Na última década, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, investiu 20 trilhões de rublos (US$ 300 bilhões ou R$ 1,12 trilhão) em armas, munindo o exército russo de ogivas hipersônicas e drones submarinos. Mas a farra de gastos também deixou a indústria de Defesa do país com uma enorme ressaca de dívidas que agora, segundo autoridades russas, está sufocando o setor estratégico.
A indústria "está apenas sobrevivendo" e não tem dinheiro suficiente para investir em novas tecnologias vitais, disse o vice-primeiro-ministro Yuri Borisov em uma conferência do setor no início deste mês. Segundo ele, há uma carteira de empréstimos de mais de 2 trilhões de rublos, que, por ano, custa o mesmo do que o lucro de todo o setor.
Grande parte da inadimplência vem de anos e nunca será reembolsada. Segundo autoridades e analistas do setor, é resultado de erros administrativos e ineficiência das principais empresas estatais que produzem armas da Rússia. Depois que o Kremlin reduziu os gastos em 2017-18 – pressionados pela queda dos preços do petróleo, o principal produto de exportação da Rússia, e outros fatores –, os problemas do setor tornaram-se mais graves.
"Essa bomba-relógio está ligada", disse Konstantin Makienko, vice-chefe do Centro de Análise de Estratégias e Tecnologias, consultor da indústria de Defesa em Moscou.
Empréstimos
No centro do problema está a forma como a Rússia financia seu grande orçamento para armas. O governo não libera fundos para novos sistemas até que eles estejam concluídos, forçando os fabricantes a pegar empréstimos de bancos comerciais - geralmente sob garantia do governo - para cobrir os custos de produção. As taxas desses empréstimos, porém, são em média de 10% ao ano, segundo dados do governo, deixando as empresas com enormes custos da dívida.
"Será mais difícil cumprir esses empréstimos, já que os gastos do governo em novas compras estão diminuindo um pouco", disse Anton Danilov-Danilyan, analista-chefe da Oboronprom, uma das maiores empresas de defesa do Estado.
Ele culpa os erros de gestão pela bagunça. "Alguns superestimaram a si mesmos, outros definiram preços de contrato muito baixos ou as taxas de retorno se mostraram negativas", disse ele. "Alguns calculam mal o custo de levar os sistemas à produção industrial".
Além dos problemas recentes, há atrasos nos pagamentos de pedidos de exportação, causados por temores de sanções dos EUA contra compradores de armas russas.
Até agora, o governo planeja amortizar cerca de 200 bilhões de rublos dos empréstimos que têm as maiores chances de não serem pagos. A dívida será transferidos para um banco estatal especial, designado para administrar a extensa indústria militar. Autoridades do Ministério das Finanças rejeitaram na semana passada os pedidos de Borisov para amortizar de 600 bilhões a 700 bilhões de rublos - segundo ele o necessário para permitir que a indústria funcione normalmente. Os maiores financiadores do setor são os gigantes estatais Sberbank e VTB Bank, segundo analistas.
Em 2016, o governo gastou cerca de 800 bilhões de rublos para acertar parte das dívidas do setor, levando a um aumento nos gastos com defesa naquele ano. Desta vez, o Ministério das Finanças está adotando uma posição mais dura. "Os empréstimos foram fornecidos por bancos comerciais sem a participação do governo, então a questão de amortizá-los não está na agenda", disse o ministro das Finanças, Anton Siluanov.