Ativistas invadiram a sede da conferência do clima para exigir um acordo sobre a redução de poluentes| Foto: Mike Hutchings/Reuters

Avaliação

"Questão da COP-17 é política"

A reportagem conversou ontem por telefone com a engenheira florestal Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Ela está em Durban, na África do Sul, e participa como observadora da Conferência sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (COP-17).

Até o fechamento desta edição, as negociações da COP-17 não haviam terminado e deviam entrar na madrugada deste sábado.

A expectativa, de acordo com Malu, era de que os países participantes do evento aprovassem um segundo período do Protocolo de Kyoto, além de estabelecerem um roteiro com novas metas de redução da emissão de gases-estufa que deve vigorar a partir 2020, levando em consideração as metas voluntárias discutidas em Copenhague.

"As metas devem ser referendadas", explica Malu, que acompanha uma COP pela primeira vez. Falando sobre as críticas ao evento, que teria deixado a ciência de lado – e as informações levantadas por pesquisadores –, a engenheira diz que, "sem dúvida, a questão é política [e não científica]".

"A Europa quer que as novas metas sejam definidas e aprovadas até 2014 e não quer dizer para o mundo que não as conseguiu", afirma. Outro aspecto relevante da COP-17, apontado por Malu, tem a ver com a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento – um ponto que também deve ser resolvido até a conclusão do encontro.

Malu falou ainda sobre a timidez das manifestações que ocorreram durante a COP. "É como se houvesse um marasmo, um conformismo. Como se [os manifestantes] dissessem: ‘Não adianta’. As expectativas pareceram baixas", diz.

Irinêo Baptista Netto

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A COP-17, a conferência do clima de Durban, chegou a sua noite final ontem com a perspectiva de um avanço político sem precedentes, mas sob o signo do impasse.

As duas propostas de decisão do encontro, uma extensão aguada do Protocolo de Kyoto e a promessa de um "marco legal" para atacar a mudança climática após 2020, o qual incluiria todos os países, foram rejeitadas pelas nações insulares à noite pela sua falta de ambição.

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A chanceler sul-africana Maite Mashabane, presidente da COP, suspendeu a sessão para fazer mudanças nos textos e deveria reapresentá-los ainda na noite de ontem. Até as 21 h (de Brasília, madrugada em Durban), isso não havia ocorrido.

Sem limite

Mais cedo, ONGs também haviam atacado a desconexão entre as propostas na mesa e o mundo real, dizendo que o acordo proposto em Durban levaria o planeta a um aquecimento de 4ºC neste século e a mais secas, enchentes e fome.

A ciência considera que o limite seguro de aquecimento é 2ºC em relação à era pré-industrial, meta que todos os países concordaram em atingir durante a conferência de Copenhague, em 2009.

O texto do Protocolo de Kyoto propunha a extensão do acordo do clima por um segundo período, de 2012 a 2020. Mas não trazia nenhuma meta numérica.

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Já o texto do chamado LCA, o grupo que negocia o futuro regime de proteção ao clima, definia apenas que um processo seria lançado para chegar a um "marco legal" sobre o clima para 2020, que envolvesse todos os países, mas cujo formato só começaria a ser definido no ano que vem.

"Os textos são pouco ambiciosos, mas é o melhor resultado a que se pode chegar aqui", disse o negociador mexicano Fernan­­do Tudela.

Metas

A proposta para Kyoto é que sejam incluídos no texto os compromissos quantitativos de redução de emissões para os países industrializados (o chamado Anexo-1), e um processo de revisão para que essas metas possam ser aumentadas em 2015-2016.

Para o futuro acordo, é preciso amarrar melhor a definição de "marco legal".

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A expressão foi uma maneira de conseguir o provável maior avanço político de Durban: fazer os EUA e a China, os maiores emissores do planeta, concordarem com o acordo futuro.

Os EUA não têm margem para negociar e não podiam aceitar um compromisso com força de lei, pois ele seria barrado pelo Senado americano. Sem o maior poluidor histórico na mesa, o maior poluidor atual, a China, tampouco se moveria.

Negociadores não chegam a acordo sobre florestas

A conferência do clima de "enterrou" o chamado Redd +, mecanismo de redução de emissões por desmatamento.

Esse mecanismo, adotado formalmente na conferência da ONU sobre o clima em Cancun (México) no final de 2010, tem como objetivo estimular os países que têm florestas tropicais a evitar desflorestá-las ou a administrá-las de maneira durável, obtendo compensações financeiras.

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Por oposição do Japão e da Austrália, as negociações sobre o financiamento para ações de Redd afundaram e nenhum texto foi apresentado aos ministros para decisão política ontem.

Ironicamente, os dois países que mais se opunham na negociação de florestas, Brasil e Papua-Nova Guiné, fecharam um acordo na quinta-feira à noite pela primeira vez. Ambos aceitaram que o Redd poderá ter mecanismos de mercado – ou seja, que países ricos possam comprar créditos de carbono por desmatamento evitado nos países tropicais –, mas de forma limitada.

O Japão, que tem dificuldades em cortar emissões no setor de energia (que já é o mais eficiente do mundo), queria poder abater suas emissões com créditos de Redd sem limites. Não houve acordo.

Tumulto

Manifestantes tomaram ontem os corredores do prédio sede da conferência do clima, em Durban.

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Portanto cartazes e cantando canções de protesto do tempo do Apartheid [regime de segregação racial que vigorou na África do Sul de 1948 a 1994], eles tentaram marchar até a plenária da COP-17, mas foram detidos pela segurança. A manifestação durou cerca de uma hora.

O chefe da organização ambientalista Greenpeace, o sul-africano Kumi Naidoo, foi expulso com uma dúzia de manifestantes do centro de conferência. "Policiais da ONU vão nos escoltar para fora (...) não podemos mais entrar no edifício pelo resto das negociações", explicou Naidoo a um grupo de jornalistas após ser conduzido à saída por funcionários da ONU.

Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace que foi ativista antiapartheid nos anos 1980 na África do Sul, participava da manifestação. "O que está em jogo aqui é o futuro de nossos filhos e netos", disse. "O que vemos não está à altura do que está em jogo", denunciou, ao exigir passos mais ambiciosos dos negociadores.