O padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior não atrai multidões a shows, nem canta música pop com letra religiosa, mas os milhares de fãs que o seguem legitimam o sacerdote como um astro no meio católico. Suas aparições em canais religiosos de tevê certamente contribuem para a fama, mas o foco de seu trabalho midiático está no site padrepauloricardo.org e o canal que mantém no YouTube. São 55 mil inscritos, 469 vídeos, totalizando cerca de 12 milhões de visualizações.
Adepto e defensor da batina preta como traje eclesial, o padre é facilmente qualificado como conservador, mas garante apenas ensinar aquilo que é, de fato, a doutrina católica, conforme consta nos documentos oficiais da Igreja.
Convidado pela Escola do Bosque, ele esteve em Curitiba no fim do mês passado para uma palestra. A Gazeta do Povo aproveitou a visita e conversou com o sacerdote sobre a Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, encontro que ocorreu no Vaticano em outubro e que ganhou destaque da imprensa internacional por tratar de assuntos delicados para a Igreja, como a acolhida pastoral aos homossexuais e a entrega de comunhão aos divorciados em segunda união.
Pertencente ao clero de Cuiabá, Mato Grosso, padre Paulo Ricardo é mestre em direito canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e foi membro do Conselho Internacional de Catequese da Santa Sé, de 2002 a 2012.
O senhor acha que ao fim do Sínodo, no ano que vem, a Igreja passará a distribuir comunhão aos divorciados em segunda união?
Antes de responder a essa questão é importante saber que a Igreja Católica tem uma missão, que é a de manter e guardar o ensinamento de Jesus Cristo. A Igreja não é dona desse ensinamento, não pode simplesmente alterá-lo. E sobre matrimônio o que Jesus diz é muito claro. O que Deus uniu o homem não separa, portanto, o casamento é único, ocorre apenas uma vez, e sempre entre um homem e uma mulher. Nenhum papa, nenhum bispo, nenhum sínodo tem poder para mudar isso. Essa é uma realidade indissolúvel, independentemente do que façamos. É um vínculo criado por Deus que não se apaga. Portanto, qualquer pessoa que viva numa segunda união está em estado de adultério.
Apesar disso, há bispos e cardeais sugerindo que é possível dar comunhão a divorciados sem ferir a doutrina da indissolubilidade do matrimônio. É o caso da proposta feita pelo cardeal alemão Walter Kasper. Poderia falar sobre ela?
A proposta do cardeal Kasper pretende seguir uma prática adotada em igrejas ortodoxas, chamada oikonomia, que consiste em fazer uma espécie de segundo casamento "penitencial". Trata-se de uma situação na qual o primeiro casamento é reconhecido, as pessoas envolvidas admitem que erraram, mas se comprometem a fazer um período de penitência para receber a bênção da Igreja.
Kasper tomou conhecimento dessa prática e levantou a hipótese de se adotar isso na Igreja Católica. Porém, antes mesmo do Sínodo começar, vários estudiosos de direito canônico e de história da teologia haviam publicado artigos e livros demonstrando que não é possível trilhar esse caminho. Embora os ortodoxos aleguem ver indícios dessa prática na Bíblia, ela só teve início no segundo milênio, após o cisma que separou a Igreja Ortodoxa da Igreja Católica. Além disso, a história mostra que a mudança foi motivada por causa da pressão política exercida por imperadores que queriam se casar de novo. A Igreja Católica também sofreu esse tipo de pressão, mas não cedeu. É famoso o caso do rei Henrique VIII, da Inglaterra, que queria o divórcio da rainha Catarina de Aragão para se casar com Ana Bolena. O papa negou, explicou que era impossível, e essa situação resultou no cisma que gerou a Igreja Anglicana, criada pelo rei para aprovar seu segundo casamento.
Mas a partir do relatório final dessa primeira etapa do Sínodo, concluída em outubro, é possível dizer que a tendência liderada pelo cardeal Kasper deve prevalecer?
Esse tema da comunhão dos divorciados recasados provavelmente virá com mais ênfase na segunda assembleia, em 2015. No entanto, por aquilo que vimos na reação dos bispos à proposta, eu não creio que a tese do cardeal Kasper seja vencedora. Digo isso porque a Igreja não funciona como uma democracia. Não é questão de número, é questão de razões.
Os bispos que se opuseram à tese de Kasper apresentam argumentos fundamentados na doutrina da Igreja. Portanto, eu não vejo como seria possível liberar essa prática e prosseguir com a pregação da indissolubilidade do casamento. Sempre ficará a questão: o que fazer daquele primeiro casamento? Ele existiu ou não existiu? Se ele existiu, o segundo casamento é um adultério. Se ele não existiu, aí sim, nós podemos entrar num itinerário pastoral para declarar a nulidade. As coisas são muito claras doutrinalmente.
