O presidente americano Donald Trump está entrando em um grande vespeiro ao tentar proteger a indústria americana e sobretaxar as importações da China e de alguns importantes aliados, como a União Europeia e o Canadá. O risco é o de desencadear uma guerra comercial mundial sem precedentes. E os reflexos não serão nada saudáveis para a economia mundial.
“É uma situação que, no longo prazo, ninguém sai ganhando”, diz Gilmar Masiero, professor do Departamento de Administração da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Pode desacelerar o ritmo de crescimento da economia mundial, aumentar a inflação e ter um impacto negativo no ambiente corporativo, com a perda de valor das empresas, motivado pela derrocada das ações.
O acirramento das tensões pode levar a uma nova crise mundial, aponta Hsia Hua Sheng, professor de Finanças Aplicadas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. “E todos os países do mundo podem ser afetados, se não se baixar a retórica e não houver negociações”, complementa o professor Juliano da Silva Cortinhas, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IRI-UnB).
Protecionismo perigoso
Na semana passada, o presidente norte-americano Donald Trump anunciou o estabelecimento de taxas de US$ 50 bilhões em produtos importados da China. E quer sobretaxar mais US$ 200 bilhões em mercadorias provenientes da segunda maior economia global. Antes, tinha anunciado a taxação do alumínio e do aço originários do Canadá e da União Europeia. A situação gerou um desconforto na reunião de cúpula do G-7, as maiores economias do mundo, que aconteceu no início do mês em Quebec (Canadá).
As reações contra Trump estão vindo de todos os lados. A União Europeia anunciou, na quarta, a imposição de US$ 3 bilhões em tarifas a produtos americanos, como milho-doce, suco de laranja, Bourbon e as famosas motocicletas Harley Davidson. A Índia notificou, na quinta, a Organização Mundial do Comércio (OMC) de que aumentará as tarifas sobre mais de duas dezenas de produtos americanos.
“É uma onda protecionista sem precedentes”, diz Cortinhas. O último grande ciclo protecionista ocorreu entre os anos 70 e 80, também liderado pelos Estados Unidos.
O problema, segundo ele, é que o atual movimento é mais amplo e vem muito rápido. Unem-se à ele ondas populistas, com grandes vitórias em todo mundo, como a vitória de um partido de direita extrema na Itália, a oitava economia mundial. E também há um aumento na retórica nacionalista. Na Alemanha, que tem o quarto maior PIB no mundo, os nacionalistas – representados pelo partido Alternativa para a Alemanha (AfD) – são a segunda maior força.
O movimento também coincide com o enfraquecimento das instituições que foram criadas a partir do final da Segunda Guerra Mundial (1939-45), com o objetivo de dar mais estabilidade ao cenário internacional.
Não é a toa que os Estados Unidos estão se afastando de muitas organizações multilaterais e de alguns tratados internacionais. O mais recente, nesta semana, foi a retirada do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Antes, abandonaram o Acordo do Clima de Paris, o Tratado de Associação Transpacífica, o Acordo de Paris sobre o Clima e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
Antigos aliados também estão sendo descartados pelos americanos. Segundo o Washington Post, “o presidente Donald Trump está iniciando uma guerra comercial contra a China ao mesmo tempo em que iniciou uma contra os países que poderiam ajudá-lo na mobilização contra o país asiático”.
“Os Estados Unidos surpreendentemente estão levando a sério a possibilidade de colocar também uma tarifa extra para os produtos de seus aliados históricos, como aços do Canadá e carros europeus”, disse Sheng, da FGV.
Na maior economia do mundo, o discurso protecionista está diretamente ligado às promessas de campanha de Donald Trump. O mote dele era “America First” (“Estados Unidos primeiro”) e o alvo principal seriam as regiões do interior do país que estavam se desindustrializando rapidamente por causa do aumento da concorrência internacional. “Agora, esse discurso está se tornando realidade”, lembra o professor da UnB.
“Mas não é só isso. Por trás do discurso de Trump, está o pesado déficit na balança comercial”, lembra Masiero, da FEA-USP. No período de 12 meses, encerrado em abril, a perda foi de US$ 573,1 bilhões, 10,2% a mais do que ano anterior, segundo dados do US Bureau of Economic Analysis.
Mau momento
O aumento no protecionismo vem em um momento em que a economia mundial está tendo um bom desempenho. A previsão do Banco Mundial é que ela cresça 3,1%, caindo para 2,9%, em 2020. E o acirramento pode fazer que essas expectativas não se confirmem.
