A Guiana é uma área vasta e úmida, com apenas três rodovias pavimentadas. Há algumas estradas de terra entre aldeias de palafitas ao longo dos rios que cortam a floresta tropical, mas as crianças em áreas remotas vão para a escola de canoa e brincam nuas no calor abafado.
Na costa, há cidades simples como a capital, Georgetown, que parece esquecida no tempo, cortada por canais construídos por colonos holandeses e escravos africanos. A rede de energia é tão instável que os apagões são um problema urbano regular, e muitas áreas rurais nem chegam a ter eletricidade. Esse é o cenário improvável para o próximo grande boom do petróleo no mundo.
Nos últimos três anos, a ExxonMobil perfurou oito poços no mar territorial. Com o potencial de gerar quase US$ 20 bilhões anuais de receita até o final da próxima década, aproximadamente o equivalente à da Colômbia, um país bem maior, o ganho com o petróleo pode ser grande o suficiente para melhorar a vida de quase todos os guianenses.
Se tudo correr bem, um dos países mais pobres da América do Sul pode se tornar um dos mais ricos. De repente, em Georgetown, só se fala sobre um fundo de riqueza soberana para gerenciar todo o dinheiro, como se este fosse um reino do Golfo Pérsico. Mas há obstáculos. Se a história serve de guia, os países que descobrem petróleo muitas vezes perdem a oportunidade, pois o recurso se mistura perfeitamente à corrupção. E nações com instituições políticas fracas como a Guiana são especialmente vulneráveis.
"Há um alinhamento de dinheiro e poder nas mãos do Estado, e o partido da situação controla os recursos. Além disso, a verba é geralmente desperdiçada, mal utilizada ou simplesmente roubada", disse Floyd Haynes, professor de Economia guianense que é consultor do Ministério de Negócios.
As autoridades do governo têm pouca experiência em regulamentação de uma grande indústria petrolífera ou em negociação com empresas internacionais. O serviço público é corrupto e o setor privado é lento para inovar, reconhecem empresários e assessores de autoridades.
Uma segunda oportunidade?
Mesmo assim, há um otimismo cauteloso. "Vemos essa descoberta de petróleo quase como providencial. Foi-nos dada uma segunda oportunidade para fazer as coisas certas", disse Raphael Trotman, o ministro dos Recursos Naturais.
A primeira foi a independência do Reino Unido em 1966, que acabou perdida. Questões de política étnica tribal produziram um Estado frágil com uma economia impulsionada pelo tráfico de drogas, pela lavagem de dinheiro, e pelo contrabando de ouro e de diamantes. Uma grande maioria dos jovens com educação universitária emigrou para os Estados Unidos ou para o Canadá, enquanto aqueles que ficam para trás experimentam altas taxas de infecção por HIV, crime e suicídio.
Será que a riqueza do petróleo poderia ajudar a Guiana a superar sua história, ou será que os ganhos que inundarão os cofres do governo simplesmente vão virar a página de um novo e trágico capítulo?
"Os desafios são enormes e não devem ser subestimados. Temos que superar o nepotismo, a corrupção, o cinismo e o ceticismo", disse Lars Mangal, presidente da Totaltec Oilfield Services, empresa guianense que treina os trabalhadores locais em segurança e operações básicas com petróleo.
O governo local, através de seu acordo com a Exxon, receberá cerca de metade do fluxo de caixa da produção de petróleo, quando os custos da empresa forem reembolsados. Os economistas dizem que isso significa que o PIB atual do país, de US$ 3,6 bilhões, deve ao menos triplicar em cinco anos.
Mas, com a prospecção feita há 193 quilômetros longe da costa e sem previsões de uma refinaria, os benefícios econômicos para a população são limitados até agora, o que deixa muita gente desconfiada. Apenas cerca de 600 guianenses encontraram emprego direto nas plataformas de prospecção e nas bases e escritórios em terra, e esse número pode aumentar apenas para cerca de mil, dizem os executivos do setor. "Quando temos grandes projetos, contratamos empresas estrangeiras que trazem seus próprios trabalhadores", disse Khemraj Dhaneshrie, jovem químico da fábrica de açúcar Leonora.
Chances desperdiçadas no passado
Coloridos monumentos hindus enfeitam os campos de arroz na Guiana, um lembrete da distância cultural entre o país e seus vizinhos latino-americanos. O inglês é falado por causa do legado do governo britânico, e seus dois maiores grupos étnicos são os afro-guianenses e os indo-guianenses, descendentes de escravos da África e de servos contratados trazidos do subcontinente indiano no século 19.
