro contra uma eventual prisão de Guaidó, mas analistas internacionais dizem que Maduro está avaliando as possíveis consequências.
"As chances [de Guaidó ser preso] são altas", disse o professor de Relações Internacionais da UnB, Antonio Jorge Ramalho da Rocha. "O governo aguardará a reação interna e internacional antes de dar esse passo", avalia.
O vice-presidente da Americas Society/Council for Americas, Eric Farnsworth, disse que Maduro está usando "táticas de salame". "Você corta uma fatia e vê o que acontece. Maduro está tentando se aproximar cada vez mais de Guaidó, e na medida em que não há reação, ele vai continuar", explica.
Luis Vicente León, diretor da agência de pesquisas venezuelana Datanálisis, concorda. "Maduro não pode pressionar Guaidó diretamente porque ele arrisca perder o apoio do público e provocar a comunidade internacional a responder", ponderou. "Ele está medindo o impacto de cada uma de suas decisões para ver até onde os Estados Unidos o deixarão ir para pegar Guaidó".
O representante diplomático de Guaidó nos Estados Unidos, Carlos Vecchio, disse que há pessoas dentro do regime chavista que não estão de acordo com a prisão do líder oposicionista e que, se isso realmente ocorrer, os processos e medidas para a transição política serão acelerados.
"Há pessoas muito próximas de Maduro que também não concordam em prender Guaidó. Nem mesmo parte do regime aceita que Maduro avance nisso, pelo colapso que o regime está sentindo internamente", disse Vecchio em entrevista à NTN24.
Embates
A votação unânime da Assembleia Nacional Constituinte – um grupo de seguidores de Maduro criado em 2017 para combater a Assembleia Nacional – seguiu horas de debate. Os membros denunciaram Guaidó como "traidor" e disseram que a Venezuela não seria intimidada pelos imperialistas estrangeiros.
"Nós é que vamos colocar Guaidó na cadeia, não Nicolás Maduro", disse o líder da ANC, Diosdado Cabello. "Dê tempo à justiça".
Guaidó é acusado de usurpar as funções de Maduro, de planejar um atentado contra o ditador e de ter deixado o país ilegalmente.
Guaidó disse a repórteres do lado de fora de sua casa em Caracas que estava avançando com planos para grandes protestos neste fim de semana.
"Eu quero saber qual de vocês, qual oficial do regime concordaria em sequestrar o presidente da república", provocou.
O senador democrata Robert Menendez, do Comitê de Relações Exteriores do Senado, apresentou na quarta-feira uma legislação que aumentaria as sanções contra autoridades venezuelanas e suas famílias, ao mesmo tempo em que estenderia imunidade àqueles que reconhecem Guaidó se "não tiverem suas mãos sujas de sangue".
Os venezuelanos estão divididos em como levar a sério as ameaças de Maduro.
A corretora imobiliária Marielena Melville, 66, está contando com as massas que participaram das manifestações convocadas por Guaidó em todo o país. Contanto que ele continue tendo esse apoio, disse ela, "a ditadura não ousará tocá-lo".
Outros observaram o caso do líder da oposição Leopoldo López, que enfrentou ameaças semelhantes do governo antes de sua prisão em 2014. López deixou o presídio, mas continua em prisão domiciliar.
"Não será difícil para eles fazer o mesmo com Guaidó", disse Nicola Miranda, universitária de 18 anos.
Maduro continua a contar com o apoio de um grupo chavista. José Reyes, um eletricista aposentado da favela de Petare, em Caracas, disse que Guaidó é o culpado pela crise na Venezuela.
"Ele está cumprindo a missão dos Estados Unidos", disse Reyes, 80. "Quanto eles estão pagando a ele? Eu não sei... O fato de estarmos vivendo no escuro é inteiramente culpa dele".