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Soldado norte-americano brinca com menino afegão em vilarejo na região de Khas Kunar | Erik de Castro/Reuters
Soldado norte-americano brinca com menino afegão em vilarejo na região de Khas Kunar| Foto: Erik de Castro/Reuters

Perigo

Professora vive riscos diários

Shahira Saidy, professora de 20 anos, veste sua burca, sai de sua casa e sobe numa velha e frágil minivan branca. O motorista a leva para um prédio escondido atrás de um muro de três metros de altura.

Ali, no Centro Comunitário Canadense-afegão, ela ensina inglês para crianças e é aluna de administração de empresas.

É uma rotina diária perigosa para uma mulher de 20 anos na cidade de Kandahar, no sul do país, o antigo centro do Taleban, onde a lei tribal e tradições ultraconservadoras permanecem sacrossantas, apesar da queda da milícia religiosa dez anos atrás.

Sua expressão fica séria quando ela se lembra de suas meninas que foram mortas a tiros a caminho da escola. "Elas estavam indo para a escola e foram mortas. Eu fiquei muito assustada", diz.

Saidy sonha em ver o resto do Afeganistão e então o mundo, além das fronteiras do país. Mas ela se pergunta sobre o futuro de sua terra natal. "Agora, as pessoas estão se matando de novo", diz.

Ataques motivam alistamento de soldados

Mohammed Ali, de 21 anos, cos­­tumava ver os soldados do Exér­­cito afegão durante patrulhas ao redor de sua vila. Ele gostava dos uniformes camuflados com a insígnia do Exército, nas cores preta, vermelha e verde.

"Eu os via e pensava que um dia seria um deles", diz Ali. Mas ele mantinha seu sonho em segredo, pois sabia que enfrentaria resistência de sua família, que testemunhou a guerra civil da década de 1990 e a severidade do domínio do Taleban logo depois.

"Guerra e morte são parte do meu país e minha família sempre quis nos preservar", diz. Ali é da etnia Hazara, um grupo minoritário que é atacado tanto pelo Taleban quanto pelas facções da Aliança do Norte, que governava o país antes deles. Quando ele disse à sua mãe que queria entrar para o Exército, ela tentou dissuadi-lo.

"A primeira vítima é sempre o soldado. Eu odiaria que você se alistasse", disse a mãe.

Então, um ataque suicida matou dois soldados afegãos durante uma patrulha em sua província, Sar-e-Pul, no norte. Dez meses atrás, ele desafiou os desejos de sua família e colocou o uniforme.

Taleban

Moabullah, soldado do Taleban com mais de 40 anos, está na guerra contra os norte-americanos e seus aliados. No início, sua família foi contra. "Minha mulher e filhos diziam para eu ficar em casa. [Diziam] ‘basta, já sofremos o suficiente com a guerra’", lembra ele.

Bombardeios contra locais errados e sucessivos ataques noturnos de soldados norte-americanos e afegãos contra sua vila, que ele prefere não identificar, mudaram as coisas. "Agora, minha mulher e meus filhos dizem: ‘Você tem de lutar’."

Os EUA lideram a guerra no Afeganistão, mas as perdas e os danos são altos e divididos por todos os envolvidos. Pelo menos 1.700 soldados norte-americanos morreram na última década. A Organização do Tratado do Atlân­­tico Norte (Otan) perdeu 954 soldados.

O Exército Nacional afegão so­­freu mais de 1.500 baixas e, embora não haja dados confiáveis sobre quantos insurgentes foram mortos, a estimativa supera os 10 mil.

Nesse meio tempo, o povo afegão ficou no meio do confronto. Cerca de 2.930 civis morreram em ataques realizados pelos Estados Unidos e pela Otan e outros 7.686 foram mortos por insurgentes, segundo estimativas da Orga­­nização das Nações Unidas (ONU) e do Human Rights Watch (HRW). A seguir, algumas histórias marcadas pela guerra.

Família

Quando era criança, o soldado raso Kyle McClintock, de 23 anos, odiava seu pai e sua mãe por se­­rem reservistas do Exército, porque eles ficaram fora por longos períodos. Seu pai lutou na Arábia Saudita durante a operação Tem­­pestade no Deserto e sua mãe serviu no Afeganistão.

McClintock, que nasceu em Rockford, Illinois, tinha apenas 13 anos quando terroristas, sediados no Afeganistão, realizaram os ataques de 11 de Setembro de 2001 contra Nova York e Washington. Menos de um mês mais tarde, em 7 de outubro, os EUA e seus aliados lançaram a operação Liber­­dade Duradoura para caçar integrantes do Taleban e da Al-Qaeda.

Três meses depois de seu primeiro embarque, McClintock, está montando guarda num posto avançado numa montanha afegã, com uma clara visão da fronteira paquistanesa, por onde os terroristas entram. É a sua primeira vez numa zona de guerra.

McClintock acha que seus pais têm orgulho dele. Mas ele ainda não decidiu se vai seguir carreira militar, como eles fizeram. Mas de uma coisa ele tem certeza: não vai encorajar seu filho, de 1 ano e 7 meses, a se tornar a terceira geração de soldados da família.

Terceiro maior

O alemão Tim Ruppelt, soldado de 30 anos, serviu nove meses no Exército alemão porque foi obrigado, mas se alistou para os 12 anos seguintes porque quis. Rup­­pelt, então com 21 anos, ti­­nha um emprego sem futuro num armazém em sua cidade natal, Bremen, que ele deixou para prestar o serviço militar, compulsório na Ale­­manha.

Quando estava no sétimo mês do serviço militar, se deu conta de que gostou da camaradagem e do treinamento diário e ficou. "Era interessante. Cada dia havia algo diferente", diz Ruppelt, que agora é paramédico do Exército.

O contingente alemão no Afe­­ganistão, com 5 mil soldados, é o terceiro maior, depois do norte-americano e do britânico. Até agora, 53 soldados alemães morreram. Des­­de o início da guerra do Afeganis­­tão, a Otan e seus parceiros perderam 954 militares. "Eu acho que os alemães não têm muito orgulho de seus soldados que lutam no Afeganistão", diz Ruppelt. "Às vezes, eu acho que eles esqueceram onde estamos."

"Pelo que nossos soldados mor­­­­reram é, para mim, a questão mais difícil de responder. Talvez em alguns anos, quando o Afe­­ganistão for um lugar seguro, e o terrorismo tiver acabado e não houver mais problemas com a Al-Qaeda, então possamos olhar para trás e nos perguntar se a missão aqui foi um sucesso", diz o alemão.

Interatividade

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