A obstinada luta para impedir a construção de uma estrada em seu território, que obrigou o presidente Evo Morales a aceitar uma plataforma de pedidos, transformou os indígenas amazônicos em um modelo a ser seguido nas futuras lutas sociais na Bolívia, afirmaram analistas.
A caminhada indígena de 65 dias ao longo de 600 km estava tão fortalecida ao chegar a La Paz que o presidente Morales cancelou sem reservas o projeto de estrada, financiado pelo Brasil, que tanto tinha defendido e que foi impedido de ser realizado pelos nativos, em defesa da reserva ecológica do Tipnis.
O protesto dos indígenas "demonstra que não é necessário se vender para construir uma sociedade melhor", disse o economista Alberto Bonadona, professor da Universidade Católica.
Paradoxalmente, a defesa dos direitos indígenas começou com a ação do próprio Morales, que em sua época de sindicalista e opositor liderou muitos dos grandes protestos do país.
Esta é a opinião do constitucionalista Williams Bascopé, que considera que a conquista do movimento indígena é resultado do próprio "processo de mudança", encarnado por Morales, o primeiro indígena a chegar ao poder em 180 anos de independência boliviana.
"O processo de mudança é de povos valentes e capazes de agir, seja uma marcha indígena, um levante popular operário ou camponês", completou.
No entanto, para o cientista político Jorge Lazarte, ex-parlamentar de oposição, "o retrocesso (no tema da estrada) deixa um mal-estar no governo, porque não está acostumado a ceder, quando democracia é ceder mutuamente para encontrar lugares comuns".
A luta pelo Tipnis ensinou que "chegou a hora de retificar os equívocos, abrindo os ouvidos e dando atenção para opiniões diferentes" nos próximos três anos de governo que restam a Morales, segundo o cientista político social-democrata Julio Aliaga.
Com o exemplo dos indígenas amazônicos, "a oposição tem que aprender que a união faz a força, porque, caso contrário, voltará a desunião, o o MAS (partido de Morales) voltará a se aproveitar da dispersão e do desacordo", disse Aliaga.
O movimento amazônico - que representou um reencontro entre a população urbana e indígena - "ocorre em um contexto de reajuste de projetos políticos e pesos específicos quanto à territorialidade do poder", explicou por sua vez o cientista político independente Pablo Rivero.
Consciente da vitória da marcha, à qual apoiou desde o princípio, o líder aimará Rafael Quispe, exigiu nesta terça-feira de Morales "a renúncia de ao menos cinco de seus ministros", encarregados de liderar as negociações com os indígenas e que fracassaram oito vezes em suas tentativas.
Segundo este líder, dissidente do movimento camponês aiamará de Morales, a lei de proteção do Tipnis "não foi aprovada de coração, não aprovaram com convicção, mas com ressentimento e ódio dos parlamentares" governistas.
Portanto, "este governo foi derrotado", disse na primeira análise política diante dos manifestantes.
No entanto, longe do debate de analistas, o principal líder dos indígenas amazônicos, Fernando Vargas, pediu que Morales "respeite a Constituição, cumpra e faça cumprir". "Em um governo indígena, queremos que os direitos indígenas sejam respeitados, nada mais", completou.
Outro líder da marcha, Adolfo Chávez, também à margem de análises políticas, afirmou que "só queremos continuar vivendo em paz".
"Que continuemos construindo este Estado Plurinacional que é de todos os bolivianos", disse, enquanto reconheceu que "outros se aproveitaram da marcha", em alusão aos partidos políticos, muitos de direita, que se uniram ao protesto.
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