Uma tentativa frustrada de cruzar a fronteira entre o México e os Estados Unidos neste fim de semana resultou na prisão de 42 imigrantes centro-americanos e em cenas lamentáveis de crianças chorando ao terem que escapar de bombas de gás lacrimogêneo.
No domingo, centenas de membros de uma caravana de imigrantes centro-americanos correram em direção aos muros que dividem os dois países, na fronteira de San Ysidro, para tentar entrar nos EUA ilegalmente. Para controlar a multidão, que segundo os EUA era de cerca de 1.000 pessoas (os mexicanos estimaram 500 imigrantes), os agentes da Alfândega e Proteção de Fronteira dos EUA lançaram gás lacrimogêneo contra eles.
O confronto ocorreu em meio a uma manifestação pacífica em Tijuana, na qual os imigrantes pediam às autoridades americanas que acelerem o processo de concessão de asilo aos membros da caravana. As autoridades mexicanas intervieram na passeata para impedir que se aproximassem da fronteira, e, na confusão, parte dos imigrantes tentou atravessar a grade divisória entre os países. O Instituto Nacional de Imigração do México informou nesta segunda que 98 pessoas envolvidas no "ato violento" foram deportadas.
O chefe da Patrulha de Fronteira em San Diego, do lado americano, Rodney Scott, disse nesta segunda-feira (26) que a maioria dos imigrantes latinos que está na região não se qualificaria para o pedido de asilo e que há poucas mulheres e crianças entre eles.
"O que eu vi na fronteira ontem [domingo] não foram pessoas indo até agentes da Patrulha de Fronteira e pedindo asilo".
Entretanto, as imagens de duas crianças correndo e chorando em meio ao caos provocaram fortes reações e críticas contra o presidente dos Estados unidos, Donald Trump. Líderes democratas e defensores dos direitos humanos disseram que cenas de crianças engasgadas com gás lacrimogêneo são a prova de que o esforço de Trump contra a caravana já foi longe demais.
This photo of a woman, clutching two children as they ran from a smoking tear gas canister, spread rapidly online https://t.co/WOw1BYwppd
— The New York Times (@nytimes) 27 de novembro de 2018
“Disparar gás lacrimogêneo contra crianças não é quem somos como americanos”, tuitou Tom Perez, presidente do Comitê Nacional Democrata. “Buscar asilo não é crime. Nós devemos ser melhores que isso”.
"Isso é errado", disse a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, opositora da campanha presidencial de Trump em 2016, nesta segunda-feira pelo Twitter, respondendo a uma reportagem sobre migrantes que fugiam do gás lacrimogêneo durante os distúrbios.
A secretária de Segurança Interna dos EUA, Kirstjen Nielsen, disse em uma rede social que os agentes na fronteira foram atingidos por projéteis lançados por membros da caravana de imigrantes, por isso as forças americanas reagiram, lançando gás lacrimogêneo.
Trump falou que apoia a reação dos agentes de fronteira. “Eles tiveram que fazer isso”, disse ele a repórteres, reafirmando sua política de tolerância zero na qual quer proibir imigrantes ilegais de solicitar asilo no país.
Efeitos do gás lacrimogêneo em crianças
Existe a preocupação de que crianças sejam mais vulneráveis aos efeitos da exposição a agentes de controle de multidão, segundo Martin Boland, professor de Química Médica e Farmacêutica na Charles Darwin University (Austrália). “Se elas forem expostas a esses agentes, elas estariam mais suscetíveis a serem feridas por eles, para além do desconforto da exposição”, explicou Boland para a Gazeta do Povo.
Um dos efeitos causados por esses agentes químicos é a tosse prolongada, atribuída à inflamação do tecido pulmonar. “Isso faz sentido porque uma das respostas que os agentes de controle são desenhados para alcançar é a irritação das membranas mucosas – e uma resposta fisiológica para essa irritação é a inflamação”, disse o especialista, que acrescenta que existe pelo menos um estudo de caso em que a exposição prolongada de uma criança a esses químicos resultou em contagem elevada de glóbulos brancos por várias semanas (um sinal de que o corpo está lutando com uma infecção).
Boland esclarece que, até onde se sabe, as crianças que são expostas a agentes desse tipo não devem ter efeitos permanentes. “Pelo menos para quem não tem um problema de pulmão pré-existente”, ressalta.
Violação da Convenção de Armas Químicas?
O senador Brian Schatz, democrata do Havaí, tuitou, no domingo à noite, que o uso de gás lacrimogêneo naquela situação pode ter sido uma violação de acordos internacionais que regem o uso de armas químicas. A postagem foi apagada minutos depois, mas repercutiu na imprensa americana.
Segundo Martin Boland, agentes de controle de multidões são apenas regulados, e não proibidos pela Convenção sobre as Armas Químicas (CWC, na sigla em inglês).
