Homens iemenitas armados se reúnem na capital, Sanaa, para demonstrar apoio ao movimento houthi contra a intervenção saudita, 13 de dezembro| Foto: MOHAMMED HUWAIS /  AFP

A guerra civil do Iêmen, que já dura quatro anos, produziu o pior desastre humanitário do mundo. O conflito entre uma coalizão liderada pela Arábia Saudita que apoia o governo do Iêmen e rebeldes alinhados ao Irã já matou pelo menos 10 mil pessoas e deixou pelo menos 14 milhões castigados pela fome.

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Nesta semana, o Senado americano aprovou uma proposta para acabar com o apoio dos EUA à campanha militar liderada pela Arábia Saudita, uma medida que ganhou força depois que o jornalista Jamal Khashoggi foi morto por sauditas dentro do consulado em Istambul. 

Nossas convições: A dignidade da pessoa humana

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Mulheres e crianças são muitas vezes negligenciadas na narrativa da guerra do Iêmen. No entanto, elas são as mais propensas a serem deslocadas, desprotegidas e abusadas. 

Mais mulheres estão se tornando viúvas pela guerra todos os dias, deixadas sem a educação ou as habilidades necessárias para sustentar suas famílias. Estupro e violência doméstica estão aumentando. As meninas estão sendo tiradas da escola para se casarem e assim obter o dinheiro do dote. As crianças estão adoecendo de doenças que foram erradicadas há muito tempo em outras partes do mundo, e mulheres grávidas e recém-nascidos estão sucumbindo à fome. 

Nossas convicções: A valorização da mulher

Estas são as suas histórias. 

Crianças sem sorriso

Aos 4 anos e meio, Rakan Nabeed não responde mais ao toque de sua mãe. Ele não sorri mais com o som da voz dela. Ele costumava pesar 18 quilos. Hoje, Rakan pesa apenas quatro. 

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Rakan e sua mãe, Aida Hussein Ahmed, estão entre as centenas de mulheres e crianças desabrigadas que chegam diariamente ao Hospital al-Sadaqa, na cidade de Aden. Elas fugiram de suas casas a centenas de quilômetros de distância em Hodeida, uma cidade portuária estratégica que tem sido o local do mais feroz combate entre a coalizão liderada pelos sauditas e os rebeldes. 

Historicamente, mais de dois terços da ajuda alimentar do Iêmen chegavam através de Hodeida, e 22 milhões de iemenitas dependem dela para sobreviver. Mas os combates paralisaram os esforços humanitários. O resultado é uma estimativa de 14 milhões de iemenitas à beira da inanição, de acordo com as Nações Unidas. 

Os iemenitas de Hodeida e das regiões vizinhas representam agora quase a metade das 400 mil crianças iemenitas, como Rakan, que sofrem de desnutrição aguda severa. 

“Nós comemos o que está disponível”, diz Aida. “Enche meia barriga.” 

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Agarrando-se à vida

Era para ser uma ocasião alegre, mas o nascimento do primeiro neto de Sada Mohammed Saeed foi marcado pela tragédia. O filho dela, o pai do bebê, foi morto por um morteiro que atingiu sua casa em Hodeida pouco antes do nascimento. 

O marido de Sada sofreu um derrame que o paralisou, que ela culpa pelo estresse da guerra. 

Sem homens para cuidar deles, as duas mulheres – Sada e sua nora grávida de 8 meses, Fakhira – fugiram para Aden e se abrigaram com outras pessoas deslocadas em uma escola abandonada. 

Na sociedade tradicionalmente patriarcal do Iêmen, os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos. Mas por causa da guerra, agências de ajuda informam que o número de famílias chefiadas por mulheres aumentou drasticamente. Muitas mulheres iemenitas precisam sustentar suas famílias sem as habilidades ou a educação necessárias para ganhar dinheiro. 

Após as complicações do parto, Fakhira precisa desesperadamente de medicação, mas a família não pode pagar. Os preços dos remédios estão disparando à medida que a inflação aumenta e o valor da moeda iemenita entra em colapso. Então Sada diz que ela precisa depender da generosidade dos outros. 

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Hoje, a nova mãe e a criança se agarram à vida. “Este é o bebê do meu filho morto”, diz Sada, apontando para seu neto recém-nascido. 

