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Nas últimas semanas, dois fatos relacionados à segurança nas fronteiras nas Américas geraram grande repercussão: o fim da medida sanitária Título 42 nos Estados Unidos e a crise na fronteira entre Chile e Peru. Mas esses impasses estão longe de serem os únicos no continente.
As crises registradas em vários países, que fazem muita gente buscar o sonho americano, e o caráter cada vez mais transnacional do crime organizado representam um desafio crescente para os governos nacionais diante de complexos fluxos migratórios.
A Gazeta do Povo apresenta um resumo da situação das fronteiras que mais têm despertado preocupação nas autoridades:
Fronteira sul dos EUA
Segundo organizações civis mexicanas, 2022 foi o ano mais trágico para os imigrantes no México, já que cerca de 900 morreram tentando cruzar sem documentos a fronteira entre o país e os Estados Unidos.
O fluxo migratório na fronteira sul foi recorde no ano passado, com 2,76 milhões de imigrantes ilegais detidos no ano fiscal de 2022 (outubro de 2021 a setembro do ano passado), devido principalmente à crise econômica, política e humanitária no Haiti, na Venezuela, em Cuba e na Nicarágua, que leva muitos cidadãos desses países a tentar entrar nos Estados Unidos.
Desde o início do governo Biden, em janeiro de 2021, foram 4,6 milhões de prisões de migrantes ilegais.
Na semana retrasada, chegou ao fim a medida sanitária Título 42, que permitia aos Estados Unidos expulsarem automaticamente a maioria dos imigrantes ilegais que chegavam à sua fronteira sul, sem lhes dar a oportunidade de solicitar asilo, sob o argumento de evitar a disseminação da Covid-19 em instalações de detenção.
O receio é que a derrubada do Título 42, que ocorreu devido ao fim da emergência sanitária de Covid-19, estimule ainda mais a migração ilegal.
Para evitar isso, além de reforçar o policiamento na fronteira, Washington promulgou um novo regulamento que restringe o acesso ao asilo na fronteira com o México e substitui o Título 42.
A nova norma qualifica como não aptos para solicitar asilo os migrantes que atravessam irregularmente e que não solicitaram proteção em um terceiro país durante sua viagem para os Estados Unidos.
Os Estados Unidos também iniciaram uma campanha digital de publicidade na América Central e América do Sul para combater “as mentiras dos traficantes com informações precisas sobre as leis de imigração” do país e deixar claro que a fronteira sul “não está aberta”.
Selva de Darién
A selva entre a Colômbia e o Panamá é uma das fronteiras mais perigosas do mundo. Além dos riscos da selva em si, as pessoas que fazem a travessia (interessadas em seguir para os Estados Unidos) estão sujeitas à violência dos grupos criminosos que atuam na região.
“As histórias que ouvimos mostram os horrores de atravessar o Darién para famílias inteiras. Muitos perderam suas vidas ou desapareceram enquanto outros conseguiram atravessar, mas agora têm problemas de saúde significativos. Estamos preocupados que as pessoas que estão pensando em fazer esta travessia não estejam conscientes dos perigos associados a esta rota”, declarou recentemente Giuseppe Loprete, chefe do Centro Administrativo Global e Missão da Organização Internacional para Migrações (OIM) no Panamá.
Muita gente, realmente, parece ignorar ou não levar em conta esses perigos: segundo números divulgados em abril pela Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), cerca de 120 mil pessoas já haviam atravessado o Darién este ano, seis vezes mais do que no mesmo período de 2022.
Colômbia-Venezuela
No seu relatório sobre a situação de direitos humanos na Colômbia em 2022, a ONG Human Rights Watch (HRW) destacou que o país já enfrenta em várias regiões níveis de violência comparáveis aos registrados antes do acordo de paz assinado pelo governo e pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em 2016.
Um dos principais motivos para isso, de acordo com a ONG, é a atuação de grupos armados que cometem graves abusos de direitos humanos contra civis, incluindo assassinatos, recrutamento de crianças e estupros, especialmente nas áreas rurais da região do Pacífico e ao longo das fronteiras com a Venezuela e o Equador.