“Se o México considerar que os Estados Unidos violaram a CWC, eles precisam apresentar uma queixa junto à Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW)”, diz Boland. Foi o que o Reino Unido fez contra a Rússia após os casos de envenenamentos de ex-espiões russos por uma substância chamada novichok.
No entanto, continua o especialista, a OPCW não tem poder para fazer cumprir as regras que são estabelecidas. “A aplicação da lei seria feita levando uma nação a um tribunal internacional ou à ONU”.
O Ministério das Relações Exteriores apresentou, na segunda-feira, uma nota diplomática à embaixada dos Estados Unidos pedindo às autoridades americanas que conduzam uma investigação completa dos eventos em que as armas não letais dos EUA foram usadas no México.
Caso semelhante durante a administração Obama
Em 2013, agentes de patrulha da fronteira dos EUA se viram em uma situação semelhante na divisa de San Ysidro. Um grupo de aproximadamente 100 pessoas tentou cruzar a fronteira do país ilegalmente atirando pedras e garrafas nos funcionários americanos. Eles reponderam usando gás de pimenta contra a multidão. Não houve relatos de que havia crianças entre os imigrantes.
O gás de pimenta, assim como o gás lacrimogêneo, é considerado um agente de controle de distúrbios (RCA, na sigla em inglês) pela Convenção sobre Armas Químicas.
Trump ameaça - de novo - fechar a fronteira sul
Trump está tentando reduzir o fluxo de imigrantes para o país, a fim de cumprir uma promessa de campanha.
Sua política de tolerância zero já tentou várias vias para alcançar esse objetivo, embora algumas tenham esbarrado na justiça. Depois da confusão na fronteira entre Tijuana e San Ysidro, ele ameaçou fechar a fronteira do país permanentemente.
"Fecharemos a fronteira permanentemente, se necessário. Congresso, financie o muro!", tuitou o presidente, em referência à sua polêmica promessa de construir um muro entre os dois países para conter a imigração.
Trump fez ameaças semelhantes em outubro, antes das eleições de meio de mandato, alertando que a caravana de migrantes que se aproximava representava um risco para a segurança dos EUA e alegando, sem evidência, que criminosos estavam entre o grupo. Até agora, ele não cumpriu essas ameaças.
Detalhes sobre qualquer potencial fechamento da fronteira de 3.145 quilômetros ainda não estão claros. O México é o terceiro maior parceiro comercial norte-americano, com US$ 557,6 bilhões em negociações bilaterais durante 2017, segundo o Escritório de Representação Comercial dos EUA. O comércio de serviços foi responsável por outros US$ 58 bilhões.
Como os mexicanos reagiram
Autoridades mexicanas tentaram restabelecer a ordem na manhã de segunda-feira, após o caótico dia anterior. Nove ônibus lotados da polícia federal mexicana tomaram posições em torno do complexo esportivo de Tijuana, onde os imigrantes estão acampados, esperando a chance de pedir asilo nos Estados Unidos.
Estima-se que mais de 500 policiais mexicanos estivessem presentes do lado de fora do complexo esportivo.
"Eles vieram para apoiar a polícia de Tijuana para que haja uma presença mais forte, e os imigrantes não tentem fazer o que fizeram ontem", disse Victor Coronel, chefe de assuntos de migração da polícia municipal de Tijuana.
O governo do México anunciou nesta segunda-feira ter deportado 98 imigrantes da América Central que se envolveram na confusão.
A caravana
Um grupo de migrantes hondurenhos começou uma jornada com destino aos Estados Unidos no começo de outubro. Eles eram cerca de mil pessoas no início da marcha, mas conforme foram avançando em direção ao norte, salvadorenhos e guatemaltecas se juntaram a eles.
Os migrantes dizem estar viajando em busca de empregos, melhores vidas para suas famílias e fugindo da ameaça de gangues e comunidades violentas.
Desde que cruzou a fronteira da Guatemala, a caravana tem sido critica pelo presidente americano.
“Os Estados Unidos informaram fortemente o presidente de Honduras que se a grande caravana de pessoas indo para os EUA não for detida e levada de volta a Honduras, não haverá mais dinheiro ou auxílio enviados para Honduras, com efeito imediato!”, tuitou Trump no mês passado.
Antes das eleições americanas de meio de mandato, ele enviou mais de 5.000 soldados à fronteira sul para ajudar a proteger os agentes da patrulha de fronteira. Segundo o secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, a polícia militar não estará armada na fronteira e não terá o poder de prender imigrantes.
Atualmente, cerca de 7.500 imigrantes estão reunidos nas cidades de Tijuana e Mexicali, no México, esperando uma oportunidade para requerer asilo, mas ainda há outras caravanas migrando rumo aos EUA neste momento, o que tende a piorar ainda mais a situação na fronteira. Agentes de San Ysidro, ponto de entrada para os EUA, estão processando menos de cem pedidos de asilo por dia.