Então, o que exatamente a Igreja pretende com o Sínodo, no que diz respeito a esses católicos?
Procura-se uma solução pastoral para essa situação, uma forma de atraí-los e mantê-los na vivência eclesial. Ou seja, como nós vamos fazer para que essas pessoas que vivem uma união irregular solucionem o seu problema? Discutem-se opções, como a facilitação do processo que resulta numa declaração de nulidade do primeiro casamento.
Aqui é necessário esclarecer que nulidade não é divórcio, nem anulação. Declaração de nulidade é o resultado de uma investigação para ver se aquele primeiro casamento de fato valeu, ou se aquelas pessoas estavam só aparentemente casadas, mas realmente solteiras. Isso é possível quando falta algum dos elementos que torna o sacramento do matrimônio válido, como o fato de ambos os noivos terem se casado em plena liberdade de consciência.
Outro tema a render muita polêmica foi a questão da acolhida aos homossexuais. A Igreja vai deixar de considerar o ato homossexual um pecado?
A questão da acolhida dos homossexuais não é uma questão polêmica. A Igreja está e sempre esteve de portas abertas aos homossexuais. Os nossos confessionários estão prontos, eles podem vir, se confessar, se arrepender dos seus pecados e começar uma vida nova na graça de Deus. Ninguém é excluído da Igreja por ser homossexual.
O que a Igreja faz, porém, é ensinar que a sexualidade humana naturalmente gera vida, e que os relacionamentos têm de estar abertos a essa realidade. Isto vale tanto para os casais heterossexuais como para os homossexuais. Não se trata de discriminação. O sexo entre um homem e uma mulher que não esteja aberto à vida também é imoral, e o sexo entre dois homens ou duas mulheres, naturalmente, não produz vida, e por isso é um pecado.
Apesar disso, há uma grande diferença de linguagem entre o primeiro e o segundo relatório emitido pelo Sínodo. Alguns interpretaram a versão inicial como uma revolução na doutrina. Os bispos voltaram atrás?
O que houve foi um equívoco. No primeiro relatório do sínodo, a linguagem usada dava a entender que a Igreja iria acolher o pecado, e isso não é possível. A Igreja acolhe o pecador, mas não o pecado. A Igreja convida todos os pecadores a se aproximarem e se converterem. Como qualquer mãe, a Igreja não pode apoiar aquilo que machuca os seus filhos. Ela ama os seus filhos homossexuais e por isso ela rejeita a prática do sexo homossexual.
No Sínodo, depois da publicação do primeiro relatório, vários bispos protestaram porque o documento estava mal redigido. Depois disso, a versão final expressou melhor aquilo que é a doutrina e a prática pastoral da Igreja.
O papa Francisco parece ter se mantido bastante discreto durante as discussões dessa etapa do Sínodo. O senhor tem um palpite sobre o que ele pensa em relação a tudo que foi discutido?
A Igreja crê que o papa conta com especial assistência divina, mas isso vale apenas no exercício específico de seu ministério, quando fala oficialmente como pontífice, portanto ele não dispõe de assistência divina em todas as suas manifestações.O papa Francisco se manifesta muito em entrevistas, conversas, pequenas declarações, mas ele se manifestou poucas vezes usando sua autoridade papal. Na verdade, apenas duas vezes. A primeira, na publicação da encíclica Lumen Fidei, sobre a fé, a qual ele mesmo admite ter sido escrita "a quatro mãos", em conjunto com Bento XVI. A segunda foi na exortação apostólica Evangelii Gaudium, na qual ele mostrou qual seria a orientação pastoral de seu pontificado. Noto, portanto, que Francisco tem sido muito econômico ao se pronunciar oficialmente sobre diversos assuntos. Acontece que o Sínodo é um organismo de governo papal. No final do Sínodo ele deverá se pronunciar como papa, deverá publicar uma nova exortação apostólica, aí então saberemos o que ele realmente concluiu de todas as conversas. Até lá, ele provavelmente vai apenas ouvir o que os bispos dizem.
Isso também ocorreu em outros Sínodos?
Sim, isso é normal. Entretanto, alguns cardeais, como o norte-americano Raymond Burke, são da opinião de que, depois da confusão gerada pelo primeiro relatório, o papa devia ter se pronunciado, devia ter rompido o silêncio.
De fato, por causa do barulho feito pela mídia sobre aquele texto, há lugares em que os divorciados em segunda união estão ligando para as paróquias e perguntando se já podem comungar, ou tentando agendar seu segundo casamento. Por isso penso que toda essa discussão devia ser mais discreta. Da forma como vem sendo feita, cria esperanças que muito provavelmente serão frustradas.
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