Antes mesmo de o presidente Donald Trump decidir construir um muro, uma cidade na fronteira mexicana já estava sobrecarregada. Muitos migrantes haitianos que viajaram pelas Américas começaram a chegar a Tijuana no ano passado, na esperança de entrar nos EUA, razão pela qual igrejas, salões comunitários, programas escolares, centros de reabilitação e cidadãos abriram suas portas para abrigá-los, alimentá-los e vesti-los.
Em um abrigo, quase 250 homens, mulheres e crianças compartilham dois banheiros e um chuveiro. Quatrocentos estão amontoados em uma igreja. Uma cozinha de sopão abriga centenas em corredores, na despensa e nos fundos.
Agora, alguns defensores e autoridades temem que o plano de Trump possa gerar uma crise imigratória em vilarejos e cidades ao longo da fronteira e, na verdade, em todo o México. O governo mexicano, dizem eles, talvez não seja capaz de lidar com isso.
Trump está buscando fechar ainda mais a fronteira, restringir a imigração e aumentar as deportações dos EUA. Ao anunciar suas ações, o presidente disse que “estaria ajudando o México ao brecar a imigração ilegal”. “Vai ser muito, muito bom para o México”, declarou ele.
Mas alguns defensores e autoridades internacionais anteveem um verdadeiro potencial de pesadelo para o país. Um número cada vez maior de pessoas continua seguindo rumo ao norte, saindo da América Central, fugindo da violência e da pobreza. Quase 409 mil foram pegas tentando cruzar ilegalmente a fronteira sudoeste dos Estados Unidos, em 2016, um aumento de 23% sobre o ano, de acordo com estatísticas do governo americano. E a tendência continua.
Quando mais migrantes são barrados na fronteira dos EUA e mais pessoas que entraram ilegalmente no país são deportadas, as comunidades da fronteira no México ficam sobrecarregadas, os abrigos de migrantes superlotam, as filas de desempregados aumentam e o México terá que aguentar o tranco, dizem autoridades e defensores.
“É preocupante. Não se sabe como o México pode lidar com isso. Não acho que exista uma capacidade de absorção”, afirmou Christopher Gascon, chefe do escritório mexicano da Organização Internacional para Migração.
Pressão migratória
O México enfrenta pressões de migração extraordinárias e as ondas de centro-americanos foram um teste severo da patrulha da fronteira do sul mexicano e levou a um aumento acentuado do número de pessoas pedindo asilo, onde as solicitações mais do que dobraram de 2015 para 2016.
Autoridades mexicanas lutam para desenvolver uma estratégia caso Trump aumente as deportações de quem entrou nos EUA ilegalmente, uma população que inclui milhões de mexicanos. Um grupo intergovernamental estuda maneiras de integrar os deportados na sociedade mexicana.
Além disso, mudanças recentes na política dos EUA durante a administração de Obama já haviam contribuído para o aumento de imigrantes haitianos, além de uma onda de cubanos – milhares deles ficaram presos no México e na América Central depois que a administração de Obama acabou com uma política antiga que lhes favorecia.
Sob pressão dos EUA, o presidente do México, Enrique Peña Nieto, tentou estancar o fluxo de imigrantes que cruzam seu país, dando início ao Programa da Fronteira do Sul, em 2014, na tentativa de controlar a movimentação de pessoas e mercadorias vindas da Guatemala. O plano contribuiu para dobrar o número de deportações entre 2013, antes de ser promulgado, e 2016. Quase todos os deportados nos últimos anos eram da América Central.
Mas as fronteiras do país permanecem altamente porosas: a organização internacional de migração estima que entre 400 mil e 500 mil migrantes sem permissão legal cruzam o país todos os anos, sendo que cerca de 90 por cento deles são centro-americanos.
Aqui no estado da Baja California, a crise evidenciou a capacidade limitada do governo mexicano de lidar com esses desafios.
Os haitianos, vindos do Brasil, começaram a chegar nesta cidade de fronteira há um ano. Por um tempo, não enfrentaram muitos problemas para entrar nos EUA. Reconhecendo os percalços do Haiti após o terremoto de 2010, autoridades de fronteira lhes permitiram a entrada graças a uma disposição humanitária, e poderiam permanecer lá por no máximo três anos.
