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aquecimento global

Impasse sobre o clima persiste

Usina de incineração na França: emissão de gases poluentes ameaça o planeta | Reuters/Charles Platiau
Usina de incineração na França: emissão de gases poluentes ameaça o planeta (Foto: Reuters/Charles Platiau)

O acordo obtido a duras penas na conferência global sobre o clima realizada na África do Sul mantém vivas as negociações, mas não resolve um problema central: a falta de disposições dos maiores poluidores do mundo para reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa e fazer com que o aquecimento global regrida em relação ao atual nível perigoso em que se en­­contra.

Em um momento no qual diversos cientistas advertem que o tempo está se esgotando, a maior parte da solução talvez tenha de vir do uso cada vez maior de tecnologias "ambientalmente corretas" e que vêm sendo desenvolvidas fora do processo em andamento na Organização das Nações Unidas (ONU).

"Nós evitamos um choque entre dois trens e obtivemos algumas decisões úteis e conciliatórias", segundo Alden Meyer, da União dos Cientistas Preocupados, com sede nos Estados Unidos. "A má notícia é que fizemos pouco coisa capaz de afetar a curva de emissões, que está se acentuando, e os impactos das mudanças climáticas, que aumentam a cada dia", ponderou.

Cientistas avaliam que, se continuarem a aumentar, as emissões globais de gases causadores do efeito estufa acabarão levando a um ponto sem retorno, mais especificamente a um derretimento irreversível das calotas polares, o que resultaria no aumento do nível do mar e na submersão das áreas costeiras atuais.

Não é possível afirmar com exatidão quando isso vai acontecer, mas as duas décadas de negociações climáticas têm se concentrado em meios para impedir que o aumento da temperatura média global ultrapasse 1,2ºC em relação aos níveis atuais antes do fim deste século.

Um relatório divulgado pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (Unep, por suas iniciais em inglês) antes do início das negociações na cidade sul-africana de Durban indica que as emissões globais de gases causadores do efeito estufa precisam chegar a um pico e começarem a regredir antes de 2020 para que o mundo tenha uma chance de evitar efeitos potencialmente catastróficos. Os autores do documento consideram que tal meta será factível somente se os países aumentarem suas promessas de cortes de emissões. Mas isto não aconteceu em Durban.

O acordo anunciado no dia 11 de dezembro estende por mais cinco anos o Protocolo de Kyoto, o acordo de 1997 que contém metas obrigatórias para os países industrializados que a ele aderiram, mas que exclui os dois maiores emissores mundiais de poluentes: EUA e China. Ao mesmo tempo, os governos de Canadá, Japão e Rússia não aderiram à extensão de Kyoto. O Canadá, alguns dias depois, anunciou que estava abandonando o protocolo de Kyoto, uma vez que não concordava com sua extensão e com cláusulas adicionais. Foi o primeiro país a abandonar oficialmente o pacto

Além de estender a validade do Protocolo de Kyoto até 31 de dezembro de 2017, o acordo obtido em Durban estabelece as metas para que um novo acordo válido para todos os países entre em vigor já em 2020. O documento também estabelece a criação das entidades que coletarão, administrarão e distribuirão dezenas de bilhões de dólares a países pobres diretamente afetados pelas mudanças climáticas.

"A questão central, e que continua sem resposta, é saber se mais de 190 países serão capazes de cooperar de forma a fazer com que as emissões globais de poluentes atinjam um pico e comecem a regredir no ritmo necessário até 2020. Trata-se de uma estratégia de alto risco para o planeta e para seus habitantes", advertiu Achim Steiner, diretor da Unep.

Congresso cético

As negociações sobre o clima foram prejudicadas por diferenças entre países ricos e pobres, nações completamente industrializadas ou pós-industrializadas e emergentes, além de questões sobre como dividir os custos da redução das emissões de gases poluentes.

Freado e contido por um Congresso cético, os Estados Unidos não querem se comprometer com qualquer acordo obrigatório a menos que sejam também impostos alvos específicos à China e à Índia. A China, nos últimos anos, ultrapassou o EUA como o maior emissor de CO2 e gases poluentes.

Enquanto isso, a atmosfera continua a se encher com gases que produzem aquecimento saídos da queima de combustíveis fósseis.

