Lula apresenta Dilma Rousseff, pré-candidata do PT ao Palácio do Planalto, a Hillary Clinton: brecha para campanha| Foto: Pablo Martinez Monsivais/AFP

Comércio

Brasil dá 30 dias para Estados Unidos negociarem suspensão de retaliações

Agência Estado

O governo brasileiro decidiu, voluntariamente, abrir um espaço de 30 dias para negociar com os Estados Unidos a suspensão da retaliação contra produtos e direitos de propriedade intelectual americanos.

O anúncio partiu ontem do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. A seu lado, a secretária de Estado, Hillary Clinton, antecipou que Washington enviará a Brasília na próxima semana uma missão para tratar de compensações comerciais em troca da suspensão das retaliações – medida que, por princípio, o Brasil se nega a aceitar.

De acordo com Amorim, a lista de bens sujeitos às sanções será divulgada no próximo dia 8, mas terá efeito apenas 30 dias depois. Nesse espaço de tempo, alertou ele, haverá condições de se chegar a um acerto com base nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O recado do ministro ao governo americano foi claro: em vez de compensações, o Brasil quer a adequação da política de subsídios dos Estados Unidos ao setor algodoeiro às determinações da OMC. Ou seja, a redução substancial dos desembolsos que beneficiam o setor e distorcem o comércio internacional do produto. Foram esses subsídios que levaram o Brasil a recorrer à OMC e a ganhar da entidade o direito de retaliar os EUA.

"Esse filme demorou anos e, agora, espero que tenha um final feliz", afirmou Hillary Clinton, no Itamaraty, ao apostar em uma solução "pacífica" da controvérsia. "Se tivéssemos concluído a Rodada Doha da OMC, não teríamos passado por esse problema", alfinetou Amorim, ciente de que a posição americana contribuiu para travar essas negociações, que tinham por objetivo ampliar a liberalização do comércio mundial.

Questionado sobre a possibilidade de Washington contrarretaliar o comércio brasileiro, se o Brasil aplicar de fato as sanções, o chanceler rebateu diplomaticamente, dizendo que não espera tal atitude de um país que promoveu a criação do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e da OMC.

A retaliação do Brasil contra os EUA, que pode alcançar um total de US$ 790 milhões, foi autorizada pela OMC ao final de sete anos de controvérsia. O Brasil queixou-se em 2002 dos subsídios americanos à produção e às exportações de algodão. No ano passado, recebeu o direito de aplicar US$ 560 milhões em sanções – aumento de 100% na tarifa de importação – de produtos dos EUA. Até o final do mês, o governo deverá fechar o pacote de retaliações contra direitos de propriedade intelectual americanos, como patentes, no valor de US$ 230 milhões.

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Brasil e Estados Unidos expuseram ontem suas divergências sobre o programa nuclear iraniano. Ao final de três horas de conversas com o chanceler Celso Amorim, a secretária de Estado americano, Hillary Clinton, insinuou à imprensa que o Irã está manobrando a boa-fé do Brasil, da Turquia e da China e defendeu a adoção de novas sanções contra a república islâmica no âmbito do Conselho de Segu­­ran­­ça (CS) da Organização das Na­­ções Unidas (ONU).

Como sinal de que não se do­­braria à pressão, Amorim insistiu em uma solução negociada e rejeitou a ideia de que o Brasil estaria sendo "enrolado" pelo Irã. O chanceler ouviu ainda o lobby da secretária em favor dos caças F-18 Super Hornet, da americana Boeing, para reequipar a Força Aérea Brasileira (FAB).

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"Estamos observando que o Irã vai ao Brasil, à Turquia e à China e conta histórias diferentes para cada um. Pessoalmente falando, só depois de passarem as sanções no Conselho de Se­­gurança (é que) o Irã vai negociar de boa-fé", afirmou Hillary Clinton.

"É possível ainda encontrar uma solução com base nos mesmos conceitos e nas mesmas ideias e preocupações que inspiraram o acordo? A nossa avaliação é que sim", rebateu Amorim, referindo-se ao acerto que prevê a troca de urânio iraniano por combustível nuclear. "Nós temos a nossa visão de que, de modo geral, as sanções têm efeitos contraproducentes."

Horas antes do encontro de Hillary com Amorim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, comentou, ao final de uma solenidade, a posição brasileira em relação à questão nuclear iraniana: "Não é prudente encostar o Irã na parede. É preciso estabelecer negociações com aquele país. Quero para o Irã o mesmo que quero para o Brasil: usar energia nuclear para fins pacíficos. Se o Irã for além disso, não poderemos concordar".

Em missão de convencer o Brasil a afinar sua posição com a de cinco potências nucleares – EUA, França, Inglaterra, Rússia e Alemanha – e apoiar as sanções contra o Irã, Hillary Clinton alertou o governo brasileiro sobre o fato de que, em um momento próximo, essa decisão terá de ser tomada.

Com isso, deixou no ar a responsabilidade do Brasil por sua posição. Diante da imprensa, contestou as principais teses que mobilizam o Itamaraty para uma solução negociada.

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A secretária de Estado defendeu que o Irã tornou-se uma força desestabilizadora no Oriente Médio e de fomento de uma corrida nuclear na região. Afirmou ainda ser "evidente" a determinação do Irã em produzir armas atômicas.

Venezuela

Durante a visita de Hillary a Bra­­sília, a divergência entre Brasil e EUA sobre o regime do presidente Hugo Chávez, na Venezuela, também ficou evidente. À im­­prensa, a chanceler americana declarou que o governo venezuelano "mina as liberdades" dos seus cidadãos e, com isso, prejudica também os países vizinhos. Advertiu ainda que é preciso haver a restauração da de­­mocracia e das regras de mercado no país, que deveria "olhar um pouco mais para o Sul e se­­guir os exemplos do Brasil e do Chile".

Amorim agarrou-se a essa abordagem de Hillary para marcar a diferença de posição do go­­verno brasileiro, que considera a Venezuela uma democracia plena. "Concordo que a Vene­­zue­­la tenha de se integrar mais com o Sul. Por isso, integramos a Ve­­nezuela ao Mercosul, o que será positivo em todos os sentidos", afirmou o chanceler.