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Durante uma cerimônia bizarra em estilo militar que destacou os laços da Huawei com o Partido Comunista da China (PCC), a empresa de tecnologia lançou uma nova unidade de negócio. Ela será focada no desenvolvimento de tecnologia de vigilância alimentada por inteligência artificial. A nova frente se concentrará em simplificar os esforços da empresa chinesa, que está em apuros, para se tornar líder mundial em tecnologia de espionagem, com potencial para ser implantada no mundo todo.
A cerimônia desmente as relações públicas da Huawei e as campanhas de lobby que se esforçam para esconder a noção bem fundamentada de que a empresa é leal ao Partido Comunista Chinês.
Nos últimos anos, a gigante das telecomunicações foi atacada por sanções da era Trump e uma campanha para persuadir governos estrangeiros a parar de usar produtos Huawei em suas redes de comunicação. O governo Trump alertou os aliados dos EUA e outros países que a Huawei faz parte do aparato de espionagem do PCC. Essas alegações foram justificadas por relatórios subsequentes que vinculam a Huawei às redes de vigilância do partido.
No ano passado, em meio às restrições internacionais, a receita da Huawei continuou a diminuir, embora sua lucratividade tenha crescido à medida que se voltou para outros setores. Parte do esforço para transformar a Huawei em resposta às proibições ocidentais está em reorganizar a empresa em várias frentes, cada uma focada em uma indústria emergente diferente.
Durante a cerimônia citada acima, em 26 de maio, a Huawei inaugurou essa unidade de "visão mecanizada", que faz uma análise de imagens por computador baseada em IA. Essa iniciativa é fundamental para que a empresa entre no mercado de tecnologia de vigilância. Mas o grande destaque do evento foi a forma pugilística com que a empresa apresentou seu trabalho.
De acordo com uma reportagem ligada ao partido comunista, compartilhada com o National Review através do grupo comercial de vigilância IPVM, a cerimônia contou com uma fila de funcionários uniformizados da Huawei fazendo uma saudação do PCC com o punho erguido no palco. Atrás deles, havia uma faixa que dizia:
Integração de aplicativos, coordenação na nuvem, construindo um concorrente líder! Aprofunde a distribuição do canal para ajudar os clientes a ter sucesso na linha de frente. Mantenha-se focado e competitivo para viver e morrer com a Tropa. Corpo de Visão Mecanizada, Vitória! Huawei, Vitória! Vitória! Vitória!
Os novos recrutas da Huawei também gritaram o slogan. Além do fundador e CEO da Huawei, Ren Zhengfei, sua filha e CFO da empresa, Meng Wanzhou, estava presente. Meng estava sob custódia no Canadá, mas foi libertada no ano passado, depois que os EUA desistiram de um pedido de extradição em um aparente acordo com Pequim.
Durante anos, a Huawei trabalhou para se apresentar como uma empresa de tecnologia normal e privada, conduzindo uma campanha de lobby multimilionária nos EUA, formando parcerias com os principais meios de comunicação e até ganhando apoio de ex-altos funcionários do governo dos EUA.
Mas a cerimônia da "visão mecanizada" é apenas o exemplo mais recente que contradiz essa tentativa de parecer uma empresa "comum". Além do comitê interno do partido da Huawei — um órgão que promove a ortodoxia do PCC dentro de empresas nominalmente privadas —, a influência do partido pode ser vista nos esforços de Ren para moldar sua empresa para refletir a cultura do regime e as estruturas organizacionais. Como o IPVM observou em seu relatório sobre o evento, a exortação de Ren aos funcionários da Huawei para “lembrar firmemente sua missão” é uma referência a um antigo slogan do partido comunista.
A Huawei pretende entrar nesse novo mercado para competir com outras gigantes chinesas de vigilância, como Hikvision e Dahua, ambas sujeitas a sanções dos EUA por seu papel na espionagem em massa de uigures. Esse esforço pode ter implicações globais, com a exportação da tecnologia vendida por uma empresa com clara lealdade ao PCC.
O chefe de departamento da nova unidade da Huawei em 2020, Duan Aiguo, prometeu na época que essa seria a principal empresa do setor em cinco anos. Embora o relatório da mídia de segurança chinesa tenha dito que não estava certo que Duan lideraria oficialmente esse novo corpo, ele foi visto na cerimônia sentado com o núcleo da liderança corporativa.
Duan seria uma escolha provável para a função, considerando seu trabalho na iniciativa de “cidade inteligente” da Huawei. A empresa diz que lançou cerca de 160 desses sistemas de cidade segura e cidade inteligente, abrangendo tecnologia de reconhecimento facial e digitalização de placas, em todo o mundo. Um relatório da Privacy International, publicado em novembro do ano passado, pede mais informações sobre esses programas, que estão em vigor em Uganda, Mianmar e outros países em desenvolvimento, além de países ocidentais desenvolvidos, como a Espanha.
Outro projeto, entre a Huawei e uma empresa afiliada ao Sberbank da Rússia, também fornece mais evidências sobre as ambições internacionais da Huawei no setor de vigilância. As duas empresas desenvolveram em conjunto uma plataforma que combina suas capacidades tecnológicas.
Um comunicado de imprensa de outubro de 2020 afirmava: "A solução VisionLabs–Huawei pode detectar rostos em vídeos e fotos, extrair modelos biométricos que identificam rostos e combiná-los com o banco de dados disponível. A solução pode usar câmeras rodoviárias, câmeras de painel e outros dispositivos como fontes de imagem". Naturalmente, a nova unidade de "visão mecanizada" da Huawei deverá continuar aprimorando esse tipo de tecnologia, inclusive para aplicativos que poderiam ser exportados para cidades inteligentes de países estrangeiros.
A Huawei já tem uma vasta experiência na adaptação de produtos focados em vigilância para as necessidades das autoridades chinesas. No ano passado, o Washington Post detalhou o trabalho da Huawei com funcionários do partido, no fornecimento de software de monitoramento de voz, programas de gerenciamento técnico para reeducação e campos de trabalho forçado em Xinjiang, Mongólia Interior e Shanxi, e software de reconhecimento facial para uso em cidades de Xinjiang.
O porta-voz da Huawei não respondeu ao pedido de comentário da National Review.
*JIMMY QUINN é correspondente de segurança nacional na National Review