![Rebeldes líbios, que lutam contra as forças ligadas ao ditador Muamar Kadafi, fazem graça para o fotógrafo da Reuters enquanto viajam por uma rodovia da Líbia, entre Benghazi e Ajdabiyah | Suhaib Salem/Reuters](https://media.gazetadopovo.com.br/2011/10/rebeldes-1.0.73134028-gpMedium.jpg)
Para linguistas, "rebelde" tende a mostrar conotações negativas com frequência
"A distinção de significado [das palavras] é definida no contexto em que esses termos são proferidos, porque eles marcam posições ideológicas de quem os utiliza", explica a professora Ligia Negri, do curso de Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR). "Exemplifico: rebelde e revolucionário podem ser considerados sinônimos em alguns usos, sob uma perspectiva semântica, por exemplo, mas rebelde produz um efeito de sentido que o termo revolucionário não apresenta. Esse último tem mais conotação positiva do que rebelde parece ter ideia revolucionária, vanguarda revolucionária , enquanto que rebelde apresenta conotações negativas com maior frequência."
Adriano Scandolara, tradutor responsável por passar para o português vários textos estrangeiros publicados pela Gazeta do Povo, comenta as "nuances" entre "revolucionários" e "rebeldes".
De acordo com ele, o primeiro "tende para uma representação mais positiva, isto é, dá ao leitor a impressão de que o autor do texto simpatiza, em alguma medida, com a causa e que vê o ato de revolta como algo positivo, legitimando-o. E isso se relaciona com os aspectos positivos que a palavra revolução traz, com a ideia implícita de que toda revolução envolve uma melhoria da situação atual. Basta observar as diferenças entre se falar aqui no Brasil, por exemplo, em Golpe de Estado de 64 e em Revolução de 64: o modo como se denomina o evento pode já revelar as tendências ideológicas do autor, e, assim, não é à toa que militares prefiram o segundo termo".
Para a professora Adelaide Hercília Pescatori Silva, também do curso de Letras da UFPR, "a escolha pelo uso de um termo e não de outro tem sobretudo fundamentação política. Assim, como a palavra rebelde remete a pessoas que não se deixam dominar, ou domar, como o próprio Houaiss registra, talvez seja interessante a um governo tratar daqueles que se opõem ao regime instaurado como feras indomáveis uma maneira, portanto, de justificar a forma brutal como trata essas pessoas."
Insurgente
Segundo o Aurélio, é "pessoa que se acha em insurreição; rebelde, revoltoso". Para o Houaiss, é "aquele que se rebela contra algo".
Manifestante
É o "que, ou quem (se) manifesta", diz o Aurélio. O Houaiss inclui "aquele que participa de manifestação pública de caráter político".
Rebelde
No Aurélio: "Que se rebela contra a autoridade constituída". Ou, no Houaiss, "quem não se submete, não acata ordem ou disciplina".
Revolucionário
É o "adepto da revolução", diz o Aurélio, um "progressista". Segundo o Houaiss, aquele "que se caracteriza pela inovação, pela originalidade".
No noticiário sobre o Oriente Médio, desde a Primavera Árabe em janeiro passado, as agências internacionais falam de "insurgentes", "rebeldes", "manifestantes" e "revolucionários" para designar aqueles que se levantam contra os governos no poder.
Às vezes, elas optam por termos mais neutros. É quando aparecem "forças opositoras" modo como a France Presse se referiu aos sírios que protestam contra o presidente Bashar Assad ou "combatentes do Conselho Nacional de Transição" termo usado pela Reuters para falar dos líbios que lutam contra o ditador Muamar Kadafi. A Gazeta do Povo procurou pesquisadores ligados à Ciência Política e à Linguística para avaliar diferenças possíveis entre as palavras, mostrando o que se esconde por trás de uma e de outra.
"Revolucionário" almeja mudanças drásticas no mundo, afirma analista
A reportagem perguntou para pesquisadores sobre a diferença entre "rebelde" e "revolucionário", e entre "opositores" e "insurgentes". Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e pesquisador na área de Direito Internacional, Salem Hikmat Nasser afirma que é preciso ter cuidado e considerar não somente os sentidos das palavras, mas também os contextos em que estão inseridas.
"Rebeldes tende a ser usado na Líbia porque ali se está normalmente fazendo referência a revoltosos que de fato se insurgem pelas armas contra o governo, com força razoável, mas bastante desorganizadamente", explica Nasser. "Talvez o termo rebeldes nos pareça dar conta de modo mais eficaz desses vários traços."
"Já insurgentes parece carregar mais uma vez, talvez pelo contexto em que é intencionalmente usado um sentido de oposição, também armada, porém mais pontual, esporádica, talvez até menos legítima", continua o professor da FGV. "Entre opositores, de um lado, e rebeldes e insurgentes, de outro, o primeiro não carrega o sentido de uso de força ou de meios armados."
Por fim, Nasser destaca a palavra "revolução" e seus derivados. "São o que se pode chamar de palavras grandes, carregam muito peso. O revolucionário não apenas se manifesta contra o governo ou suas políticas, não apenas se revolta contra o estado de coisas, não apenas se rebela contra o regime ou parte para a insurreição, mas faz tudo isso e um pouco mais com a intenção de mudar o mundo, substituir um sistema por outro."
A professora Luciana Worms, do Dom Bosco, diz não ver muita disparidade ideológica entre "opositores" e "insurgentes". "A não ser quando aplicadas em casos específicos", diz.
"Os termos que mais me intrigam são: terroristas para os inimigos de Hosni Mubarak, ou para os inimigos dos amigos de Israel e dos Estados Unidos (é uma desqualificação terrorista é do mal); rebeldes para os inimigos de Kadafi (é quase um elogio ser rebelde é ser quase um inconformado com as injustiças do mundo)", diz.
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