Um dos impactos imediatos, de acordo com o professor da FGV, seria o aumento da inflação mundial, por causa da menor concorrência. Os produtos aumentariam de preço, por causa da elevação dos custos de produção. E, para conter essa alta, um dos caminhos seria o de aumentar as taxas de juro, o que acabaria afetando investimentos e contendo o crescimento.
Países em desenvolvimento seriam fortemente atingidos. Além de terem dificuldade em exportar seus produtos, também enfrentariam problemas para captar recursos para o desenvolvimento de projetos de infraestrutura. “Os investidores exigiriam um retorno maior por causa da alta nos juros”, ressalta Sheng.
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Isto poderia ter um forte impacto na economia brasileira, que ainda não se recuperou da mais grave crise econômica da história. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de aço, um dos alvos preferidos de Trump e fortemente usado em projetos de infraestrutura e de minério de ferro. Com o PIB global crescendo menos e juros maiores, a demanda por estes produtos e de outras commodities tenderia a ser menor.
O Brasil também teria dificuldades em entrar em um jogo de retaliações, aponta Cortinhas, da UnB. O motivo é a pequena participação do Brasil no comércio internacional. Apesar de ser a nona maior economia mundial, é apenas o 29° maior exportador, com uma participação de 0,99% dos negócios internacionais, segundo a revista britânica The Economist. À frente, estão países com PIB bem menor como Polônia, Suécia, Tailândia, Bélgica e Irlanda.
Impactos corporativos
O secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), Mukhisa Kituyi, disse, em um artigo publicado no site da organização, que, em uma guerra comercial, empresas de uma ampla gama de setores terão lucros menores e os trabalhadores perderão empregos.
Os governos perderão receita e os consumidores, menos opção de produtos. E não importa onde estejam, firmas, governos e famílias incorrerão em custos mais elevados.
Um dos principais problemas seria a formação de um amplo excedente de produção chinesa. “Eles terão de procurar novos mercados para se reestabelecer”, diz Sheng. O ritmo de crescimento da economia chinesa poderia cair. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta, para este ano, uma expansão de 6,6%.
E, imediatamente, um dos segmentos mais atingidos seria o de alta tecnologia, que vive um ótimo momento: as ações na Nasdaq se valorizaram 24% nos últimos meses. E podem perder valor se as disputas comerciais se acirrarem.
Trump acusa a China de desrespeitar a propriedade intelectual americana. E esse é um dos principais motivos que levou o presidente americano a decretar o aumento de tarifas sobre os produtos chineses. Mas o país asiático é um dos maiores fornecedores de componentes eletrônicos para os Estados Unidos, o maior fabricante mundial de produtos de alta tecnologia.
Segundo Sheng, isso cria um duplo problema: “os chineses podem perder grandes clientes e os americanos, importantes fornecedores.” Isto deve acabar reconfigurando o setor. “Os chineses vão ter de procurar novos mercados para se reestabelecer.” E os americanos precisarão encontrar novos parceiros.
Esta situação, diz o professor, é um exemplo de como as relações empresarias vão ser afetadas. Ele ressalta que o planejamento se torna mais complicado, pois há mais dificuldades para vender pelos diferentes canais de distribuição. “No curto prazo, vai exigir muita adaptação por parte das empresas.” Adaptação que, neste novo cenário, poderia exigir mais de um ano.
Impactos negativos nos EUA
Mesmo nos Estados Unidos, as decisões podem ter impactos negativos. Produtos extremamente populares, como o iPhone, da Apple, podem ficar entre 30% e 40% mais caros ao serem produzidos nos EUA, diz o professor da FGV, por causa do aumento nos custos. Muitas empresas montaram cadeias produtivas com fornecedores em todo o mundo. Elas teriam de ser repensadas. Quem depende de aço importado de países como o Canadá já está sentindo uma alta nos custos de produção.
Muitas empresas já falam em adiar projetos de investimento. A.B. Ghosh, presidente nos Estados Unidos da multinacional holandesa Akzo Nobel, disse ao Washington Post que a elevação das tarifas internacionais está turvando decisões de investimento e aumentando custos de produção.
“Estes impactos negativos podem acabar pesando contra Trump e tirando o apoio que ele tem no empresariado”, diz Masiero, professor da FEA-USP. Justamente em um momento que a economia está muito bem. A previsão do FMI é que ela cresça 2,93% neste ano, o que seria a maior taxa desde 2005.