Da escola para o casamento

Gihan al-Hanani, de 12 anos, diz que não consegue dormir à noite por causa da dor nos braços por carregar água. Todos os dias, ela caminha 1,5 quilômetro por ruas lotadas e degradadas, povoadas por refugiados desesperados e homens jovens e ociosos com fuzis de assalto, para alcançar um tanque de água e reabastecer vários galões. 

“Em Hodeida, eu ia para a escola”, diz Gihan. “Eu queria ficar, mas houve a guerra.” 

Gihan é uma das cerca de 2 milhões de crianças iemenitas que estão sendo impedidas de estudar hoje. Com muitas famílias iemenitas sem água, abrigo e segurança adequados, é difícil priorizar a escola. Gihan faz parte de uma geração perdida de crianças iemenitas – sem instrução, sem qualificação e traumatizadas – que não estará preparada para reconstruir o país após o término do conflito. 

Neste país as meninas geralmente se casam jovens. Mas como a guerra arruinou a economia, elas estão sendo retiradas da escola para se casar ainda mais cedo do que antes, para que suas famílias possam obter dinheiro para colocar comida na mesa. A UNICEF estima que 72% das meninas iemenitas, como Gihan, se casam antes dos 18 anos. 

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As meninas também são mais vulneráveis a abusos durante a guerra. Houve um aumento de 63% em incidentes de violência de gênero, incluindo estupro e agressão sexual, violência doméstica e casamento forçado, desde o início do conflito, segundo a ONU. 

Entenda: Guerra no Iêmen causa uma das piores catástrofes humanitárias do mundo

Geração traumatizada

Miriam Abdullah, de 26 anos, e sua família fugiram dos combates em Hodeida depois que a campanha de bombardeio liderada pela Arábia Saudita se intensificou. Para chegar a Aden, Miriam e 24 membros da família – todos, com exceção de um, mulheres e crianças – viajaram por estradas de montanha traiçoeiramente sinuosas, arriscando encontros com atiradores. Nos últimos três meses, ela está morando no pequeno pátio de um escritório de um cômodo criado para ajudar os deslocados em Aden. 

Miriam diz que a dor e a sensação de perda sofrida pelas crianças iemenitas é óbvia quando ela olha para os seus filhos. 

“Só ouvir a palavra 'avião' os aterroriza”, diz Miriam. “Eles gritam: 'Mãe, vai nos atingir!'” 

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Um de seus filhos, um garoto de 9 anos que já foi muito ativo, senta-se indiferente, cutucando as feridas e observando o sangue escorrer pelas pernas. Ele só diz algo quando fala sobre ir para casa e querer ver seus amigos. À noite, ele e seus irmãos acordam em sobressalto de pesadelos. 

Agências de ajuda relatam que uma média de cinco crianças por dia foram mortas desde o início da guerra. Milhões de crianças iemenitas sofreram trauma do conflito. E por causa do colapso do sistema de saúde do país, o apoio psicossocial e os cuidados de saúde mental estão essencialmente indisponíveis. 

As Nações Unidas dizem que muitas dessas crianças carregarão pesadas cargas emocionais em sua vida adulta com consequências de longo alcance. 

Gritos silenciosos

Enquanto um médico limpa o tubo de traqueotomia que sai do pescoço de Noora Muhammed Musa, a menina de 4 anos está se contorcendo em seu leito hospitalar. A expressão de dor no rosto, as lágrimas escorrendo, o tremor dos lábios, tudo indica que ela está gritando de dor. Mas seus gritos são silenciosos. 

Conhecido como “o anjo estrangulador das crianças” pela forma como bloqueia as vias aéreas e causa a morte por asfixia, a difteria já havia matado três dos irmãos de Noora, diz sua avó, Fatima Nasser Ahmed al-Gorari. 

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A difteria, uma doença transmitida pelo ar que havia sido erradicada no Iêmen décadas atrás, agora está se espalhando rapidamente por causa do conflito. 

Alnoor Muhammed Abdularishi, um pediatra do Hospital al-Sadaqa, diz que o Iêmen está com falta de vacinas para prevenir a doença e que um grande número de centros de saúde do país fechou por causa da guerra. E como a luta dispersa a população de um lugar para outro, ela rapidamente espalha a infecção. 

Segundo a UNICEF, os 1,8 milhão de crianças desnutridas do país são particularmente vulneráveis a doenças como a difteria e a cólera, que podem ser facilmente evitadas com acesso a vacinas e água potável. 

“Nenhum pai deveria ter que enterrar seu filho”, diz Fatima.