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O Níger viveu mais um golpe de Estado na última quarta-feira (26), quando militares tomaram o palácio presidencial e derrubaram o presidente Mohamed Bazoum, eleito em 2021.
Pela televisão, os golpistas, em sua maioria militares do Exército nacional, anunciaram que tinham assumido o poder e fechado as fronteiras do país. A principal justificativa para o golpe foi que o governo de Bazoum era “corrupto” e “ineficiente na questão da segurança”.
Em meio a esse impasse, estão os cristãos do país africano, que mesmo antes do golpe militar aplicado na quarta-feira, já viviam sob intensa pressão e sofriam com a repressão e a perseguição religiosa, em grande parte perpetrada por islâmicos radicais.
O Níger ocupou a 28ª posição na Lista Mundial da Perseguição de 2023, que é feita pela ONG Portas Abertas com informações de parceiros locais e classifica os 50 países que mais perseguem cristãos no mundo.
A Portas Abertas explica que o Níger é uma nação de maioria muçulmana, portanto, o islã é considerado parte da identidade nacional. A conversão para qualquer outra religião é vista como uma traição, uma vez que aqueles que se convertem ao cristianismo enfrentam grande rejeição por parte de seus familiares, chegando até mesmo a serem expulsos de casa ou colocados em prisão domiciliar. Alguns deles ainda podem ficar sem os seus direitos à herança, uma punição por deixarem o islamismo.
Os cristãos nigerinos já enfrentavam também uma discriminação no mercado de trabalho: eles dificilmente conseguem empregos ou alguma promoção em serviços governamentais. Segundo a Portas Abertas, os cristãos do Níger são impedidos de realizar reuniões e o registro para o funcionamento e abertura de igrejas é extremamente longo e burocrático.
Um parceiro local da ONG relatou que, devido ao golpe, o país está vivendo sob grande “tensão” neste momento. Segundo ele, “existem sentimentos mistos” e “há algum tipo de mobilização nas redes sociais para que as pessoas protestem contra esse golpe, ou seja, para aqueles que querem que o presidente volte ao poder. No entanto, ainda existem outros que apoiam os militares”.
Segundo a Portas Abertas, não há certeza de como o golpe afetará as igrejas no Níger, mas houve ataques a cristãos em outros países da região que também enfrentaram regimes militares.
O parceiro da organização relatou que ainda não sabe “se esta junta militar será amigável com a Igreja, visto que há muitos muçulmanos dentro do Exército que são do Movimento Izala [grupo muçulmano sunita] e têm visões extremistas. Se eles estão nessa nova junta, então a perseguição à Igreja pode aumentar”, observou.
Ele seguiu afirmando que existe um grande medo por parte dos cristãos nigerinos por causa de eventuais protestos que podem acontecer no país, já que ninguém sabe o que pode acontecer durante essas mobilizações.
“Eles fizeram algo assim alguns anos atrás, acabaram queimando igrejas e propriedades cristãs, como lojas e casas”, disse.
Tendência de piora
Em entrevista à Gazeta do Povo, o parceiro local da Portas Abertas, que é um especialista em perseguição religiosa na região africana do Sahel, onde se encontra o Níger, e não pôde se identificar por questões de segurança, afirmou que, por sua experiência em outros países da região, é possível esperar “que o futuro da comunidade cristã no Níger, que já não era dos melhores, piore”.
Segundo ele, países como o Mali e Burkina Faso (vizinhos do Níger) são um exemplo para entender o que pode acontecer com o futuro da comunidade cristã nigerina. Ambos passaram por golpes de Estado semelhantes, que foram em sua maioria articulados por grupos extremistas islâmicos apoiados pelos exércitos locais.
Ele disse que logo após esses golpes, pôde observar que “vilas, igrejas, casas e comércios de cristãos foram atacados. Cristãos foram mortos e presos sem acusações formais e líderes cristãos foram obrigados a parar com seus ministérios e até mortos e sequestrados”. Além desses casos, o número de cristãos deslocados internamente na região aumentou muito, principalmente nos dois países que passaram por golpes militares.
A perseguição religiosa contra cristãos no Níger é constante. O parceiro relatou na entrevista que “há muitos anos, o país está entre os 50 que mais perseguem cristãos no mundo e a principal fonte de perseguição é o islamismo radical”.
Nos últimos cinco anos, ele disse que a região do Sahel viu um grande aumento no número de ataques de extremistas islâmicos e que o governo do Níger já havia perdido bastante território para tais grupos.
“A presença de grupos terroristas como Boko Haram, Estado Islâmico da Província da África Ocidental (ISWAP, sigla em inglês) e Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQIM, sigla em inglês) continua sendo uma ameaça constante tanto para as autoridades estatais quanto para os cristãos no país”, lembrou o parceiro.
Nas áreas de fronteira, que estão sob controle dos jihadistas, informações dão conta de que os terroristas usam da violência para impedir que cristãos se reúnam publicamente. Isso faz com que cultos sejam realizados e conduzidos de forma secreta.
A instabilidade política provocada pelo golpe pode gerar mais ataques de radicais islâmicos contra os cristãos nigerinos, explica o parceiro. Segundo ele, golpes militares sempre acabam fortalecendo grupos radicais.
“É o que acontece com a Nigéria, que cada vez que a política interna se desestabiliza, radicais de outras regiões, como o Estado Islâmico, invadem as regiões mais remotas [do país] e de maior concentração cristã, fazem aliança com jihadistas locais e aumentam os ataques aos cristãos”, o que acaba contribuindo também para aumentar “a expulsão de cristãos de suas casas” e o número de deslocamentos internos.
Atualmente, a tensão está elevada em todo o Níger. A fonte da Portas Abertas afirmou que “historicamente, o cristão sabe que quando essa tensão política cessar, ou estabilizar, a pressão contra eles vai aumentar”.
Com a intensificação dos ataques extremistas na região do Sahel, a primeira medida adotada pelos cristãos (e também não cristãos) é a fuga, à procura de regiões mais pacíficas do continente africano, disse o parceiro.
“O deslocamento interno é a principal medida de proteção utilizada na região”, garantiu. Ele afirmou que aqueles que escolhem permanecer no país onde estão sendo reprimidos acabam sendo “capturados ou mortos”.
Sobre a atuação da comunidade internacional na proteção dos direitos e liberdades dos cristãos no Níger, a fonte da Portas Abertas explicou à Gazeta do Povo que ela nunca existiu, já que historicamente o “continente africano nunca contou muito com a atuação da comunidade internacional, salvo exceções em que os ataques ou golpes ultrapassaram a margem das autoridades, indo para outras esferas da comunidade internacional, como a fome na Somália e os ataques do Boko Haram à escola do Chibok”, que ocorreu em 2014 na Nigéria e resultou no sequestro de mais de 200 meninas entre dez e 19 anos.
“Somente a fé pode guiar e ajudar os cristãos nigerinos neste momento, já que os dias que estão por vir são extremamente incertos”, projetou.