Dentre tantas sugestões de tratamentos para a Covid-19, a cloroquina - e a hidroxicloroquina - foi o medicamento mais politizado desta pandemia, não só aqui no Brasil, mas em várias partes do mundo. Um dos primeiros embaixadores da hidroxicloroquina foi o presidente americano Donald Trump. Ainda em março, quando o novo vírus havia começado a se espalhar para além da China, o republicano passou a defender o uso do medicamento, já bastante conhecido no tratamento da malária, para os pacientes da nova doença.
Na época, alguns artigos indicavam que a cloroquina poderia ser efetiva no tratamento da Covid-19. Um dos mais comentados foi o de um médico francês chamado Didier Raolt, com pouco mais de 30 pacientes, que sugeriu que a combinação de hidroxicloroquina com azitromicina poderia ser usada em pacientes com Covid-19. O assunto rapidamente começou a pipocar nas redes sociais, sendo ventilado por celebridades, como Elon Musk, e por comentaristas da TV. Ocorre que alguns desses estudos sequer tinham ligação com instituições de ensino. O artigo de Raolt foi bastante criticado por cientistas, especialmente pela falta de um grupo de controle que tornasse possível uma análise mais criteriosa.
Mas com nenhum tratamento disponível e cada vez mais pessoas morrendo por causa da doença, alguns líderes abraçaram a ideia da hidroxicloroquina. Trump falou pela primeira vez sobre a droga durante seus briefings diários sobre o coronavírus em 19 de março.
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“Nada ficará em nosso caminho enquanto buscamos qualquer rota para encontrar o que melhor funciona contra esse vírus horrível”, disse Trump. “Agora, uma droga chamada cloroquina - e algumas pessoas acrescentariam 'hidroxi-'. Hidroxicloroquina. Portanto, cloroquina ou hidroxicloroquina. (…) É conhecido como medicamento contra a malária, existe há muito tempo e é muito poderoso. Mas a parte boa é que já existe há muito tempo, então sabemos que se as coisas não saírem como planejado, não vai matar ninguém". Dias depois, no Twitter, Trump disse que a combinação de azitromicina e hidroxicloroquina poderia ser “uma virada de jogo” na luta contra a Covid-19.
No fim de março, a FDA (Food and Drug Administration, equivalente à Anvisa no Brasil) autorizou o uso emergencial da hidroxicloroquina e da cloroquina para o tratamento da Covid-19. A agência americana liberou essa autorização para realização de testes e somente sob prescrição médica, baseando-se em dados obtidos em pesquisas in-vitro e testes clínicos limitados.
Em maio, quando estudos mais contundentes sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina indicavam que o medicamento não era eficiente para o tratamento da Covid-19, Trump anunciou que estava tomando a droga de maneira preventiva. O médico de Trump, Sean Conley, disse que tinha discutido com o presidente esta alternativa e chegaram à conclusão de que os “benefícios potenciais” de tomar a droga eram maiores do que os riscos. Na época, o FDA já havia alertado profissionais de saúde sobre "relatos de sérios problemas de arritmia cardíaca" em pacientes com Covid-19 que se trataram com hidroxicloroquina ou com cloroquina.
"Não vou me prejudicar com isso, [o medicamento] existe há 40 anos para malária e lúpus. Muitos médicos tomam, eu tomo", disse o presidente americano em 18 de maio. "Espero em breve não ter que continuar tomando, porque espero que cheguem a uma resposta. Mas acho que as pessoas têm que ter permissão [para tomar o remédio]". No fim de maio, o governo americano anunciou o envio de dois milhões de doses de hidroxicloroquina ao Brasil, reforçando a parceria com o governo de Jair Bolsonaro, também defensor do uso da cloroquina contra a Covid-19.
Alguns dias depois, o FDA revogou a autorização para uso emergencial da cloroquina nos EUA, afirmando que “é improvável que a cloroquina e a hidroxicloroquina sejam eficazes no tratamento da Covid-19 para os usos autorizados nos EUA". O órgão afirmou ainda que "à luz dos eventos adversos cardíacos graves e outros efeitos colaterais graves, os benefícios conhecidos e potenciais não superam os riscos conhecidos e potenciais para o uso autorizado". Trump parou, ou pelo menos diminuiu, sua defesa da droga como tratamento da Covid-19, focando seu discurso em outros medicamentos, como o remdesivir, e no desenvolvimento das vacinas.
Depois de todo este empenho em promover o medicamento, pode até causar estranheza a ausência da hidroxicloroquina no tratamento dispensado ao presidente após o diagnóstico positivo para a Covid-19. No dia em que Trump anunciou que estava doente, houve uma avalanche de comentários nas redes sociais sugerindo que o presidente tomasse o remédio mais uma vez. Conley, o médico de Trump, não chegou a explicar por que não usou a droga, mas estudos que foram publicados de maio até agora em vários países podem ter tido um peso na decisão.
Estudos
No fim de julho, os resultados de um dos maiores estudos brasileiros envolvendo o uso de hidroxicloroquina por pacientes com Covid-19 foram divulgados na New England Journal of Medicine. Ao analisarem 667 pacientes, divididos entre 55 hospitais do país, os pesquisadores da Coalizão COVID Brasil verificaram que o medicamento não interferiu significativamente na recuperação de pacientes com sintomas leves a moderados da doença.
Um dos principais nomes da força-tarefa contra o coronavírus na Casa Branca, Anthony Fauci, disse, no fim de julho, que a hidroxicloroquina não era efetiva contra o vírus. "Sabemos que todo bom estudo - e por bom estudo quero dizer estudo de controle randomizado no qual os dados são firmes e verossímeis - mostrou que a hidroxicloroquina não é eficaz no tratamento de Covid-19", disse em entrevista à BBC.
Grupos de médicos no Brasil e no mundo têm feito uso de medicamentos, como a hidroxicloroquina, nas primeiras fases do tratamento da doença e se baseiam em estudos empíricos para pleitear sua adoção em protocolos de saúde pública.
Estudos ainda estão em andamento para saber se a droga é eficaz para prevenir a doença. Recentemente um estudo clínico randomizado com 125 pacientes indicou que a hidroxicloroquina não apresentou vantagem quando comparada a um placebo. Contudo, a comunidade científica ainda aguarda o resultado de uma das maiores investigações sobre o uso do remédio como preventivo, a qual está sendo conduzida pela Mahidol Oxford Tropical Medicine Research Unit (MORU). É esperado que 40 mil trabalhadores da saúde participem dos testes para este estudo.
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