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Estudantes mexicanos participam de protestos contra à violência no México, após, inocentemente, três estudantes de cinema terem sido mortos e dissolvidos em ácido por causa de um conflito entre dois cartéis de drogas | ULISES RUIZ/AFP
Estudantes mexicanos participam de protestos contra à violência no México, após, inocentemente, três estudantes de cinema terem sido mortos e dissolvidos em ácido por causa de um conflito entre dois cartéis de drogas| Foto: ULISES RUIZ/AFP

A pouco mais de dois meses das eleições presidenciais no México, em 1º de julho, o advogado Ricardo Anaya (27,7% das intenções de voto) superou o governista José Antonio Meade (22,2%), do PRI, e está atrás apenas do esquerdista Andrés Manuel Lopez Obrador (43,4%), do Morena.

Filiado ao mesmo Partido da Ação Nacional dos ex-presidentes Vicente Fox (2000-06) e Felipe Calderón (2006-12), Anaya lidera a coalizão México para a Frente, que inclui os esquerdistas PRD e Movimento Cidadão.

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À reportagem, Anaya, 39, critica a guerra às drogas lançada por seu partido em 2006, que já deixou mais de 80 mil mortes, e defende mudanças no combate ao crime organizado e o debate da legalização da maconha no país.

O PAN é um partido de perfil sólido. A aliança com partidos de ideologias distintas, caso o sr. se eleja, criará dificuldade para governar?

Anaya - Não, apenas não criará dificuldades como será algo inédito. O PAN, o PRD e o Movimento Cidadão decidiram unir esforços e criar no México um governo de coalizão, algo que é comum em democracias como a Alemanha ou o Chile, por exemplo.

Os partidos que integram a aliança decidiram colocar no topo das prioridades as coincidências -que são maioria- e superar as diferenças, dando impulso ao melhor de nossas propostas. Isso possibilitará harmonizar propósitos e convertê-los em ações legislativas e de governo. Assim, governarei pelos princípios do PAN, e assumirei como minhas as propostas dos partidos da México para a Frente.

Qual é sua proposta para que o México retome o crescimento econômico, que se retraiu após um período de entusiasmo que rendeu a expressão “milagre mexicano”?

Anaya - O crescimento está estancado como consequência de muitos fatores, entre os quais a falida política fiscal de arrecadação, instrumentada pelo atual governo com sua desastrosa reforma fiscal de 2013.

Foi uma reforma que tirou dinheiro dos cidadãos para dar ao governo, que o gastou de maneira irresponsável, quando não se evaporou em delitos de corrupção. Este governo foi o que mais dinheiro teve na história de nosso país, e o dinheiro não foi investido para alimentar o crescimento econômico, estimular mais investimentos, criar empregos e um maior consumo interno.

Teremos como prioridade fiscal e política que o cidadão tenha o dinheiro. Com isso, vamos estimular o mercado interno, o que se transformará em crescimento. Também faremos uma aposta a favor do Estado de Direito e do combate à corrupção.

Como diminuir o alto índice de homicídios?

Anaya - Modificaremos o modelo de segurança pública e o modo como combatemos o crime organizado -o atual sistema foi colocado em prática em 2006 e fracassou. Concentraremos esforços para combater os delitos que geram mais violência e que se traduzem na alta taxa de homicídios.

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O governo atual [de Enrique Peña Nieto] deixará como saldo o maior índice de insegurança dos últimos vinte anos e, sem dúvida, o de maior número de mexicanos mortos em época de paz da história.

Reverteremos esse número com o uso de tecnologia e a melhor capacitação das polícias, com um esquema de comando misto (federação, estados e municípios). Vamos revisar as condições trabalhistas dos agentes e criaremos uma Secretaria de Segurança Cidadã.

A “guerra ao narcotráfico” foi promovida por um presidente de seu partido, Felipe Calderón. Como a avalia?

Anaya - Centenas de milhares de famílias mexicanas se encheram de dor nos últimos 12 anos por causa da violência e das mortes causadas pelo crime organizado. É claro que a estratégia do Estado mexicano na luta contra o tráfico de drogas fracassou. Devemos admiti-lo com todas as suas letras.

Este governo não só não conteve a violência como a alimentou com decisões muito erradas. Eles acreditavam que censurando informação, mas mantendo a mesma estratégia, alcançariam resultados diferentes, o que acabou sendo um fracasso retumbante.

Quando nossa frente assumir o governo, teremos que mudar essa realidade, lutar para erradicar a violência e o medo nas ruas.

Nossa estratégia também passará pela revisão de nossas políticas de cooperação em segurança com os EUA. Não vamos permitir que o México conte os mortos enquanto nosso vizinho continua sendo o maior mercado de drogas do mundo e de armas ilegais para as gangues criminosas.

O sr. aceitaria iniciar um debate pela legalização das drogas como alternativa ao narcotráfico?

Anaya - Sim. Parte da mudança passa por revisar causas e consequências da luta empreendida até agora pelo Estado contra o narcotráfico, de forma específica no que diz respeito à produção, comércio e consumo de maconha. Convocaremos um amplo debate nacional sobre a conveniência da legalização. Seria um erro continuar abordando o narcotráfico apenas da ótica da segurança em vez de explorá-lo do ponto de vista da saúde pública.

A corrupção é hoje uma das principais preocupações dos latino-americanos. No México isso é agravado pelo fato de os cartéis financiarem campanhas no interior, cooptando autoridades regionais. O presidente tem poder para desmontar essa esquema?

Anaya - Somos talvez o único país latino-americano onde a impunidade à corrupção de governantes é a norma.

E a corrupção no México vai além do narcotráfico. Ela ocorre por muitas vias, nos âmbitos regional e federal, do desvio de recursos públicos a licitações forjadas e ilegais de obras públicas, como no caso [da empreiteira brasileira] Odebrecht. Ou por meio de processos complexos de desvios de dinheiro com empresas fantasma ou subcontratação de serviços.

No combate à corrupção, vamos utilizar ferramentas como o fim do foro privilegiado e da impunidade para governantes, uma proposta que conseguimos levar adiante no Congresso. Vamos fortalecer um Ministério Público autônomo para que possa investigar os casos e leva-los a um juiz.

Criaremos uma Comissão da Verdade, com apoio da ONU, para descobrir e castigar os casos de corrupção e impunidade no México. Serei o primeiro presidente do México que não terá foro, e poderei ser investigado por meu comportamento no governo.

O presidente Enrique Peña Nieto parece ganhar tempo para não confrontar Donald Trump de forma direta, enquanto este segue criticando os mexicanos. Como o sr. lidará com o atual governo americano?

Anaya - De forma totalmente diferente. O atual governo se comportou de modo errático. Desde que Trump era candidato e foi recebido com tapete vermelho, permitiram que ele colocasse o México como centro de suas frustrações e fobias, e as respostas do nosso governo não foram contundentes.

Isso mudará. Vou defender com firmeza a dignidade e os interesses dos mexicanos dos dois lados da fronteira. Sou consciente do interesse de manter uma boa relação com os EUA. Mas os EUA devem ser conscientes de que precisam muito do México.

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