Mesmo signatárias do Tribunal Penal Internacional (TPI), Hungria e África do Sul sinalizaram nesta quinta-feira (23) que não devem cumprir a ordem de prisão expedida pela corte de Haia contra Vladimir Putin caso o presidente russo visite esses países.
O governo da Hungria foi mais assertivo, ao assegurar que Putin não seria detido em território húngaro, uma vez que o estatuto daquele tribunal não foi promulgado no país.
“A Hungria não poderá deter Putin, porque o estatuto do TPI não foi promulgado, uma vez que é inconstitucional”, explicou à imprensa o ministro do Interior, Gergely Gulyás.
O TPI emitiu neste mês um mandado de prisão contra Putin como suposto responsável pela deportação ilegal de crianças e sua transferência de áreas ocupadas na Ucrânia para a Rússia, o que configura um crime de guerra sob o Estatuto de Roma, o tratado fundacional do tribunal, que foi assinado por 123 países.
Após o anúncio do TPI, o alto representante da União Europeia (UE) para Relações Exteriores, Josep Borrell, ressaltou que, a partir de agora, Putin pode ser detido “imediatamente” em “mais de 130 países”.
A Hungria não incorporou o Estatuto de Roma, documento fundador do TPI, em sua legislação por mais de 20 anos, apesar de tê-lo assinado em 1998 e posteriormente ratificado.
O governo húngaro de Viktor Orbán, considerado o principal aliado de Moscou na UE e no poder desde 2002, também não tomou medidas para incorporá-lo formalmente ao corpo jurídico do país.
Nesta quinta-feira, Gulyás declarou que o estatuto do TPI é parcialmente incompatível com a Constituição húngara.
“O governo não se pronunciou sobre o mandado de prisão contra Putin”, lembrou o ministro, acrescentando que a decisão do tribunal internacional contra Putin “não favorece a paz”.
A Hungria, membro da OTAN e da UE, recusa-se a enviar armas para a Ucrânia e proibiu o transporte através do seu território de material militar destinado ao país vizinho atacado.
África do Sul
Por sua vez, a ministra das Relações Internacionais da África do Sul, Naledi Pandor, confirmou nesta quinta-feira que seu país convidou Putin a participar em agosto da Cúpula dos Brics, apesar de ser alvo do mandado de detenção emitido pelo TPI.
“O presidente Putin é um dos líderes dos Brics e está convidado para a cúpula, embora eu ache que o mandado do TPI é motivo de preocupação”, disse Pandor a jornalistas em Pretória, durante uma visita oficial à África do Sul dos reis da Bélgica, Philippe e Mathilde.
Como membro do TPI, a África do Sul, que sediará a cúpula dos chefes de Estado e de governo do bloco em Durban em agosto, é obrigada a cooperar na prisão de Putin.
“Devemos ter uma discussão com o gabinete [do governo sul-africano] para decidir como vamos agir”, declarou a chanceler, cujo país ocupa a presidência rotativa dos Brics este ano, indicando que esse debate ocorrerá o mais breve possível.
A titular de Exteriores fez o comentário depois que a Rússia afirmou que confia na África do Sul para garantir um trabalho eficaz para todos os países e seus representantes na cúpula.
“Já mencionei em outras ocasiões o problema dos padrões duplos nos assuntos globais. Existem muitos outros países que estiveram envolvidos em guerras, invasões de territórios, assassinatos de pessoas e prisões de ativistas, mas nenhum deles foi alvo do TPI”, acrescentou Pandor.
Além disso, a chefe da diplomacia sul-africana opinou que “parece que se você é poderoso e goza de um determinado status na comunidade internacional, pode escapar e isso nos preocupa porque obscurece a objetividade do TPI enquanto árbitro justo”.
Em junho de 2015, o Executivo sul-africano se viu em situação semelhante quando o então presidente do Sudão, Omar Al Bashir, que era alvo de um mandado de prisão por genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, participou de uma cúpula da União Africana (UA) em Johanesburgo.
Pretória alegou que não poderia prender Al Bashir devido à sua imunidade diplomática como chefe de Estado e permitiu que desembarcasse no país, mas o presidente voltou ao Sudão em menos de 48 horas para evitar problemas com a Justiça, que, obedecendo ao TPI, ordenou sua prisão.
O tribunal internacional decidiu meses depois abrir um processo contra a África do Sul por falta de colaboração, mas em 2017 recusou-se a submeter a situação ao Conselho de Segurança da ONU para proteger uma futura cooperação com o país africano.
A África do Sul declarou no ano passado que adotaria uma posição neutra sobre a guerra na Ucrânia, apelando ao diálogo e à diplomacia para resolver o conflito.
Esta posição está não apenas ligada ao papel estratégico político e econômico que Moscou tem em alguns países africanos, mas também a razões históricas, como o apoio russo aos movimentos anticoloniais e outros do século XX, como a luta contra o regime segregacionista do apartheid.
Brasil, Rússia, Índia e China criaram o grupo Bric em 2006, ao qual a África do Sul se juntou em 2010, acrescentando a letra S (do inglês South Africa) à sigla atual.
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