Integrantes da agência climática da ONU mostram que os três gases de efeito estufa mais poderosos atingiram níveis recordes na atmosfera no ano passado e sua concentração estava aumentando em um ritmo ainda maior.

A Administração Atmos­­férica e Oceânica Naci­­onal dos EUA (NOAA, pela sigla em inglês) diz que a força do total de gases que produzem aquecimento aumentou 29% desde 1990, o ano de referência para as conversações sobre o clima.

Com esse cenário, alguns dizem que os esforços diplomáticos para resolver a questão climática já fracassaram e que a resposta está no desenvolvimento de tecnologias verdes, fora do processo coordenado pela ONU.

"Deixar o problema nas mãos de diplomatas foi uma ds primeiras falhas", disse por e-mail Dan Sarewitz, professor de Ciência Política da Universidade Estadual do Arizona.

A ideia de que o sistema global de energia deveria ser "descarbonizado" por outra coisa que não o desenvolvimento tecnológico, impulsionado em grande parte por políticas nacionais e as empresas, "nunca foi mais do que uma ilusão", afirmou Sarewitz.

Roger Pielke Jr., da Universi­­dade do Colorado, disse que tratados e prazos não reduzem as emissões. "Tecnologia reduz emissões", afirmou ele. "Acor­­dos internacionais são simplesmente um meio de estimular a inovação tecnológica. No debate climático, nós confundimos os fins com os meios."

Avanços

Mesmo em Durban foi possível notar o crescente reconhecimento de que a transição para uma economia de baixo carbono deve ser sustentada por uma revolução na nova energia, disse Nicholas Stern, que escreveu um relatório de 700 páginas em 2006, que é referência sobre os efeitos das mudanças climáticas na economia global.

"Muitos exemplos inspiradores foram mostrados em Durban, que vão de projetos para desenvolver novas lâmpadas solares com a reciclagem de garrafas plásticas nas Filipinas, a programas de conservação de água e energia na África do Sul", disse Stern.

Apesar dos avanços tecnológicos, fontes renováveis de energia como o Sol e o vento enfrentam grandes desafios e lutam para competir em custo e eficiência com a energia baseada em combustíveis fósseis e ainda representam apenas uma pequena parte da energia gerada nos Estados Unidos.

E em alguns casos, a produção de combustíveis fósseis é que está se beneficiando da inovação tecnológica, já que as novas técnicas tornam mais fácil a perfuração de poços de petróleo e gás em águas profundas e leitos de xisto.

Funcionários da ONU disseram que a conferência de Durban foi um sucesso, mas isso não é razoável se considerarmos as baixas expectativas para negociações sobre o clima após o fracasso das aguardadas conversações em Copenhague, há dois anos.

Os negociadores do clima superaram o impasse nas últimas horas e mantiveram a movimentação do processo ao concordar em iniciar as conversações sobre um novo pacto climático, embora não tenham conseguido chegar a um acordo sobre se ele vai se chamar "protocolo, outro instrumento legal ou um consenso com força legal".

Outros documentos do pacote destaca regras para o monitoramento e verificação das reduções de emissões, proteção de florestas, transferência de tecnologias limpas para países em desenvolvimento e várias questões técnicas.

"Eu saúdo os países que fizeram este acordo. Todos eles colocaram de lado alguns objetivos importantes em favor de um propósito comum, uma solução de longo prazo para as mudanças climáticas", disse a secretária-executiva da Con­­venção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climá­­ticas (UNFCCC), Christi­­ana Figueres.

O processo continua, mas a parte difícil está adiante: se a elevação dos objetivos para cortes de emissões será suficiente para reduzir a elevação das temperaturas. Neste momento, há poucos sinais sugerindo que isso vá acontecer.

Isso significa que os esforços para reduzir as emissões por meio de regulações nacionais e locais e no setor privado por meio de novas tecnologias "precisa ser acelerado a todo vapor", disse Michael Oppenheimer, professor de Geociências e Assuntos Internacionais da Univer­­sidade de Princeton. "Se todos os países estimularem a energia renovável e outras tecnologias com vigor ao mesmo tempo em que estimularem as regulações disponíveis", disse Oppenheimer, "nós podemos ter uma chance de vencer o perigo".

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