| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

O espanhol Baltasar Garzón já bateu de frente com gen­te importante. Emitiu ordem de prisão contra o ex-presidente chileno Augusto Pinochet (1915-2006), defendeu a investigação do ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger e pediu autorização para processar o ex-premiê italiano Silvio Berlusconi. Até que no ano passado a Suprema Corte determinou seu afastamento da função de juiz, sob a acusação de praticar grampos ilegais durante a investigação de um esquema de corrupção dentro do Partido Popular (PP).

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Hoje Garzón atua como advogado, tendo entre seus defendidos Julian Assange, fundador do WikiLeaks. Convidado para defender Edward Snow­den, o ex-funcionário da CIA acusado de espionagem, ele declinou para não misturar os casos. "Não considerava profissionalmente correto que ambas as defesas fossem feitas por mim", diz. Na última semana Garzón passou por Curitiba, onde ministrou uma palestra na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, falou sobre Assange e Snowden, deficiências do Judiciário e a crise política na Espanha.

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Como juiz o senhor teve uma atuação vigoro­sa, fazendo frente a nomes como Pinochet, Hen­ry Kissinger e Silvio Berlusconi. Agora, como advogado, tem sido possível manter essa mesma linha de atuação?

Quando se tem uma forma de atuar, ela não muda. Os princípios de ética, responsabilidade e compromisso com a verdade são os mesmos, como juiz ou advogado. O trabalho é igual, mas sob uma perspectiva diferente.

Um dos seus trabalhos atuais é a defesa de Julian Assange, do WikiLeaks. Como está esse processo?

Nesse momento Assange está na embaixada do Equador e estamos à espera de que a Grã-Bretanha reconheça o asilo diplomático. Não discutimos a possibilidade de entregá-lo à Suécia, o que tememos é que isso possa cons­tituir uma desculpa para que Assange seja reclamado para extradição pelos EUA. Queremos garantias de que isso não vai ocorrer. Como se conseguiria isso? Outorgando um salvo conduto para ser entregue ao Equador, que poderia realizar o julgamento ali mesmo, ou então estabelecer acordos com Suécia para acelerá-lo. Estamos apoiando a iniciativa do governo equatoriano, para que haja efetivo direito de asilo, mas nesse momento estamos na dependência do governo britânico.

O senhor foi procurado para assumir a defesa de Edward Snowden, mas preferiu não fazê-la. Por quê?

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Não é porque ele não merece ser defendido. A liberdade de informação e a privacidade das relações interpessoais devem sempre ser defendidas. Mas, para que minha defesa de Assange e do WikiLeaks não seja confundida, achei que Snowden deveria ter outro defensor. Além disso, Snowden já conseguiu asilo político em um país onde está fisicamente, sua situação é totalmente diferente.

Mas o senhor vê semelhanças entre a situação de Assange e Snowden?

Há semelhanças, mas também existem diferenças. Assange integra uma central de informações, não é um agente, não trabalhou para nenhum organismo. É a defesa de um direito jornalístico, de quem obtém e difunde informação. Também não houve uma manifestação expressa dos EUA de reclamação. Sabemos que há um procedimento secreto contra ele, por isso temos muita limitação. Em todo caso, não considerava profissionalmente correto que ambas as defesas fossem feitas por mim.

O senhor costuma abordar as relações entre o Judiciário e a política. Em que medida os dois segmentos devem se aproximar ou se distanciar?

O Poder Judiciário e o poder político são partes integrantes do Estado. O problema é que às vezes há uma politização da Justiça, o uso de mecanismos judiciais com interesses claramente partidários. Enquanto se respeita a independência do Judiciário, ainda que as investigações afetem representantes do poder político, não há problema. Quando não se respeita, aí é preciso produzir os mecanismos de proteção correspondentes. Mas isso depende também das pessoas. Para que um juiz seja pressionado, é preciso primeiro que ele se deixe pressionar. Portanto, há uma obrigação dos juízes de garantir essa independência, enquanto os cidadãos têm a obrigação de denunciar. Todos os poderes devem colaborar para proteger os cidadãos. Se um deles falha, os demais precisam reagir.

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O senhor trabalha atualmente na Convocatória Cívica, iniciativa que vi­sa à maior participação política da população espanhola. Como ela funciona?

Estamos vendo que a situação na Espanha pouco a pouco se deteriora no âmbito dos valores. Temos feito uma reflexão, chamando as forças progressistas para que tomem consciência dessa realidade e tomem conta do espaço partidário. Por inércia ou indiferença dos cidadãos, se estabeleceu por muito tempo um mecanismo de autoproteção do sistema representativo, que já não representa mais os cidadãos.

E como trazer os cidadãos para a política?

Estamos colocando um manifesto, o que não significa que nós teremos de assumir uma representação. Não é de cima que se diz quem tem de participar. Queremos que o modelo seja diferente e, para isso, vamos seguir convocando atos, pessoas e esperando que mais organizações se somem. Estou cansado de ouvir que é preciso fazer as coisas, mas nunca se faz. Estamos tomando a decisão de fazer. Se fracassarmos, pelo menos tentamos.