É uma distinção que nenhum país quer: o lugar com o maior número de pessoas vivendo em extrema pobreza. Durante décadas, a Índia permaneceu teimosamente no primeiro lugar, um reflexo de sua enorme população e sua duradoura luta contra a pobreza.
Agora, novas estimativas indicam que a Nigéria tirou a Índia dessa posição, parte de uma profunda mudança ocorrendo na geografia das pessoas mais pobres do mundo.
Segundo um relatório da Brookings Institution, a Nigéria superou a Índia em maio e se tornou o país com o maior número de pessoas vivendo em extrema pobreza, aquelas que viven com menos de US$ 1,90 por dia (R$ 7,29). Esse limiar abrange aqueles que lutam para obter até mesmo necessidades básicas, como comida, abrigo e roupas, e leva em consideração diferenças no poder de compra entre os países.
O relatório Brookings foi baseado em estimativas geradas pelo Relógio da Pobreza Mundial, um modelo criado para acompanhar o progresso na luta contra a pobreza em tempo real. Na segunda-feira, seus números mostraram que a Índia tinha 70,6 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza, enquanto a Nigéria tinha 87 milhões.
Situações opostas
Além do mais, a diferença está aumentando: o número de pessoas que vivem em extrema pobreza na Índia está caindo, enquanto a Nigéria vive a situação oposta. No país africano, a população está crescendo mais rapidamente do que a economia. A cada minuto, há seis novas pessoas vivendo em extrema pobreza, de acordo com os cálculos do Relógio Mundial da Pobreza. Enquanto isso, o número de pobres em situação extrema cai ao ritmo de 44 pessoas por minuto na Índia.
"É uma boa notícia para a Índia, com ressalvas, claro, mas é um alerta para o continente africano", disse Homi Kharas, diretora do programa global de economia e desenvolvimento da Brookings Institution.
A pobreza extrema é cada vez mais um fenômeno africano, assinalou o relatório Brookings. Os africanos compõem cerca de dois terços dos mais pobres do mundo, disse.
O lugar central da África na batalha contra a pobreza acontece em meio a um progresso espetacular em todo o mundo. Desde 1990, o número de pessoas que vivem em extrema pobreza caiu mais de 60%, segundo o Banco Mundial. Grande parte da redução aconteceu na Ásia, primeiro em lugares como a China, Indonésia e o Vietnã, e mais recentemente na Índia, que alcançou resultados surpreendentes nos últimos anos.
Em uma publicação na segunda-feira, os pesquisadores do Relógio da Pobreza Mundial sinalizaram para a perspectiva de que, em 2021, menos de 3% da população indiana viverá em situação de extrema pobreza, um marco que os economistas dedicados ao desenvolvimento qualificam como sendo um divisor de águas.
Tema com divergências
Mas, para muitos na Índia, esta conversa certamente provocará um debate agudo. Dezenas de milhões de pessoas são indigentes e milhares de agricultores se suicidam a cada ano. Quase 40% das crianças indianas com menos de cinco anos não tem a altura adequada para a sua idade, um sinal de desnutrição crônica.
"As alegações de que a Índia está prestes a vencer a batalha contra a extrema pobreza não combinam com as atuais preocupações sobre a criação de empregos ou o sofrimento rural", informou, na semana passada, um editorial publicado no Mint, um jornal financeiro da Índia.
Parte da desconexão entre os números pode ser o resultado de como a pobreza é definida. O indicador da pobreza extrema é uma medida absoluta usada para comparação internacional. No ano passado, no entanto, o Banco Mundial acrescentou outro marco de referência que visa capturar uma sensação de pobreza relativa. Para os países de "renda média baixa", como a Índia, o limite de pobreza é o de pessoas que vivem com US$ 3,20 por dia (12,2. Segundo essa medida, um terço dos indianos é pobre, estimou o economista Surjit Bhalla.
Uma situação mais clara poderá ser obtida nos próximos meses. Em junho, o governo indiano concluiu uma pesquisa nacional que é realizada uma vez a cada cinco anos e fornece os melhores dados disponíveis sobre a pobreza. No passado, os resultados foram divulgados um ano após a conclusão da pesquisa.
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Bhalla, um economista que também é assessor em tempo parcial para o governo indiano, acredita que os dados nacionais podem mostrar que o país fez ainda mais progressos na redução da pobreza do que apontam as estimativas realizadas pela Brookings e pelo Relógio Mundial da Pobreza.