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Tributação

O que é e como funcionaria o imposto mínimo global proposto por Biden

A sede do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, em Washington (Foto: Eric BARADAT / AFP)

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O governo do presidente norte-americano Joe Biden propôs recentemente um acordo internacional para a adoção de um imposto mínimo global para corporações, com o objetivo de evitar que empresas multinacionais transfiram seus lucros e empregos para países que oferecem baixos impostos.

A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, disse no começo do mês que está trabalhando com países do G20 em um acordo para a taxação mínima corporativa, que, para ela, ajudaria a encerrar "uma corrida para o fundo em taxas fiscais que já dura 30 anos".

O plano seria capaz de captar US$ 2 trilhões que, sem ele, "escorreriam para fora do país", disse Yellen em artigo para o Wall Street Journal.

A proposta para estabelecer uma taxa mínima global para negócios faz parte do plano de mudanças de tributação para empresas dos EUA, apresentado no início de abril e batizado de "Made in America". Organizações de países mais ricos, como o G20 e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), já lideravam iniciativas para a adoção de um imposto mínimo internacional.

O plano surge ao lado do ambicioso programa de infraestrutura de US$ 2 trilhões proposto pela Casa Branca, que seria financiado com o aumento da tributação de corporações nos EUA de 21% para 28%, que reverteria parcialmente os cortes de impostos promovidos pelo governo de Donald Trump (que baixou a tributação de corporações de 35% para os atuais 21%).

Biden falou sobre a proposta de imposto mínimo global de 21% para empresas. "Isso significa que as empresas não poderão esconder sua renda em lugares como as Ilhas Cayman e Bermudas, em paraísos fiscais", disse o democrata em discurso no dia 7 de abril. "Também vamos eliminar as deduções usadas por empresas para terceirizar trabalhos e transferir ativos para o exterior. Eles transferem os empregos para o exterior, transferem os ativos para o exterior e não precisam pagar impostos sobre tudo o que ganham lá".

Como funcionaria?

Os países que adotarem o sistema poderiam estabelecer as taxas fiscais corporativas que quiserem. Mas uma empresa nacional que tenha parte de suas operações em um país estrangeiro de baixos impostos teria que pagar ao seu governo local a diferença entre os impostos que pagou naquele país e a taxa mínima global.

"Embora os países tenham fortes incentivos para trabalhar juntos para combater a competição tributária, eles não impedirão a corrida para o fundo, a menos que um número suficiente de grandes economias adotem um imposto mínimo sobre os ganhos estrangeiros", afirma o plano apresentado pelo governo Biden.

Qual seria a taxa mínima?

A OCDE já disse anteriormente que os governos de maneira geral concordam com a ideia de uma tributação mínima global, mas que a questão de qual seria essa taxa ainda não é consenso.

O governo Biden pretende aumentar a tributação de corporações nos EUA para 28% e propôs que a taxa mínima global seja de 21%. Discussões anteriores na OCDE falaram de uma taxa mínima de 12,5%.

Qual é o objetivo?

A intenção do plano é encerrar o que a secretária do Tesouro, Janet Yellen, chamou de "corrida" para os países que oferecem as taxas mais baixas.

Nas últimas décadas, governos de vários lugares, como Irlanda, Suíça, Ilhas Cayman, Países Baixos e Hong Kong, implementaram políticas tributárias para atrair investimentos de multinacionais com impostos mais baixos. Muitas multinacionais então transferiram suas operações, incluindo o domínio de sua propriedade intelectual, para esses locais que taxam pouco – ou nada – sobre os seus lucros.

Gigantes como Google, Apple, Amazon, Facebook e Nike usam redes de empresas subsidiárias para transferir os lucros que obtêm em grandes mercados para essas jurisdições de baixos impostos.

Aproximadamente 60% dos lucros dessas empresas americanas que buscam paraísos fiscais são atualmente registrados nesses lugares, estimou Richard Murphy, co-fundador da Tax Justice Network, em artigo para o Financial Times. O economista relatou ainda que cerca de 20% dos encargos tributários nos EUA passaram de corporações para indivíduos desde 1945, uma tendência que ele descreveu como "insustentável".

O Tesouro americano perde cerca de US$ 49 bilhões por ano devido a abusos tributários de corporações multinacionais, segundo relatório da Tax Justice Network. Alemanha e França também estão entre os países que mais perdem em números absolutos.