Os guianenses precisam apenas olhar para a vizinha Venezuela para ver um Estado fracassado onde as maiores reservas mundiais de petróleo não impediram que a fome, a escassez de medicamentos e a hiperinflação produzissem uma miséria generalizada. Nas proximidades, Trinidad e Tobago oferece outro exemplo de como os países dependentes dessa commodity podem negligenciar as indústrias tradicionais e então passar por graves crises econômicas quando os preços caem.
Muito em jogo
Nos últimos anos, o valor das ações da Exxon caiu por causa da produção decepcionante e do esgotamento de reservas. A empresa investiu pesado no gás natural e nas areias betuminosas canadenses quando os preços estavam elevados, apostas que não corresponderam ao esperado. Quando a companhia foi forçada a entregar grandes ativos no Canadá, as sanções ocidentais na Rússia frustraram seus planos de perfuração no Ártico russo.
Darren Woods, executivo-chefe da empresa, tem um plano para reverter a situação, e a Guiana faz parte dele. Liderando um consórcio que inclui a Hess e a China National Offshore Oil Corp., a Exxon tem um projeto ambicioso para este país. Três anos após sua grande descoberta, começou a perfuração do primeiro dos 17 poços que vão produzir petróleo em 2020, com uma unidade flutuante de produção, armazenamento e transferência capaz de lidar com 120 mil barris por dia. E essa é apenas a primeira fase.
Outra unidade flutuante já está planejada, com uma capacidade de 220 mil barris/dia, e uma terceira está sendo considerada. Ao todo, 500 mil barris diários poderiam ser produzidos ainda na próxima década, o equivalente da produção nacional do Equador. A Repsol, da Espanha, a Tullow Oil, do Reino Unido, e outras empresas também estão explorando.
"É uma área de crescimento para nós. Continuamos encontrando petróleo", disse Doug McGehee, gerente de operações da Exxon na área.
Uma praia em risco?
Os ambientalistas temem que o petróleo impeça o desenvolvimento de energias renováveis e que o governo e as empresas petrolíferas não estejam totalmente preparados para evitar um possível derramamento. "Estamos a dois anos da primeira prospecção, e não temos um plano nacional de contingência em caso de derramamento de petróleo. Estamos tapando a boca da onça", disse Annette Arjoon-Martins, presidente da Sociedade de Conservação Marinha da Guiana.
Segundo ela, o acordo do governo com a Exxon não especificou em detalhes as responsabilidades da empresa em caso de derramamento. Autoridades do governo discordaram, dizendo que as leis do país responsabilizam totalmente a empresa.
Os executivos da Exxon dizem que a companhia está fazendo todo o possível para minimizar os perigos de um acidente desse tipo, pois conta com equipamentos para coletar petróleo que porventura vaze, e solicitou o uso de dispersantes químicos ao governo em caso de emergência. Além disso, afirmaram que a Guiana é suficientemente próxima do Golfo do México, de onde podem trazer ajuda em uma emergência.
Os executivos de petróleo locais dizem que um obstáculo a ser superado é uma atitude inconsequente em relação à segurança dos trabalhadores guianenses, que frequentemente vão para a construção e o cais de chinelo e às vezes usam seu capacete de proteção como tigela de sopa. Isso é algo que a Exxon e outras empresas estão trabalhando para mudar, com cursos e outros treinamentos que ensinam os funcionários a terem cuidado, não só para sua própria segurança, mas também para salvaguardar o frágil ambiente marinho.
Motivos de preocupação
O presidente da Guiana, David A. Granger, comandante militar aposentado que lidera uma coalizão rebelde, tentou estabelecer um quadro legal para a prosperidade que se aproxima. Para evitar funcionários corruptos, anunciou sua intenção de formar um departamento de energia para a criação de políticas, que vai responder ao presidente, e uma comissão independente de petróleo para regular a indústria e para conceder licenças de exploração e produção.
Sob pressão para evitar os acordos secretos do passado com empresas internacionais, Granger publicou o contrato da Guiana com a Exxon em um site do governo em dezembro, abrindo um vigoroso debate público sobre seus termos. Ele prometeu acabar com negociações sigilosas sobre os direitos de perfuração e abrir leilões para o desenvolvimento futuro.
Muitas das mudanças foram promovidas por Jan Mangal, conselheiro pessoal de Granger sobre o petróleo e irmão do empresário Lars Mangal. Jan Mangal, nascido na Guiaba e ex-gerente de projetos da Chevron, aconselhou o presidente a fazer uma pausa nos novos contratos até que a comissão petrolífera possa se estabelecer com novos funcionários, e pediu uma investigação de várias concessões feitas pelo governo anterior a pequenas empresas do setor.
"Vejo vários motivos de preocupação. Não podemos permitir que a indústria guianense seja construída sobre uma fundação corrupta", disse Mangal, que mora em Houston, no Texas, e vai sempre para a Guiana.
The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.