Neste fim de semana, o mundo se deparou novamente com a ameaça de um conflito aberto entre Rússia e Ucrânia depois que Moscou fechou uma rota de água para o Mar de Azov e supostamente abriu fogo contra a marinha ucraniana. A situação segue-se a anos de tensão entre as duas nações após a queda de um presidente pró-Kremlin em Kiev e a subsequente anexação da península da Crimeia pela Rússia em 2014.
Mas, embora o impacto da ação da Rússia contra a Ucrânia tenha alcance potencialmente global, as preocupações domésticas poderiam ter forçado a Rússia a assumir uma posição agressiva? A economia da Rússia está paralisada em meio à estagnação de longo prazo e uma reforma que aumentou a idade de aposentadoria se mostrou impopular entre os eleitores. A eleição regional no mês passado viu muitos candidatos pró-Kremlin perderem.
Kimberly Marten, observadora da Rússia no Barnard College, sugeriu que, com a súbita escalada em Azov, o presidente russo, Vladimir Putin, pode estar "provocando mais uma crise internacional na esperança de ganhar apoio em casa". Se isso for verdade, "ele é um patético qualquer", acrescentou Marten no Twitter.
A ideia de que os líderes mundiais possam tomar decisões de política externa por causa de preocupações com a popularidade doméstica não é incomum – nos Estados Unidos, o conceito é conhecido como “wag the dog”, em referência ao filme Mera Coincidência de 1997, cujo o título original é “Wag the Dog”. Mas com Putin, as acusações têm sido particularmente persistentes. De fato, ao observar as pesquisas de popularidade na Rússia e as compara a atos de agressão russa, parece haver pelo menos algum tipo de correlação.
Mais querido em casa
Mudanças em seu índice de aprovação são destacadas em duas datas importantes em que a Rússia tomou medidas de política externa que podem ter sido motivadas por preocupações de popularidade interna: a anexação da Crimeia em 2014 e a invasão da Geórgia em 2008.
No caso da anexação da Crimeia, é bastante claro que isto coincidiu com um salto de 20 pontos percentuais nos índices de aprovação pessoal de Putin. O efeito da invasão da Geórgia em agosto de 2008 é mais difícil de discernir: embora o índice de aprovação de Putin tenha atingido 88% no mês seguinte, já era mais de 80 anos antes da invasão.
No entanto, Putin não era presidente em agosto de 2008 – a constituição da Rússia limita que o presidente tenha apenas dois mandatos consecutivos, então ele se afastou por quatro anos e foi substituído por seu ex-primeiro-ministro, Dmitry Medvedev. E, de acordo com os dados do centro de pesquisas de opinião pública russo Levada, Medvedev recebeu seus maiores índices de aprovação (83%) no mês após a invasão.
O efeito também parece claro quando se considera os índices de aprovação para o governo russo como um todo, que também atingiram uma alta de 66% em setembro de 2008. Posteriormente, alcançou o mesmo número em setembro de 2014, apenas alguns meses após a anexação do Crimeia, durante um tempo de crescente tensão com o Ocidente.
Considerações
Putin há muito tempo tem uma reputação de cinismo – na verdade, essa percepção remonta ao seu primeiro mandato como primeiro-ministro. Essa reputação persiste até os dias de hoje, com as desculpas do Kremlin pela suposta interferência na eleição americana de 2016 e a tentativa de assassinato de um ex-espião na Inglaterra.
Mas isso pode ser assim tão simples? Levada é uma instituição bem respeitada internacionalmente, mas há claramente limites sobre o valor da pesquisa de opinião pública em um país autoritário como a Rússia, onde grande parte da mídia está intimamente alinhada com o governo. Mesmo em seus momentos ruins, a aprovação de Putin está melhor do que a da maioria dos padrões ocidentais.
Depois, há a questão da causa e efeito. Certamente, podemos teorizar que as ações da Rússia na Geórgia e na Crimeia levaram a um efeito de "comício em torno da bandeira", mas foi exatamente por isso que o governo russo realizou essas ações? Em ambos os casos, a agressão russa veio depois de vários outros eventos que não estão totalmente sob o controle de Moscou.
O Kremlin também realizou outras ações provocativas de política externa, como a alegada interferência eleitoral de 2016, quando Putin e o governo eram relativamente populares.
No caso que ocorreu neste domingo, a Rússia negou ser o agressor no mar de Azov, afirmando que a marinha ucraniana entrou ilegalmente em suas águas territoriais – embora os dois países tenham concordado em compartilhar as águas em um acordo firmado em 2003. O Ministério das Relações Exteriores da Rússia acusou a Ucrânia de provocar a situação por ganhos políticos.
"Primeiro, há provocações, então eles exercem forte pressão e, finalmente, uma acusação de agressão", escreveu Maria Zakharova, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, no Facebook.
Olhando para os índices de aprovação de Putin e seu governo, no entanto, é óbvio que eles estão com um nível baixo desde 2014. Diante dos limites da política econômica russa, um momento de atenção para a política externa certamente poderia ser um caminho para mudar isso.