Entretanto, um imposto mínimo global não é garantia do fim da competição entre os países para atrair capital internacional, alerta Daniel Bunn, vice-presidente na Tax Foundation em Washington. "As pessoas falam sobre acabar com a competição de impostos, mas seja a competição por impostos ou outra coisa, a competição entre países por recursos móveis de capital e força de trabalho continuará", disse Bunn ao Voice of America. "E se você tira a política fiscal da mesa, você pode acabar com um sistema de países simplesmente oferecendo subsídios diretos para investimentos de negócios".

Qual foi a reação nos Estados Unidos?

A proposta do governo Biden é uma grande mudança da postura que os Estados Unidos adotavam até então com relação à soberania da taxação de impostos dos países.

A iniciativa de Washington deve acelerar o debate na OCDE e um acordo multilateral pode ser fechado já em junho deste ano. Mas o acordo também precisaria ser aprovado pelo Congresso americano, onde os democratas têm maioria nas duas casas, para entrar em vigor nos EUA.

O diretor do comitê de finanças do Senado americano, o democrata Ron Wyden, disse ao Financial Times que a proposta de Biden deve servir de base para um acordo global. "Há muito tempo tenho dois objetivos para o processo da OCDE: acabar com os impostos discriminatórios sobre serviços digitais e promulgar um sistema tributário global que trate as empresas dos EUA de forma justa. A nova proposta do Tesouro tem o potencial de atingir esses dois objetivos", afirmou Wyden. A proposta poderia "garantir que nossas corporações multinacionais sejam incentivadas a investir nos Estados Unidos e pagar sua parte justa", disse ainda.

O diretor, também democrata, do Comitê de Formas e Meios da Câmara também apoia o plano de Biden.

Mas a oposição já deu sinais de que um acordo bipartidário sobre a questão não será fácil. Republicanos da Câmara expressaram dúvidas sobre a iniciativa da Casa Branca em uma carta enviada a Yellen em que pediam mais informações sobre o plano com a OCDE, noticiou o Financial Times.

"Estamos preocupados que as mudanças da OCDE possam reduzir diretamente as receitas fiscais dos EUA e também deixar a porta aberta para contínuos ataques de outros países a empresas dos EUA e à nossa base tributária interna", disseram os parlamentares, que também argumentam que uma taxa global mínima de 21% seria muita alta e colocaria trabalhadores e empresas americanas em desvantagem competitiva frente a outras nações.

Grupos que representam interesses de empresários dos EUA também demonstraram descontentamento com o plano, especialmente com a possibilidade de aumento de impostos internamente na administração Biden, segundo o Voice of America.

O presidente do Business Roundtable, Joshua Bolten, disse que os membros da organização apoiam a intenção do governo de garantir que o sistema tributário internacional crie um campo mais nivelado para empresas dos EUA que atuam globalmente, segundo a publicação. Mas, ele disse que devem exigir que os EUA façam um "acordo seguro" com outros países que participem do plano para garantir que eles imponham o imposto mínimo para suas próprias empresas, e ainda que os EUA devem ter uma tributação mínima alinhada ao imposto mínimo global.

Críticos do plano também argumentam que os EUA não podem confiar que países que têm históricos de governança não democrática (como a Rússia) e de violações de direitos humanos (como a China) seguirão as regras de maneira que os negócios e trabalhadores americanos sejam tratados de forma justa, como apontou Alex Hendrie, diretor no Americans for Tax Reform em artigo no The Hill.

Qual foi a reação internacional?

Se o governo americano tiver sucesso em sua proposta, vários países, incluindo europeus, poderão sofrer perdas bilionárias de renda, além da perda de empregos provocada pelo fechamento das sedes dessas empresas nesses países.

A Irlanda, por exemplo, tem tido muito sucesso nos últimos anos em atrair investimentos de empresas de tecnologia dos EUA, como Google, Facebook, Microsoft e AirBnB, com a proposta de que elas pagarão apenas 12,5% dos lucros que tiverem no país. Essa vantagem estará em risco se a proposta de Biden for aprovada.

Em entrevista à rede irlandesa RTÉ, o ministro das Finanças da Irlanda, Pascal Donahue, disse que não acreditava que os EUA estavam mirando especificamente o seu país. "Eu tenho dito há anos que esse momento chegaria. Agora ele está acontecendo, e terá consequências. Isso pode ter um efeito significativo sobre como conduzimos a tributação corporativa na Irlanda e sobre onde os impostos são coletados", disse.

A Alemanha e a França, que cobram taxas até de mais de 30%, há tempos reclamam que a Irlanda é injusta com o restante da União Europeia. Os dois países e outros europeus apoiam o plano de Washington, assim como a Comissão Europeia, que defendeu que a taxa mínima global deve ser decidida após discussões na OCDE.

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