O segundo processo de impeachment do ex-presidente americano Donald Trump teve início nesta terça-feira (9) no Senado dos Estados Unidos. O republicano, agora fora da Casa Branca, é acusado de incitar seus apoiadores a invadir o Capitólio, no dia 6 de janeiro, em um ataque que deixou cinco mortos e abalou o cenário político do país. Neste primeiro dia, os senadores julgaram que um processo de impeachment contra um presidente que já deixou o cargo é constitucional.
O deputado democrata Jamie Raskin, principal dos oito promotores do impeachment na Câmara, começou exibindo um vídeo de cerca de 13 minutos com cenas do discurso de Trump e da invasão ao Congresso em 6 de janeiro. O filme começa com as falas do então presidente a milhares de apoiadores, em que ele afirma que as eleições foram roubadas e incentiva as pessoas a caminhar até o Capitólio para "parar com o roubo".
O vídeo continua com cenas dos atos de violência promovidos pelos manifestantes e dos eventos mais intensos daquele dia; incluindo momentos em que os invasores derrubaram barreiras em torno do Capitólio e perseguiram parlamentares que estavam no interior do edifício. "Se isso não é um crime passível de impeachment, então não existe nada que possa ser", disse Raskin após a exibição do vídeo.
O debate nesta terça-feira foi sobre a constitucionalidade de um processo de impeachment contra um presidente que não está mais no cargo, algo inédito na história americana. Durante a maior parte do dia, os senadores ouviram os argumentos da defesa de Trump e dos promotores do impeachment.
Para os democratas, não pode haver uma "exceção de janeiro" que permitiria que presidentes saíssem impunes por atos cometidos nas semanas finais de seu mandato.
Já Bruce Castor, advogado de Trump, alegou que a retórica do presidente está protegida pela Constituição do país. "Não é possível que estejamos sugerindo a punição de pessoas por discurso político neste país", disse Castor aos senadores. Para ele, o julgamento de Trump só está ocorrendo porque a oposição temem a sua candidatura em 2024.
Após a tarde de debates, o Senado votou pela constitucionalidade do segundo impeachment contra Trump. Foram 56 votos favoráveis ao prosseguimento do processo e 44 contrários. Seis parlamentares do Partido Republicano se juntaram aos democratas na defesa do julgamento - número que indica que Trump terá o apoio necessário para ser absolvido ao final do processo.
O que acontece a seguir
Tal como no primeiro julgamento, em fevereiro do ano passado, as chances de Trump ser condenado são pequenas. Para isso acontecer, pelo menos 17 dos 50 senadores republicanos precisam condenar o ex-presidente. No entanto, não há, até agora, disposição política para condená-lo - um sinal da influência que o ex-presidente ainda mantém sobre a base eleitoral e sobre o seu partido. Mesmo que os seis senadores que votaram com os democratas hoje votem pelo impeachment, os democratas ainda precisariam que 11 republicanos "virassem a casaca" para garantir a condenação.
Começando nesta quarta-feira (10), os promotores do impeachment terão 16 horas em dois dias para apresentar os seus argumentos. Em seguida, os advogados de Trump também terão dois dias. Os senadores terão então quatro horas para submeter perguntas escritas para os dois lados, e o Senado votará sobre a possibilidade de intimar testemunhas.
Um segundo impeachment não impediria Trump de concorrer às eleições presidenciais de 2024 nos EUA. Mas, caso seja considerado culpado, o Senado pode fazer uma votação para barrá-lo de ocupar cargos federais no futuro - que exigiria uma maioria simples. Com o Senado dividido igualmente entre democratas e republicanos, e com a vice-presidente Kamala Harris tendo o voto de desempate, essa medida não teria dificuldades de ser aprovada.
"O Senado deve rejeitar sumariamente este ato político descarado", escreveram os advogados de Trump, Bruce Castor Jr., David Schoen e Michael van der Veen, chamando o único artigo de impeachment de "inconstitucional por uma série de razões, qualquer uma das quais sozinha seria motivo para anular o processo.
Juntos, eles demonstram de forma conclusiva que ceder à "fome" dos democratas da Câmara por este "teatro político" é um perigo para os EUA, para a democracia e para os "direitos que consideramos caros", afirmam os advogados do ex-presidente americano.
O julgamento deve acabar só no início da semana que vem, com debates de terça-feira a sexta-feira, interrompidos no sábado a pedido da defesa de Trump, e possivelmente retomados no domingo. A alegação dos deputados que aprovaram o impeachment na Câmara, antes de o presidente encerrar seu mandato, é que Trump cometeu traição "de proporções históricas" ao afirmar que as eleições foram fraudadas e que ele, e não Biden, havia vencido.
Os democratas afirmam que Trump incitou a multidão à ação, no dia 6 de janeiro, quando extremistas invadiram o Congresso e cinco pessoas foram mortas. Segundo os deputados democratas, responsáveis pela acusação na Câmara, a ação do ex-presidente começou antes do discurso que ele fez, no mesmo dia, no qual afirma que seus apoiadores deveriam agir.
De acordo com a acusação dos democratas, Trump "ampliou as mentiras a cada momento, tentando convencer os seus apoiadores de que eles foram vítimas de uma conspiração eleitoral massiva que ameaçava a continuidade da existência do país".
Desde a invasão, o entorno do Capitólio está bloqueado por seguranças e os corredores do Senado e da Câmara estão cheios de homens da Guarda Nacional. Tapumes protegem parte das janelas. Em algumas, é possível ver nos vidros quebrados as marcas da invasão.
Julgamento rápido
Nem democratas nem republicanos têm interesse em prolongar o julgamento. Para os republicanos, o caso expõe fraturas dentro do partido, já que muitos congressistas da legenda endossaram as acusações de fraude feitas por Trump. Além disso, o impeachment revive o ataque ao Capitólio promovido por extremistas e seguidores de teorias da conspiração que se identificam com o Partido Republicano, uma sombra para a ala moderada.
Já os democratas sabem que o impeachment dificilmente vai adiante e querem liberar a pauta para a agenda política de Biden que vem trabalhando pela aprovação de um pacote de US$ 1,9 trilhão em auxílio econômico para combater os efeitos da pandemia de Covid-19.
A Casa Branca tem tentado manter distância da turbulência política. Em coletiva ontem, a porta-voz da presidência, Jen Psaki, afirmou que Biden "não gastará muito tempo assistindo" a sessão de impeachment de Trump.
"Biden concorreu contra ele (Trump) porque achou que ele era impróprio para o cargo e o derrotou. E é por isso que Trump não é mais presidente. Portanto, acho que as opiniões dele sobre o ex-presidente são bastante claras. Mas ele deixará a cargo do Senado este processo de impeachment", afirmou a porta-voz.