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Em 2017, o Estado Islâmico (EI) perdeu seu último reduto no Iraque, após meses de disputas militares com uma coalização internacional liderada pelos Estados Unidos. Em 2019, o mesmo processo aconteceu na Síria, indicando um enfraquecimento gradual das atividades do grupo jihadista no Oriente Médio.
Contudo, nos últimos anos, sua atuação novamente ganhou fôlego, com o recrutamento de novos membros, criação de células menores envolvidas em conflitos internos de países, e uma série de ataques na região, na Europa, Ásia e África.
A guerra entre Israel e a milícia palestina Hamas, inimiga do autodeclarado califado, tem impulsionado ainda mais a organização terrorista, que mostra um reerguimento no mundo. Prova disso é que, em dezembro, a Turquia prendeu mais de 300 pessoas suspeitas de ligações com as redes do EI, em uma operação simultânea em 32 províncias
Na semana passada, o grupo reivindicou um atentado na cidade de Kerman, no Irã, que resultou na morte de quase uma centena de pessoas. O episódio aconteceu durante uma cerimônia por ocasião do quarto aniversário da morte do tenente-general Qassem Soleimani, assassinado em um ataque aéreo por forças americanas.
Outro caso recente ocorreu na Síria, nesta terça (9), onde ao menos 12 membros das forças do governo morreram e outros 20 ficaram feridos em um ataque ligado aos terroristas contra o ônibus em que viajavam pela província de Homs, segundo informou a ONG Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH).
Dados coletados pela BBC Monitoring, serviço da emissora British Broadcasting Corporation (BBC), apontam que o EI reivindicou ao todo mais de 800 ataques a nível global de janeiro a novembro do ano passado, número inferior a 2022, período em que mais de mil atentados foram relacionados aos terroristas.
Apesar disso, o instituto American Enterprise, sediado nos Estados Unidos, que também investiga a atuação de grupos terroristas, indicou que a ameaça jihadista persiste em toda a África, Oriente Médio, Ásia e Europa.
Segundo a organização, grupos afiliados à Al Qaeda e ao Estado Islâmico estão envolvidos em conflitos locais nessas partes do mundo e têm procurado formas de se fortalecerem no terreno, no âmbito de insurreições populares.
Na análise do instituto americano, esses agrupamentos menores, ligados a uma força maior, buscam desenvolver capacidades de ataque transnacionais contra o Ocidente, criando uma necessidade contínua de financiamento para atividades de contraterrorismo por parte dos Estados Unidos e aliados.
Grupos ligados ao EI no Iraque, na Síria e no Iêmen perderam líderes e agentes importantes durante as operações locais do Ocidente, no entanto continuam a ser ameaças dentro desses territórios. Eles procuram desenvolver e aperfeiçoar capacidades de ataque que ultrapassam fronteiras.
A pressão das ações antiterroristas impediu a reconquista de terrenos perdidos pelo EI, contudo a saída de tropas desses países, como está previsto para acontecer no Iraque após os ataques americanos, e as crescentes tensões regionais criam oportunidades para esses grupos terroristas se fortalecerem.
No Iraque e na Síria, a pressão antiterrorista sobre o Estado Islâmico fez com que o grupo se adaptasse, alterando sua estrutura de comando e limitando os ataques para reconstruir suas bases. As perdas ocorreram principalmente no seio da liderança global da organização, incluindo aqueles que conduzem atentados na Europa.
Mesmo com as derrotas no Iraque, o EI continua sustentado uma insurgência de baixa intensidade local, ao mesmo tempo em que conduz ataques direcionados na Síria, especialmente contra prisões para libertar seus altos membros. Um destaque foi observado no centro da Síria, onde houve um fortalecimento do grupo, demonstrando a capacidade de mobilizar forças de manobra como parte de uma campanha em várias fases.
Analistas sugerem que a crescente agressão turca contra as Forças Democráticas Sírias, o parceiro antiterrorista dos EUA no nordeste do país, poderá reduzir a pressão sobre o EI nos próximos anos.
