A Human Rights Watch (HRW) criticou duramente as propostas apresentadas pelos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, da Colômbia, Gustavo Petro, e do México, Andrés Manuel López Obrador, para lidar com a crise eleitoral na Venezuela.
Em uma carta divulgada nesta terça-feira (27), assinada por Juanita Goebertus Estrada e endereçada aos três líderes, a organização de direitos humanos questiona a viabilidade e a adequação de suas sugestões para a resolução da crise venezuelana, que incluem a repetição das eleições, a confiança no Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) venezuelano, a mais alta corte do país controlada pelo chavismo, e a concessão de uma anistia geral no país.
Segundo a HRW, as eleições presidenciais realizadas em 28 de julho na Venezuela, nas quais o chavista Conselho Nacional Eleitoral (CNE) declarou a vitória do ditador Nicolás Maduro, foram marcadas por “graves irregularidades e violações de direitos humanos”. Desde o anúncio dos resultados, o regime de Maduro intensificou sua repressão contra a oposição e a sociedade civil.
A organização destaca que 23 manifestantes e transeuntes, além de um membro da Guarda Nacional Bolivariana, morreram durante os protestos. Além disso, mais de 2 mil pessoas foram detidas, sendo que 1,5 mil continuam nas prisões, sendo 130 crianças e 20 pessoas com deficiência, conforme dados verificados pela organização Foro Penal. Apenas 90 pessoas foram, até o momento, libertadas, enquanto centenas foram acusadas de "terrorismo".
A HRW ressaltou que a onda atual de prisões arbitrárias na Venezuela parece ser sem precedentes na história recente do país, superando as taxas de detenções das prolongadas manifestações contra o chavismo de 2014 e 2017.
A primeira proposta criticada pela HRW é a de repetir as eleições, mencionada por Lula e Petro. A organização afirmou que uma nova eleição desrespeitaria a vontade popular expressa nas urnas em 28 de julho, especialmente considerando as graves violações de direitos humanos que marcaram o processo eleitoral anterior. A HRW enfatizou que a repetição das eleições não resolveria as questões fundamentais de transparência e integridade que prejudicaram o pleito anterior. O regime de Maduro não demonstrou disposição para divulgar e aceitar o resultado do último pleito, cuja oposição alega que venceu com ampla margem.
“[...] Tal proposta seria inaceitável em qualquer país. Seria particularmente problemática na Venezuela, dados os significativos obstáculos que eleitores e candidatos tiveram que superar para participar das eleições de 28 de julho, incluindo violações generalizadas dos direitos humanos, que tornaram o campo de jogo marcadamente desigual e colocaram muitos eleitores e candidatos em risco de abuso governamental”, cita a organização, acrescentando que “desde a eleição, o governo Maduro tomou medidas para tornar o campo democrático ainda mais desigual, prendendo membros da oposição, ameaçando prender [Edmundo] González [Urrútia] e a líder da oposição María Corina Machado, aprovando uma lei que concede ao governo amplos poderes para fechar ONGs e propondo leis para restringir ainda mais a observação eleitoral internacional”.
A confiança no Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, a mais alta corte do país, para resolver as disputas eleitorais, proposta pelos governos de Brasil, Colômbia e México, também foi criticada pela HRW. A organização aponta que o TSJ carece de independência e credibilidade, conforme relatado por especialistas venezuelanos e organismos internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. A HRW lembra que o procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, identificou fatores que comprometem a imparcialidade dos juízes do TSJ. Além disso, a Missão Internacional Independente de Determinação dos Fatos sobre a Venezuela do TPI documentou acusações de que os magistrados do TSJ “frequentemente recebem ordens do poder executivo sobre como devem decidir em seus julgamentos”.
A proposta de uma “anistia geral” na Venezuela, sugerida pelo presidente da Colômbia, Petro, também foi alvo de críticas. De acordo com a HRW, uma anistia ampla, como a defendida por Petro, violaria o direito internacional e comprometeria os direitos das vítimas de atrocidades do regime chavista.
A organização enfatiza que, “conforme o direito internacional”, os governos têm a obrigação de investigar e processar graves violações de direitos humanos e crimes internacionais. A HRW destaca que esforços para resolver a crise na Venezuela devem incluir mecanismos de justiça transicional que reparem os danos e garantam a não repetição dos abusos.
“A Missão de Apuração de Fatos da ONU sobre a Venezuela—assim como organizações de direitos humanos na Venezuela e no exterior—documentaram repetidamente graves violações dos direitos humanos no país. A Missão identificou motivos para acreditar que membros do governo Maduro cometeram crimes [...] O TPI também está atualmente investigando os graves crimes cometidos no país, incluindo detenções arbitrárias, tortura, assassinatos e violência sexual perpetrados pelas forças de segurança desde 2017.”, diz o texto.
“Nossas décadas de trabalho para garantir justiça, verdade e reparação às vítimas nos ensinaram que a falta de justiça promove a repetição de abusos. Dar uma anistia aos perpetradores desses crimes no contexto atual na Venezuela é uma fórmula para mais abusos”, lembrou a HRW.
A HRW concluiu a carta instando os presidentes Lula, Petro e López Obrador a focarem seus esforços em “garantir o respeito à vontade popular expressa nas eleições de 28 de julho” e em pressionar por uma “verificação independente e imparcial dos resultados”.
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