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Violência

Indígenas opositores da Bolívia estão em risco

Casal de índios aimarás festeja em Penas, perto de La Paz: comunidade indígena na Bolívia está politicamente dividida | David Mercado/Reuters
Casal de índios aimarás festeja em Penas, perto de La Paz: comunidade indígena na Bolívia está politicamente dividida (Foto: David Mercado/Reuters)

Sanckajawira, Bolívia - Ao analisar as eleições gerais previstas para este ano, os opositores do presidente da Bolívia, Evo Morales, perceberam uma coisa: para vencer o primeiro líder indígena, é preciso disputar com outro indígena.

Os partidários de Morales chegaram à mesma conclusão. E não relutam em atacar um político indígena, ao sugerir que ele pode desafiar seu favorito nas eleições previstas para dezembro.

Quando o ex-vice-presidente Victor Hugo Cárdenas, um aimará nativo como Morales, deu a entender que concorreria, a resposta foi brutal. Uma turba de aimarás violentamente despejou a família de Cárdenas da casa deles, na costa do Lago Titicaca, agredindo sua mulher e seu filho de 24 anos com tapas e pauladas. Os dois ficaram hospitalizados por dois dias.

Então, na sexta-feira retrasada, a comunidade cerimonialmente baniu a família Cárdenas. Um homem e uma mulher vestidos com ponchos vermelhos açoitaram a efígie do político e depois, simbolicamente, queimaram a imagem.

"Nós não perdoamos aqueles que traem nosso irmão Morales", afirmou Alfredo Huaynapaco, que liderava a multidão de 400 pessoas. Repórteres encontraram a residência cheia de lixo, quase sem móvel algum. "Tomado pelo povo", escreveu um dos manifestantes em uma parede do sobrado.

Nem a polícia nem os promotores agiram contra os agressores. Enquanto Morales condenava a violência, também disse: "O povo boliviano não tem tolerância com traidores, nem os perdoa."

Cárdenas, que não estava com a família naquele momento, levou sua família ferida para um apartamento dele em La Paz. Ele disse que os filhos ainda acordam sobressaltados à noite, porém a torrente de telefonemas com insultos diminuiu.

O professor universitário e linguista de 58 anos tem uma longa carreira representando a longamente oprimida maioria indígena da Bolívia. Como Morales, Cárdenas cresceu na pobreza do altiplano. Fez sua fama como agitador social durante o regime militar, encerrado em 1982.

Ao chegar à Vice-Presidência, no governo do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, entre 1993 e 1997, Cárdenas trabalhou muito para melhorar o status dos nativos, através de alterações nas leis, particularmente em relação à educação bilíngue. Isso em uma sociedade na qual os indígenas conquistaram o direito de votar apenas em 1952 e ainda são discriminados.

"A luta política é parte de minha história pessoal", lembrou Cárdenas. "Eles me prenderam e torturaram durante as ditaduras, mas nunca ninguém tinha agredido minha mulher e minhas crianças. E se o (ex-ditador Hugo) Banzer não pôde me calar, Morales também não poderá."

Até a eleição de Morales, em 2005, nenhum outro indígena havia alcançado um posto tão alto no país. Porém muitos partidários do atual presidente se ressentem da associação entre Cárdenas e Sánchez de Lozada, um executivo da indústria mineradora que fugiu exilado para os Estados Unidos durante seu segundo mandato, após as tropas oficiais atirarem em manifestantes ligados a Morales em 2003, matando 63 pessoas.

Cárdenas acusa o Movimento ao Socialismo (MAS) de Morales de mudar o panorama da discriminação no país, explorando ressentimentos relativos a diferenças de idade.

"Os povos indígenas são usados como tropas de choque", afirmou o ex-vice-presidente em agosto. O indígena boliviano "tinha muito respeito no mundo, mas agora é visto como um símbolo de discriminação e vingança, de confrontação e racismo".

Cárdenas também fez campanha contra a principal peça da "agenda anticolonialista" de Morales, uma nova Constituição. Para ele, em vez de dar poder aos índios, a nova Carta concentraria poder em um regime não democrático de esquerda. Em janeiro, a nova Constituição foi apoiada por 61% dos eleitores.

Até o ataque à família de Cárdenas, ele não parecia ser um grande problema para Morales. Porém agora até os partidários do presidente acreditam que o ataque e a cerimônia para bani-lo se tornarão um marco na campanha deste ano. O parlamentar Jorge Silva, da situação, prevê que isso encoraje a oposição a "usar conhecidas figuras indígenas para dividir e enfraquecer Morales".

Cárdenas já colocou seu plano em ação. Declarou recentemente que está trabalhando para unificar os inimigos de Morales no altiplano, bem como nas terras baixas do leste, que desejam mais autonomia, onde os ricos proprietários de terra se ressentem das tentativas do presidente de tirar suas terras para redistribuí-las aos pobres.

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