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Economia

Inflação de alimentos dispara na Argentina após meses de controle de preços

Uma mulher ao lado de imagens do presidente da Argentina Alberto Fernandez (L), da vice-presidente Cristina Fernandez de Kirchner (C) e do governo de Buenos Aires Axel Kicillof, fora do Congresso Nacional, enquanto o presidente faz seu discurso anual sobre o Estado da Nação marcar a abertura da sessão de 2021 do Congresso, em Buenos Aires, em 1.º de março de 2021. Imagem ilustrativa. (Foto: Ronaldo SCHEMIDT / AFP)

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A inflação de alimentos na Argentina está maior do que a inflação geral nos primeiros meses de 2021 e a tendência deve continuar, apesar das tentativas de controle de preços por parte do governo do presidente Alberto Fernández.

Em janeiro, a inflação da cesta básica de alimentos foi de 4,6%, enquanto que o IPC (Índice de Preço ao Consumidor) foi de 4%. O resultado de fevereiro ainda não foi publicado, mas analistas preveem que os preços dos alimentos continuem forçando a inflação para cima, principalmente porque há uma inflação represada pelo programa de controle de preços de insumos alimentares básicos, instituído na Argentina no começo da pandemia.

“A inflação na faixa de 50% não é uma previsão. É uma realidade. A taxa anualizada dos últimos 5 meses dá 55%. De 8 a 10 meses atrás, funcionava a uma taxa de 27% ao ano”, disse o  ex-ministro de Fazenda da Argentina Hernán Lacunza, em entrevista ao jornal Ámbito.

Preços máximos

Em março de 2020, no começo da pandemia, Fernández aproveitou o já existente programa “Precios Cuidados”, que em resumo é uma lista de produtos de consumo massivo cujos preços são estabelecidos em negociação entre o governo e empresas, para instituir o plano “Precios Máximos”, que congelou preços de vários produtos industrializados nos setores de alimentação e higiene, considerados pelo governo de primeira necessidade.

O “Precios Cuidados” surgiu durante a presidência de Cristina Kirchner, como uma maneira de garantir preços acessíveis e disponibilidade de produtos de primeira necessidade após negociações com fabricantes. Contudo, Federico de Cristo, professor da faculdade de Ciências Empresariais da Universidade Austral (Pilar-Argentina), explicou à Gazeta do Povo que, ao longo do governo da peronista, o programa foi se desvirtuando, sendo utilizado como um instrumento para manipular estatísticas de inflação, já que o Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censo) usa os preços mais baixos de um determinado produto para medir a inflação. “Houve pressões, por vias regulatórias, para que as empresas participassem e negociassem com o governo”, com o objetivo de manter a inflação artificialmente baixa.

Com a chegada do governo de Maurício Macri, essa pressão parou, houve uma reforma no Indec, que deixou as estatísticas do país mais confiáveis aos olhos do mundo, mas o “Precios Cuidados” continuou existindo – embora abrangendo bem menos produtos.

Vale salientar que a adesão ao “Precios Cuidados” é voluntária. Geralmente os produtos incluídos são básicos, as linhas mais baratas de um determinado item, para as quais as empresas têm uma margem de lucro muito pequena, mas que, em momentos de crises tendem a vender mais – podendo assim, sustentar a produção.

Contudo, diante da pandemia, o governo Fernández instituiu em março o “Precios Máximos”, não voluntário, congelando preços de itens básicos de alimentação e higiene a valores do começo daquele mês e exigindo que os fabricantes não deixassem faltar esses produtos nos supermercados do país. Os preços ficaram congelados durante meses. Um primeiro aumento foi autorizado em julho e outro em outubro, mas muito abaixo do aumento do dólar e das commodities.

O resultado? Muitas empresas se viram em dificuldades financeiras, pois estavam tendo prejuízos ao produzir os itens incluídos na lista de “Precios Máximos”. Além disso, a produção também foi afetada pela ausência de trabalhadores que estavam doentes por causa da Covid-19. Algumas empresas passaram, então, a não entregar toda a produção que haviam prometido ao governo e alguns produtos incluídos no programa começaram a faltar nas gôndolas dos supermercados – principalmente azeite e farinha. Isso foi motivo para que o governo federal, no mês passado, intimasse empresas para que cumpram com a produção, ameaçando até mesmo multá-las.

“As empresas tratam de vender menos de seus produtos que estão incluídos no ‘Precios Máximos’ para poder vender mais dos produtos que não estão no programa e dessa forma ganhar mais dinheiro para recompor suas margens”, disse.

Já em 2021, o governo argentino anunciou que estenderia o “Precios Máximos” até o fim de março. Mas por pressão dos empresários, vários produtos já começaram a sair da lista do programa, o que explica a alta inflação de alimentos no país no começo deste ano.

O governo argentino vive um dilema, pois, se acabar de vez com o programa ao fim do mês, a inflação represada dispararia. Mantê-lo, por sua vez, seria inviável pois pressionaria os custos de produção para as empresas, que parariam a fabricação dos itens incluídos no programa, já que o governo, apesar da pressão, não tem como obrigar que as empresas vendam produtos abaixo do custo de produção.

“A liberação dos preços ao consumidor terá um impacto direto no aumento da inflação, mas não liberá-los não é sustentável. As empresas de consumo massivo não podem continuar no programa se os reajustes autorizados não acompanharem o movimento da estrutura de custos... Mesmo tendo funcionado, o programa contém muito marginalmente a inflação de hoje à custa de aumentar a inflação futura”, informou a consultoria Ecolatina ao site Infobae.

Governo sem muitas opções

O governo de Fernández sabe que o “Precios Máximos” é apenas uma ferramenta temporária e não uma solução para o problema da inflação. Contudo as alternativas são escassas, segundo Federico de Cristo. “Técnica e politicamente [o ‘Precios Máximos’] é o que o governo tem a mão para amenizar a inflação por enquanto. O governo não tem margem política para encarar uma solução definitiva para este problema. Não pode congelar a taxa de câmbio pois não tem reservas suficientes. Não pode, politicamente e socialmente, reduzir o déficit fiscal neste momento de pandemia e de alto índice de pobreza, que está em 50%”, disse.

O problema da inflação na Argentina não é novidade. No último ano do governo Macri chegou a 50%. O controle de preços e a redução da atividade econômica em ano de pandemia fez com que 2020 terminasse com uma inflação menor, por volta dos 35%, a segunda mais alta da região, atrás apenas da Venezuela. E agora, o governo de Fernández não tem capital político para empreender um plano econômico que colocaria o país nos trilhos pelos motivos citados pelo professor Federico de Cristo. Além disso, há interesses diversos dentro da coalizão governista que não permitem ordenar a economia de forma acelerada.

De Cristo faz uma ressalva, porém: “É preciso reconhecer que, até agora, o governo Fernández evitou um surto econômico e social, conseguiu administrar a situação para evitar uma crise de grande magnitude”. Como medidas positivas, ele cita a reestruturação da dívida pública da Argentina e um esforço por parte do ministro da Economia, Martín Guzmán, para reduzir o déficit fiscal depois de um forte aumento de gastos públicos durante a pandemia. Vale lembrar que no ano passado a Argentina registrou o maior déficit fiscal em 45 anos, 8,5% do PIB, o que acelerou a desvalorização do peso argentino.

“Lamentavelmente não é uma conjuntura favorável e não é um governo capaz de fazer frente aos desafios tão complexos que se apresentam”, concluiu.

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