Os migrantes lotaram os poucos e antigos abrigos e hotéis baratos em Tijuana enquanto esperavam, muitas vezes por semanas, serem chamados pelas autoridades americanas.
Então, no final de setembro, a administração Obama anunciou, de repente, que retomaria as deportações de haitianos, esperando que a medida dissuadisse a migração de seus compatriotas. Mesmo assim, eles continuaram chegando.
Conforme aumentava a população de migrantes haitianos – agora há cerca de 4.500 em Tijuana e em outros lugares no norte da Baja California – as autoridades mexicanas resistem aos pedidos para criar um abrigo de emergência.
Mais de 30 receberam os haitianos, mas nenhum deles é estatal. Quase todos os encargos para abrigar, alimentar, vestir e cuidar do fluxo incessante recaíram sobre grupos da sociedade civil e indivíduos, que acusaram o governo de esperar muito tempo e não fazer nada.
Ação federal
Recentemente, uma coligação dos principais abrigos de Tijuana e Mexicali enviou uma carta a Peña Nieto, exigindo uma “intervenção federal mais decisiva” para resolver a crise, mas ainda não receberam uma resposta.
Grupos humanitários e de defesa em Tijuana prestaram queixa na Comissão Nacional de Direitos Humanos, alegando que as autoridades federais haviam violado os direitos dos migrantes “de uma forma generalizada e repetida”, ao não conseguir resolver a crise.
As autoridades federais rejeitaram as críticas de que foram negligentes.
“Há espaço para fazer mais? Sim. É uma luta constante, mas não é verdade que os governos não tenham reagido”, disse recentemente em uma entrevista Rodulfo Figueroa Pacheco, chefe do escritório da Agência Federal de Migração da Baja California, antes da queixa.
A crise é um fardo esmagador para os abrigos.
A população migrante em um deles, o Movimiento Juventud 2000, com capacidade para cerca de 25 pessoas, hospeda agora cerca de 250, muitas delas vivendo em barracas doadas em um lote adjacente, que se torna um vale de lama quando chove.
A Iglesia Cristiana Embajadores de Jesus, igreja situada em um barranco desmatado na zona leste de Tijuana, abrigava centenas de pessoas, mesmo sem estar conectada ao serviço municipal de abastecimento de água, tendo que encher seus reservatórios com um caminhão pipa.
Os administradores do Desayunador Salesiano Padre Chava, que por anos serviu sopão, ocuparam quase todo o edifício, incluindo os corredores e a despensa, transformando tudo em um dormitório que chegou a abrigar mais de 500 pessoas.
Claudia Portela, coordenadora do Padre Chava, que recentemente abriu um segundo abrigo menor, estima que as doações supriram quase 98 por cento das necessidades durante a crise.
Autoridades do governo, mesmo reconhecendo que a maior parte da assistência humanitária vem da sociedade civil, insistem em dizer que fornecem serviços cruciais, mas que estão extremamente limitados por orçamentos que já estavam pressionados pelo mal-estar econômico do México.
“Nosso destacamento tem sido muito, muito pequeno. A capacidade institucional não é tão robusta como gostaríamos”, disse Figueroa. Mas, apesar das limitações, disse ele, agências do governo doaram mais de US$ 280 mil, cerca de 445 mil refeições, milhares de cobertores, centenas de colchões e muitos outros bens e serviços, desde o final de outubro.
Autoridades federais e estaduais, segundo ele, ainda estavam discutindo a possibilidade de instalar um abrigo, mas a proposta levantou difíceis questões filosóficas e práticas.“Poderemos construir algo que não podemos desmontar?”, disse ele. As redes de grupos humanitários se esforçam para ajudar.
“Para mim, a pior parte é a omissão do governo federal. O governo tem que reconhecer que existe uma crise humanitária”, disse Soraya Vazquez, uma das nove mulheres que dirigem o Comitê Estratégico de Ajuda Humanitária Tijuana, grupo local formado em setembro.
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