Um grupo de aproximadamente 100 pessoas se reuniu no centro de Caracas na tarde desta sexta-feira (23) para protestar contra a multa imposta pela Justiça venezuelana ao comediante Laureano Marquez. Tanto os jornalistas presentes quanto os admiradores do humorista foram unânimes em afirmar que a "liberdade de expressão está sendo cerceada na Venezuela" e que a punição do humorista mostra "a gravidade" da atual situação do país.

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Laureano Marquez é cientista político e um dos comediantes mais famosos da Venezuela. Há anos ele escreve textos críticos e bem humorados sobre a política nacional.

Ele se aproveitou de uma fala do presidente em um dos seus discursos à nação para escrever um texto em linguagem de ficção que acabou lhe custando caro: ele o jornal "Tal Cual", onde trabalha, foram condenados a pagar quase US$ 20 mil. Além disso, uma decisão de um órgão paralelo à Justiça impôs uma outra punição que proíbe tanto o comediante quanto o diário de fazer qualquer menção à filha de Chávez e à sua família.

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O caso começou no final de 2005, quando Hugo Chávez disse que sua filha Rosines, de 9 anos, sugeriu que ele mudasse o escudo nacional da Venezuela. O motivo: o cavalo que aparece como símbolo do país está com a cabeça virada para o lado direito (ou para trás, na opinião de alguns venezuelanos). A menina propôs que o animal aparecesse olhando para esquerda (ou para frente, segundo essas mesmas pessoas).

Como Chávez disse em seu discurso que aceitou a sugestão da filha, muitos críticos reclamaram dos gastos que seriam necessários para adaptar bandeiras, flâmulas e documentos oficiais da Venezuela em todo o país –até mesmo nas capas dos passaportes.

Laureano então escreveu um texto intitulado "Querida Rosines", no qual, em tom carinhoso, sugere que a menina peça para seu pai, Chávez, que, em vez de um cavalo, ele coloque como símbolo da Venezuela um cachorro da raça golden retriever. "Ou uma tartaruga, um bom emblema para a nossa lentidão para tudo", escreveu o comediante.

Laureano também pede, entra outras coisas, que Rosines interceda no comportamento repetitivo do pai: "Diga ao seu pai que pare de falar das coisas que pretende fazer depois de 2021. Ele sempre fala de 2021. Todos sabemos que ele vai ficar no cargo até essa data, mas não deveria repetir isso a toda hora. Porque quem não concorda com isso acaba ficando muito desanimado."

Tentando manter o bom humor, cercado de amigos e de admiradores na rua que o abraçavam e até pediam autógrafos, Laureano falou com o G1 durante a manifestação.

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Leia abaixo trechos da entrevista:

G1 - Você acha que seu texto, como alegou a Justiça, "viola a honra, a reputação e a vida privada" de uma criança?

Laureano Marquez - De forma alguma. Não digo isso porque fui eu quem escrevi o texto, mas porque vários especialistas em semiótica o analisaram posteriormente e não encontraram absolutamente nada que afetasse a dignidade da pessoa em questão –a quem eu não posso pronunciar o nome porque me foi proibido pela Justiça.

Era uma carta escrita em tom amável porque eu sabia que era uma menor de idade e que não tinha nada a ver com toda essa história. Claro que era uma crítica. Então, ja que ela pedia coisas para o pai, eu decidi pedir também. Não há intenção de agredir a menina, apenas de usar o caso para fazer uma brincadeira política.

G1 - Você recebeu duas punições por causa desse texto?

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Marquez - Exato. Foram dois processos diferentes, ignorando o princípio de que ninguém pode ser julgado duas vezes pela mesma causa. E elas levaram a duas condenações distintas.

Por um lado, um tribunal de Justiça nos obrigou a pagar US$ 19.600 (cerca de R$ 40 mil). Por outro, o Conselho de Proteção do Menor e do Adolescente nos proibiu de fazer qualquer menção à "família real" [ironizando a família de Chávez].

G1 - Como cientista político, como você vê esse caminho que o país esta tomando?

Marquez - Temos duas opções: ou calamos a boca, ou defendemos nossos direitos. É por isso estamos aqui hoje. Mas acho que boa parte da população ainda não está consciente da gravidade da situação. Estamos indo por um caminho que deve ser revertido porque ele nos levará ao cerceamento das liberdades individuais.

G1 - Dá para levar isso com bom humor?

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Marquez - Sim. Eu vou continuar com meu bom humor, fazendo meu trabalho de crítica humorística. Até porque o humor é muito difícil de censurar, pois têm muitos recursos. Um deles é a perspicácia para enfrentar a brutalidade. Quando a brutalidade enfrenta a perspicácia e a astúcia, ela perde. Isso porque o humor domina algo que a brutalidade não domina, que é a inteligência.

G1 - Os jornalistas com quem tenho conversado dizem que na Venezuela se pode criticar abertamente o governo, mas que o presidente ataca verbalmente cada vez com mais freqüência todos aqueles que lhes fazem críticas. O seu caso parece que vai além da mera retórica, não?

Marquez - É isso mesmo. Nós podemos escrever, e escrevemos. Podemos discordar, e discordamos. E nos meios de comunicação daqui há críticas abertas ao presidente. O que acontece é que a marca institucional legal vai nos cercando por uma parte. Por outra, o próprio presidente também vai fechando esse cerco. Os tribunais agora vão adotando sanções. Aí vem o Ministério de Comunicação e fecha um canal de televisão, como a Rádio Caracas Television [cuja licença não será renovada pelo governo Chávez]. Então você percebe que não são mais fatos isolados. É tudo parte de um projeto que se está levando a cabo pouco a pouco, mas de forma consistente.