No noroeste da Síria, o grupo filiado à Al Qaeda, Hayat Tahrir al Sham (HTS), controla a província de Idlib. Embora o HTS tenha procurado distanciar-se de suas raízes jihadistas, nos últimos anos, ainda fornece refúgio a grupos terroristas estrangeiros, como o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental e o Khatiba al Tawhid wa al Jihad.
No Iêmen, a Al Qaeda na Península Arábica (AQAP) continua empenhada em desenvolver novamente suas capacidades de ataque transnacional e persiste como uma ameaça regional. A sua liderança máxima permanece intacta, embora o desgaste dos conflitos tenha afetado as operações do grupo.
A AQAP entrou em uma disputa militar com forças antiterroristas no sul iemenita, apresentando novas capacidades com sistemas aéreos não tripulados e com intensidade crescente. Um crescimento de suas operações foi observada em maio do ano passado.
Segundo o instituto, o Estado Islâmico no Iêmen continua numa trajetória descendente, servindo como um elo financeiro e de facilitação entre o EI-Somália e o Estado Islâmico da província de Khorasan (ISKP), no Afeganistão.
Na África Ocidental, uma série de golpes de Estado desestabilizou a região, forçando bases militares do Ocidente a deixarem os territórios, como foi o caso da França após a crise institucional no Níger., que interrompeu certas operações de contraterrorismo no país e em territórios adjacentes, como o Mali, que desde a retirada de tropas militares francesas viu a atuação de milícias crescer drasticamente no território durante o ano passado, principalmente na região de Menaka, no nordeste do país.
Segundo informações do American Enterprise, a filial do Estado Islâmico da Somália serve como um centro que liga as demais células, como as afegãs, africanas e iemenitas ao quadro de liderança sênior do grupo no Iraque e na Síria. Tanto o Estado Islâmico de Moçambique (ISM) como o Estado Islâmico da Província da África Central (ISCAP) mantêm afiliação pública ao Estado Islâmico, embora não se saiba quanta influência os principais líderes do EI mantêm sobre os grupos.
No Norte de África, a pressão antiterrorista egípcia sobre a Província do Sinai do Estado Islâmico (ISSP) enfraqueceu significativamente o grupo. O ISSP mudou-se para o oeste do Sinai e conduziu apenas um ataque em 2023 contra um veículo militar egípcio, no sul do Sinai, em março.
A fraca governabilidade de líderes nesses países, que geralmente não são democráticos, somada aos conflitos internos e queixas políticas alimentam as forças terroristas para agirem e expandirem suas ações. Alguns países da África que sofrem influência do EI são Burkina Faso, Mali, Níger, Nigéria, Costa do Marfim, Gana e Senegal.
Na África Ocidental, as juntas militares do Mali e do Burkina Faso não conseguiram enfraquecer o JNIM ou o Estado Islâmico no Grande Sahara (ISGS) e continuaram a minar o apoio internacional à luta contra o terrorismo, levando a ONU a declarar que retirará a sua força de manutenção da paz no Mali.
Na Ásia, o retorno do Talibã no Afeganistão também criou uma oportunidade de crescimento para a ameaça jihadista, que encontra no país um espaço para treinamento de recrutas e proteção contra a pressão antiterrorista, facilitando o desenvolvimento de milícias afiliadas e fortalecendo o poder do autodeclarado califado.
Hoje, as principais fontes de renda do EI são sequestros, tráfico de drogas, contrabando de obras de arte e relíquias arqueológicas, e financiamento privado de simpatizantes das ações terroristas. No auge de seu poder de 2014 a 2017, o Estado Islâmico governou milhões de pessoas e reivindicou a responsabilidade por diversos atentados ao redor do mundo.
O principal líder do grupo terrorista, Abu Bakr al-Baghdadi, foi morto em um ataque das forças especiais dos EUA, no Noroeste da Síria em 2019, fato que provocou uma forte crise na organização e contribui com sua decadência.