A poucas horas de muitos peruanos se reunirem para celebrar a noite de Natal, às 18h (21h de Brasília), uma notícia surpreendeu o país. O presidente Pedro Pablo Kuczynski, 79, deu o indulto ao ex-mandatário Alberto Fujimori, 79, condenado em 2009 a 25 anos de prisão por cometer crimes de direitos humanos e por corrupção em sua gestão (1990-2000).
A notícia tomou muitos de surpresa. Afinal, tanto Kuczynski como seus ministros e deputados haviam afirmado, nos últimos dias, que não haveria um indulto a Fujimori como moeda de troca pelo voto de Kenji Fujimori.
O filho do ex-presidente arregimentou outros nove deputados fujimoristas para desobedecerem a orientação geral do partido Força Popular, comandado por sua irmã e ex-candidata a presidente, Keiko, e se absterem de votar na quinta (21) pelo afastamento do presidente. Assim como havia feito com cinco ministros e um primeiro-ministro, o Força Popular, então com maioria no Congresso, pretendia retirar PPK de sua função alegando "incapacidade moral" depois de terem surgido denúncias de que o mandatário se beneficiara, por meio de uma de suas empresas,a Westfield, de subornos da construtora brasileira Odebrecht. Apesar da vitória política, o presidente segue sendo investigado.
A ideia dos fujimoristas era que Kuczynski saísse e seus dois vices fossem pressionados a renunciar, deixando o poder com o presidente do Congresso, o fujimorista Luis Galarreta, que teria dez meses para chamar novas eleições.
Fratricídio
O tiro saiu pela culatra. Afastado da irmã desde 2016, Kenji Fujimori vinha havia alguns meses negociando com Kuczynski o indulto ao pai.
O presidente já cogitara trocar a pena por prisão domiciliar, mas sempre encontrava resistência em seu próprio gabinete e em sua pequena base de apoio. O empresário, afinal, ganhou as eleições do ano passado por uma diferença de menos de 50 mil votos graças ao apoio da esquerda e da centro-esquerda, que haviam acreditado em sua promessa de jamais conceder o indulto a Fujimori.
As pressões e os obstáculos que a bancada fujimorista vinham lhe impondo nesses últimos 17 meses, porém, estavam paralisando sua gestão, até chegar ao extremo de ter ficado por um fio na votação pela moção de vacância.
Kuczynski foi salvo pela divisão da esquerda (dos 20 congressistas da Frente Ampla e do Novo Peru, 10 votaram pelo afastamento e outros 10 se abstiveram), mas principalmente pela ação de Kenji, que retirou votos fujimoristas essenciais para que a vacância passasse com votos de dois terços da única câmara.
O presidente, então, ficou em dívida com o irmão mais novo de Keiko.
Ela foi paga na véspera de Natal.
Fujimori, que havia sido transferido na noite de sábado (23) da penitenciária de Barbadillo, onde estava, para uma clínica, por causa de um quadro de hipertensão e arritmia, agora não terá mais de voltar para trás das grades.
As razões médicas para a liberação de Fujimori também são motivo de controvérsia. Segundo avaliações feitas durante a gestão de Ollanta Humala (2011-16) e do próprio Kuczynski, Fujimori teria sido tratado de um câncer de língua, do qual já estaria curado. Depois disso, porém, passou a sofrer de uma doença cardíaca.
Segundo a lei peruana, as juntas médicas destacadas pelo Ministério da Justiça para fazer esse tipo de avaliação devem ser independentes. Porém, a que fez a mais recente, dia 17, e que conclui com a sugestão de um "indulto humanitário", tinha entre seus integrantes um médico que operou Fujimori.
Condenação
Os crimes pelos quais Fujimori havia sido condenado eram, entre outros, os massacres de civis por esquadrões da morte comandados por ele e seu homem forte no governo, Vladimiro Montesinos, este também preso.
Os mais famosos foram os de La Cantuta, onde foram assassinados um professor e nove estudantes, e o de Barrios Altos, onde foram mortas 15 pessoas. Inicialmente, Fujimori havia alegado que os mortos tinham relação com o Sendero Luminoso. Mas a Justiça concluiu que essa versão não se sustentava.
Fujimori também estava preso pelo sequestro e privação de liberdade do jornalista Gustavo Gorriti, além de comandar um esquema de corrupção de congressistas junto com Montesinos.
Crimes não julgados
O indulto concedido por Kuczynski perdoa Fujimori também dos crimes pelos quais ainda estava sendo julgado. Entre eles, o massacre de Pativilca, em que foram assassinadas seis pessoas, supostamente executado por um esquadrão sob seu comando, e os casos de mais de 200 mil mulheres esterilizadas sem consentimento em um programa de "planejamento familiar".
Quanto a esse último, a Procuradoria já tinha provas de que o Ministério da Saúde, na gestão Fujimori, tinha que cumprir metas de mulheres esterilizadas por mês.
O presidente, na época, defendia seu programa de "planejamento familiar" como forma de reduzir o índice de pobreza no país.
O indulto de Kuczynski deixa ambos os casos inconclusos.
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