Qualquer dos candidatos que ganhar as eleições nos Estados Unidos será escolhido por ser considerado o “menos pior” pela maior parte dos seus eleitores. Tanto a democrata Hillary Clinton como o republicano Donald Trump têm mais de 50% de rejeição nas diferentes pesquisas realizadas desde o começo do ano. O pleito ocorre no próximo dia 8 de novembro e, apesar das últimas pesquisas apontarem uma disputa muito acirrada - com uma leve vantagem para o empresário -, o resultado continua a ser considerado imprevisível pelos especialistas. Nas pesquisas de opinião, grande parte dos eleitores diz ter decidido o voto por ser “contra Hillary” ou “contra Trump”.
“Dos 17 possíveis candidatos republicanos e dos três democratas, foram escolhidos os mais impopulares. Isso aconteceu porque apenas 19% dos eleitores participaram das primárias [o sistema de escolha dos candidatos dos partidos]”, explica Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute Wilson Center em Washington. “O sistema das primárias é claramente defeituoso, porque, entre outras coisas, é um sistema baseado no voto voluntário”.
Hillary desperta repugnância a um eleitorado descontente principalmente com a política econômica dos últimos anos, que facilitou a concentração de renda e reduziu a classe média no país. Além disso, quem vota contra ela também reclama da falta de firmeza no controle da imigração ilegal no país e de cobranças consideradas injustas pelo sistema de saúde criado por Barack Obama (o chamado ‘Obamacare’).
Contra a campanha da democrata pesa ainda o escândalo dos e-mails, que ganhou mais força na semana passada quando o FBI reabriu a investigação sobre as mensagens eletrônicas que Hillary enviou de um servidor privado quando era secretária de Estado, entre 2009 e 2013. A polêmica também afasta dela eleitores preocupados com a segurança nacional, que lembram casos de diplomatas que foram removidos de suas funções por delitos menores. Por fim, ela também é rejeitada por cerca de 50% da população americana que é contrária ao aborto.
Já Trump é considerado um ‘bufão’, capaz de propagar mentiras e escandalizar com posturas radicais. Um louco em que não se pode confiar. Sua promessa de ‘limpar’ o país dos imigrantes – disse, por exemplo, que irá construir um muro na fronteira com o México e fazer este país pagar por isso – e suas declarações a favor da tortura de suspeitos de terrorismo e suas famílias preocupam.
A recente divulgação de conversas nas quais Trump aparece sendo ofensivo às mulheres também chocaram a opinião pública. Ao mesmo tempo, suas declarações mudam de acordo com o que é considerado mais popular no momento. Trump criticou e elogiou, com a mesma veemência, a guerra do Iraque. Esse comportamento se repetiu ao avaliar a atuação do FBI em relação aos e-mails de Hillary, com críticas à investigação enquanto isso não lhe favorecia e, depois, com aprovação quando foram divulgadas novas descobertas. Suas mentiras são desmascaradas todos os dias – como, por exemplo, afirmar que Obama tinha fundado o Estado Islâmico – e sua postura como empresário, que inclui a sonegação de impostos, contestada.
Pesos na balança
Nesse cenário, acabam votando em Trump homens brancos, de renda mais baixa e pouca escolaridade, que buscam mudanças econômicas, estão insatisfeitos com a gestão dos democratas e têm esperança no perfil de ‘empresário’ do republicano. Também vota nele quem é contrário ao aborto e advoga por bandeiras mais conservadoras, ainda que Trump não seja transparente sobre como pensa a respeito desses assuntos. Outros escolhem o candidato republicano porque avaliam como ‘exagero’ o interesse colocado em outros temas morais, como a sua linguagem ofensiva às mulheres, algo com o qual, dizem, Hillary também lidou de forma dúbia, sendo cúmplice ao esconder o similar comportamento duvidoso do marido, o ex-presidente Bill Clinton.
Já os eleitores de Hillary são principalmente os brancos com ensino superior e as mulheres, pessoas escandalizadas com a postura de Trump e que sofreram menos com a crise econômica. “Um dos maiores impactos de Donald Trump sobre as eleições parece não ser tanto a sua influência sobre o voto de latinos e defensores de imigrantes islâmicos, mas entre pessoas com título universitário”, diz Mark Hugo Lopez, responsável por pesquisas de opinião na Pew Research Center. “Nas outras eleições, os republicanos tinham sempre os votos dos brancos com título universitário. Neste ano, porém, Trump não está ganhando este grupo. Esse fenômeno aparece pela primeira vez após muitas eleições e isso se dá principalmente pelas suas declarações sobre as mulheres, parcela da população mais propensa a ter curso superior”, lembra.
Caixa de surpresas
Como o voto é facultativo, ainda não se sabe se essa insatisfação levará a que mais pessoas votem, para evitar que um determinado candidato ganhe, ou se preferirão se abster.
Para fazer com que os eleitores saiam de casa para votar, as duas campanhas fazem agora uma grande mobilização ‘voto por voto’ para tentar ganhar. “Isso já está acontecendo agora, quando muitos estão tentando convencer as pessoas a votarem por antecipação, o que é possível nos Estados Unidos, principalmente pelo correio, e no dia da eleição haverá o movimento de buscar as pessoas em suas casas. Os democratas são melhor organizados para isso, mas tudo pode acontecer”, finaliza Sotero.
*A jornalista acompanha o processo eleitoral nos Estados Unidos pelo programa Reporting Tour Election