Prisões de opositores, perseguição a igrejas e à imprensa marcam a ditadura de Daniel Ortega, na Nicarágua. Pelo quarto mandato consecutivo, com eleições duvidosas, o ditador tem tentado controlar as manifestações pela democracia no país, especialmente nos últimos quatro anos.
Desde 2018, quando os protestos se intensificaram, quase mil ONGs foram fechadas. Além disso, a Igreja Católica sofreu mais de 190 ataques no país, segundo relatório do Observatório Anticorrupção e Transparência encaminhado à Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, na sigla em inglês).
Entre as ações do regime contra a igreja, houve o fechamento de canais de televisão católicos, a expulsão de missionários e a perseguição a padres e bispos. Cerca de 17% dos ataques envolveram assaltos, destruição de ambientes religiosos, incêndio criminoso e invasão de propriedade privada.
Perseguição à Igreja Católica
No final de junho, dois canais de televisão católicos, Merced e Canal San José, foram retirados do ar. Outros já tinham sido bloqueados em maio. De acordo com o relatório, desde que as igrejas abriram as portas para socorrer estudantes e familiares que manifestavam pela renúncia de Ortega, em 2018, a perseguição à Igreja Católica aumentou na Nicarágua.
“Antes de abril de 2018, a Igreja estava sujeita a abusos esporádicos. Após essa data, a hostilidade aumentou tanto em número quanto em grau. A linguagem ofensiva usada pelo casal presidencial contra a hierarquia católica se tornou mais clara e comum, e as ações de algumas instituições públicas contra as obras de caridade da Igreja também aumentaram”, diz o estudo.
Somente no último anúncio de Ortega, no começo desta semana, 101 instituições de caridade foram fechadas. Entre elas, a Associação das Missionárias da Caridade de Madre Teresa de Calcutá, onde freiras se dedicavam a servir os mais pobres e administravam um lar para idosos, além de uma creche para filhos de mães carentes e um abrigo para crianças abandonadas e vítimas de abuso.
Perseguição e censura à imprensa
Com o fechamento das associações da qual faziam parte, freiras foram obrigadas a deixar a Nicarágua a pé, na terça-feira da semana passada (06). Outras foram conduzidas por um caminhão. Diversos meios de comunicação fizeram a cobertura do acontecimento e alguns profissionais foram presos.
O jornal La Prensa é um dos principais alvos de Ortega e teve dois motoristas detidos durante essa cobertura. Segundo o veículo de comunicação, os funcionários foram levados à prisão de segurança máxima sem que a acusação de um crime tenha sido apresentada. Os policiais da ditadura de Ortega tentaram, dias depois, prender também a repórter e o fotógrafo em suas residências, mas não os encontraram.
A Associação Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) disse em nota que a prisão dos funcionários do La Prensa é uma “nova onda de perseguição” do governo nicaraguense ao jornal. “Nós responsabilizamos o regime Ortega pelo que pode acontecer com cada um dos trabalhadores do La Prensa, vítimas de abusos, intolerância e desrespeito a seus direitos fundamentais”, declarou Jorge Canahuati, presidente da SIP.
Em agosto de 2021, o prédio do jornal foi invadido e o diretor, Juan Lorenzo Holmann Chamorro, foi preso. Além dele, outros dois membros do conselho de administração do jornal, Cristiana e Pedro Joaquín Chamorro Barrios, também foram levados para a prisão. Cristiana era, na época, candidata às eleições presidenciais de novembro de 2021.
Outro candidato à presidência, o jornalista Miguel Mora, diretor do canal privado 100% Notícias, foi preso no ano passado e julgado culpado em fevereiro deste ano "por atentar contra a integridade nacional", conforme revelou o advogado dele, Gerardo Gonzalez. A ditadura de Ortega, no entanto, não publica nenhuma informação sobre os detidos da oposição.
Perseguição a políticos da oposição
No último ano, cerca de 50 opositores ao ditador foram presos, sendo sete deles potenciais concorrentes à presidência. O tribunal da Nicarágua declara esses prisioneiros como “culpados por atentar contra a segurança nacional” ou “por conspiração” e costuma definir penas de cerca de 15 anos de prisão.
O chefe da diplomacia europeia, Josep Borell, declarou que as eleições na Nicarágua não foram legítimas, já que Daniel Ortega “prendeu todos os seus adversários”. “A situação na Nicarágua é uma das mais graves neste momento no continente americano”, ressaltou Borell, em Lima, no Peru, durante uma viagem à América Latina.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) também afirmou que a repressão à oposição não permite “um processo eleitoral honesto e livre” no país.