Uma jovem na vila de Juberia, Iêmen, em 19 de outubro de 2018. A guerra no país deixou milhões sofrendo com a fome| Foto: TYLER HICKS / NYT

Um carro de batalha entra correndo pelos portões de uma casa de praia na costa do Mar Vermelho, no Iêmen – uma propriedade de luxo com um lustre de seis metros e uma piscina coberta –, agora reaproveitada como um movimentado hospital de campo. Jovens combatentes, encharcados de suor, saltam da picape e carregam um companheiro ferido, com o sangue escorrendo pelo rosto, até a enfermaria de emergência.

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Um pedaço de estilhaço cortou o nariz do rapaz e se alojou no olho direito. O combatente, um jovem corpulento chamado Ibrahim Awad, geme. “Por favor, Hameed”, ele pede ao companheiro de luta com um brilho de pânico no olho bom. “Minha cabeça parece pesada”.

A guerra liderada pelos sauditas no Iêmen, que já dura mais de três anos, matou milhares de civis e criou o que a ONU chama de a pior crise humanitária do planeta no país mais pobre do mundo árabe. Com a mais recente crise inaugurada depois do assassinato do dissidente Jamal Khashoggi em um consulado saudita no início deste mês, o jovem príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, agora enfrenta uma nova complicação para seus outros problemas de política externa.

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Fora do Iêmen, a guerra catastrófica vem sendo amplamente ignorada.

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Os sauditas barraram jornalistas estrangeiros do norte do Iêmen, palco das maiores atrocidades de ataques aéreos e da mais profunda fome. Os militares dos Estados Unidos apoiaram a campanha da coalizão, liderada pela Arábia Saudita, com inteligência, bombas e reabastecimento, o que gerou acusações de cumplicidade em possíveis crimes de guerra.

Desde junho, a guerra está concentrada no porto de Hodeida, no Mar Vermelho. Este mês, depois de uma viagem tensa, ao longo de uma estrada costeira que já teve vários bombardeios e emboscadas, fizemos uma rara visita ao caótico campo de batalha nos portões da cidade.

Lá vimos de perto como é a guerra do príncipe Mohammed, de um dos lados, em meio aos iemenitas que estão lutando e morrendo nela.

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Em 2015, o príncipe enviou aviões de guerra sauditas para bombardear os rebeldes houthis que haviam tomado o controle do noroeste do Iêmen e que ele via como representantes do Irã, país rival da Arábia Saudita na região.

Originalmente um movimento de guerrilheiros xiitas das montanhas a noroeste, os houthis chegaram ao poder em 2011 em meio à turbulência que se seguiu à Primavera Árabe. Depois de capturar a capital, Sanaa, em 2014, eles logo controlaram as três maiores cidades do Iêmen. O Irã ajudou nesses avanços suprindo os combatentes com equipamentos militares, incluindo mísseis.

Desde 2015, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos lideram uma coalizão militar em uma guerra destinada a expulsar os houthis e restaurar um governo que seja reconhecido internacionalmente. As primeiras promessas de uma vitória rápida, no entanto, deram lugar a um impasse sangrento, enquanto a guerra impôs um preço catastrófico aos iemenitas, que inclui a fome generalizada e a pior epidemia de cólera na história.

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Em Hodeida, a guerra aconteceu em uma espécie de ritmo desordenado.

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Os combates aumentam ao amanhecer e ao anoitecer, quando os soldados dos dois lados lançam morteiros na linha de frente.

Em poucos minutos, picapes param em frente ao hospital de campanha, descarregando combatentes feridos – homens manchados de terra e sangue, salpicados de estilhaços ou derrubados pela bala de um atirador de elite.

Logo em seguida chegam os civis: mães atingidas pela queda de morteiros, crianças mal nutridas sofrendo de diarreia aguda, idosos que tiveram as pernas arrancadas por minas terrestres.

O campo de batalha se estende por um terreno arenoso de fazendas abandonadas no limite sul de Hodeida, entre o aeroporto da cidade, que está infestado de minas terrestres, e um entroncamento estratégico chamado Kilo 16.

Lá, vimos picapes carregadas de combatentes correndo pelo deserto, esquivando-se de atiradores de elite e morteiros inimigos. Mais perto da linha de frente, soldados em sarongues se agachavam atrás das trincheiras arenosas ou se agrupavam sob as árvores. Aviões de guerra zumbiam no alto.

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Ao tentar capturar o porto de Hodeida, a coalizão espera tirar dos houthis o acesso a milhões de dólares em receitas fiscais mensais e forçá-los a negociar. Mas Hodeida também é a porta de entrada para uma nação faminta: três quartos dos 28 milhões de habitantes do Iêmen dependem de alguma forma de auxílio humanitário, e a grande maioria dos carregamentos passa pelo porto.