Segundo a HRW, na região entre o departamento colombiano de Arauca e o estado venezuelano de Apure, o reavivamento dos confrontos entre a guerrilha Exército de Libertação Nacional (ELN) e dissidências das Farc causou um aumento nas mortes violentas e mais de 12 mil pessoas foram deslocadas ou isoladas pelo conflito.
Após o restabelecimento das relações diplomáticas com a Colômbia, a Venezuela anunciou um reforço no policiamento na fronteira, mas a HRW destacou um fato que já havia sido denunciado pelo ex-presidente colombiano Iván Duque (2018-2022): a ditadura de Nicolás Maduro protege grupos armados que atuam na região.
“Em Apure, os combatentes do ELN realizaram operações conjuntas com membros das forças de segurança venezuelanas, que foram cúmplices de seus abusos”, apontou a HRW.
México-Guatemala
Em 2022, o número de prisões de migrantes em trânsito pelo território mexicano foi recorde, com 444.439 detenções, um incremento de 44% sobre 2021.
A OIM destacou em comunicado “níveis sem precedentes de migrantes que chegam por terra ao México atravessando a América Central, a partir da República Bolivariana da Venezuela, Cuba, Nicarágua, Colômbia, Equador, Haiti, ou mesmo de países da África, Ásia e Europa (incluindo Rússia e Ucrânia)”.
Ao sul, a principal porta de entrada para o México é a Guatemala, onde, além da pressão migratória de interessados em seguir para os Estados Unidos, a instabilidade é alimentada pela atuação de grupos do crime organizado ligados ao cartel de Sinaloa.
Em janeiro, o governo da Guatemala determinou o envio de 300 soldados para reforçar a segurança na fronteira com o México, e a violência já motivou estado de sítio em algumas localidades, como o decretado em dois municípios no departamento fronteiriço de San Marcos em junho do ano passado.
O governo apontou à época que a decisão foi uma resposta aos “atos violentos” perpetrados por “habitantes e grupos armados” da região que têm agredido “a população e as forças de segurança”.
Chile-Bolívia
A crise migratória na América do Sul se tornou notícia internacional no final de abril, quando o Peru decretou emergência e anunciou a militarização das suas fronteiras pelo prazo de 60 dias, devido ao grande número de venezuelanos e haitianos no país.
Muitos migrantes ilegais da Venezuela que tentavam voltar do Chile para o seu país atravessando o território do Peru ficaram retidos na região de fronteira. Porém, há problemas maiores na fronteira chilena com a Bolívia (bem mais extensa), onde o tráfico de drogas, armas e pessoas, os sequestros, o contrabando e os homicídios tiveram aumento significativo nos últimos anos.
Segundo dados do Ministério Público chileno publicados pelo jornal El País, no ano passado, a região fronteiriça de Tarapacá teve uma taxa de homicídios de 12,9 por 100 mil habitantes, enquanto a média nacional chilena foi de 3,6.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que a violência é epidêmica numa região quando ocorrem mais de dez homicídios para cada 100 mil habitantes ao longo de um ano.
Para conter essa violência, o Chile tem implantado políticas migratórias rígidas, como, por exemplo, a facilitação das expulsões administrativas de migrantes ilegais.
Paraguai-Brasil
A fronteira entre os dois países é uma conhecida rota de tráfico de drogas e armas e de contrabando (como de cigarros, pelo qual o ex-presidente paraguaio Horacio Cartes foi acusado até por correligionários, como o atual mandatário do país, Mario Abdo Benítez). A atuação de grupos como o Primeiro Comando da Capital (PCC) é forte no país vizinho.
Na região de Pedro Juan Caballero, que faz fronteira com a brasileira Ponta Porã, assassinatos atribuídos ao crime organizado são comuns: o prefeito José Carlos Acevedo e o jornalista Humberto Coronel foram mortos no ano passado.
Enquanto a taxa de homicídios geral no Paraguai foi de sete por 100 mil habitantes em 2021, no departamento de Amambay, do qual Pedro Juan Caballero é capital, o índice foi de 64 mortes a cada 100 mil habitantes.
“Existem grupos de narcotraficantes com maior poder de fogo e virulência, com mais aspirações territoriais, e tudo isso anda de mãos dadas com a inércia ou cumplicidade política”, disse o sociólogo e pesquisador da Universidade Nacional de Assunção Carlos Peris, em entrevista à DW. (Com Agência EFE)