Sob intensa pressão internacional, a coalizão prometeu às autoridades ocidentais que não haveria luta na cidade ou no porto, mas sim um cerco. Agora, os dois lados estão firmes em suas posições nas margens da cidade, trocando fogo, mas ganhando pouco território.

Uma frente secundária se estende por cerca de 130 quilômetros para o sul, paralela à rodovia costeira controlada pela coalizão, onde a luta acontece em aldeias remotas e pequenas cidades, já que os dois lados tentam cortar as linhas de suprimentos um do outro.

As Nações Unidas dizem que essa frente secundária é a área mais mortal para os civis. Pelo menos 500 mil pessoas fugiram de suas casas, muitas delas forçadas a buscar abrigo em campos de refugiados de cidades mais distantes da costa, como Mokha, um pequeno porto antes famoso por suas exportações de café, e Khokha.

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No hospital de campanha, o Crescente Vermelho dos Emirados estabeleceu uma nova sala de cirurgia e uma unidade de terapia intensiva com seis leitos.

No entanto, o equipamento médico caro e muito necessário está preservado e intocado. As autoridades não conseguiram encontrar profissionais de saúde – iemenitas ou dos Emirados – para trabalhar lá.

É um sinal emblemático do modo de guerrear dos Emirados Árabes Unidos. Eles pagam salários para os combatentes e fornecem foguetes e veículos blindados de milhões de dólares.

Os generais dos Emirados, porém, comandam a luta a partir da segurança relativa de Aden, a principal cidade do sul do Iêmen, onde está baseada a maioria de seus quase cinco mil soldados que desembarcaram no país. Aviões de guerra e navios dos Emirados atacam alvos em Hodeida pelo ar e pelo mar.

Navios sauditas também patrulham as águas de Hodeida.

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No entanto, na linha de frente, os soldados dos Emirados e da Arábia Saudita são difíceis de encontrar. As bases de coalizão ao longo da rodovia costeira são vigiadas por recrutas sudaneses, muitos de Darfur.

No hospital de campanha, os mortos e feridos que vimos eram iemenitas.

Já era tarde demais para Mohammed Kulaib quando seus amigos o levaram às pressas para o hospital, às 7h30 da manhã de domingo. O jovem de 20 anos foi baleado no peito durante uma batalha no aeroporto de Hodeida. Depois de uma breve tentativa de ressuscitar o combatente, um médico o declarou morto.

O irmão de Kulaib, Yahya, estava ao lado do corpo na sala de emergência. “Os houthis nos atingiram de repente. O ataque era tão intenso que foi difícil até mesmo recuperar seu corpo”.

A visão de longos comboios carregados de tropas e munições, bem como um aumento acentuado nos ataques aéreos, alimentou notícias nas últimas semanas de que a coalizão está se preparando para fazer um forte ataque em Hodeida. Mas mesmo que capture a cidade, os especialistas estão céticos de que a investida vá mudar o rumo da guerra.

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Apesar de mais de 18 mil ataques aéreos da coalizão desde 2015, as linhas de frente permanecem praticamente inalteradas. Em torno de Hodeida, os houthis colocaram minas em vastas extensões de terra, em uma escala superada apenas pela do Estado Islâmico na Síria e no Iraque, segundo a organização Pesquisa de Conflito Armado.

Os esforços liderados pelas Nações Unidas para promover a paz falharam repetidamente. Os dois lados acreditam que têm mais a ganhar com os combates, explica Gregory Johnsen, estudioso do Iêmen na Fundação Arábia. 

“Anos de ataques aéreos não conseguiram desalojar os houthis, e seus líderes agora se sentem seguros. Eles acham que podem suplantar os sauditas”, diz Johnsen.

Enquanto isso, uma catástrofe humanitária se aproxima. Em setembro, induzido pela guerra, o valor da moeda do Iêmen enfrentou uma forte queda, o que acelerou o grande colapso econômico. A coordenadora humanitária das Nações Unidas, Lise Grande, adverte que 14 milhões de iemenitas correm o risco de morrer de fome nos próximos meses.

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Para o príncipe saudita Mohammed, a guerra é um erro calamitoso, juntamente com o embargo fracassado que liderou contra o Qatar, o sequestro do primeiro-ministro libanês e agora, como as evidências cada vez mais sugerem, a operação, sancionada oficialmente, que levou à morte de Khashoggi em Istambul.

Para os iemenitas, no entanto, esta é a casa deles. E a luta por Hodeida está se encaminhando para ser o capítulo mais destrutivo da guerra que abalou seu país.

Mais irmãos vão enterrar irmãos, provavelmente, antes que essa guerra acabe. 

 

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