Os governantes da Arábia Saudita tremeram quando a Primavera Árabe eclodiu, há quatro anos. Mas, longe de prejudicar a dinastia local, o caos subsequente parece ter alçado a monarquia a um poderio inigualável.
No momento em que um novo rei assume o trono, o autoritarismo voltado para a estabilidade, adotado pelos sauditas, volta a ganhar força em países como Tunísia, Egito e Bahrein. Os militantes islâmicos que os sauditas outrora temeram estão em fuga.
O problema, dizem os analistas, é que a ascensão saudita é em grande parte um subproduto da debilidade dos Estados ao seu redor, incluindo Iraque, Egito, Síria, Iêmen, Líbia, Bahrein e Tunísia.
Os sauditas estão sustentando o Bahrein e lutando em prol do governo de Bagdá. Bilhões de dólares do reino ajudam governos amigos no Egito e na Jordânia.
Milícias financiadas por Riad lutam na Líbia, e os veículos de comunicação de propriedade saudita oferecem um apoio crucial às facções favorecidas pelo reino na Tunísia e em outros lugares.
A monarquia soma algumas vitórias, como o governo instalado pelos militares no Cairo e o governo eleito na Tunísia. Mas os esforços não resultaram em qualquer sinal de estabilização na Síria, Iraque e Líbia. A transição para o Iêmen, apoiada pelos sauditas, desmoronou, deixando rebeldes pró-Irã no comando da capital.
Por se tratar de uma monarquia absolutista, o fato de a Arábia Saudita liderar o esforço de reformulação regional é um resultado inesperado da Primavera Árabe.
"É irônico ou anacrônico se visto de fora", especialmente para quem "acredita que a região precisa urgentemente de democracia", disse Gamal Abdel Gawad, pesquisador do Centro Al-Ahram de Estudos Estratégicos e Internacionais, instituição do Cairo financiada pelo governo egípcio.
"Os últimos quatro anos depuseram contra isso e se a região precisa sobretudo de estabilidade, gestão eficaz e recursos e tudo isso a Arábia Saudita tem, então faz sentido que ela desempenhe um papel de liderança".
O rei Abdullah morreu em 23 de janeiro sentindo-se reconhecido, segundo analistas e diplomatas. Robert Jordan, ex-embaixador dos EUA na Arábia Saudita, disse que, numa visita à corte real anos atrás, agradeceu o monarca "por não ter dito: 'Eu bem que avisei'".
O rei apenas deu uma risadinha. "Porque a verdade é que ele disse 'eu bem que avisei' muitas vezes".
Entre as queixas do rei, segundo Jordan, estiveram a urgência do governo George W. Bush em promover a democracia, o vácuo deixado pela retirada americana do Iraque, a adesão de Obama às revoltas da Primavera Árabe e, em especial, o descumprimento das ameaças de intevenção militar contra o regime sírio.
Como na Síria, a monarquia saudita agora liderada pelo rei Salman manteve sob controle as tensões sectárias entre a minoria xiita e seus soberanos sunitas.
O Egito, o país árabe mais populoso, foi considerado por muito tempo como o líder dessa região. Mas, quando a revolução que derrubou o ditador Hosni Mubarak, em 2011, mergulhou o Egito na turbulência, a Arábia Saudita "assumiu as suas responsabilidades", segundo Abdel Gawad. Os governantes sauditas discretamente lastimaram a subsequente eleição da Irmandade Muçulmana. Quando Abdel Fattah al-Sisi, então general e ex-adido militar na Arábia Saudita, liderou um golpe militar em 2013, o reino se tornou seu principal patrocinador, fornecendo mais de US$ 12 bilhões (R$ 30,84 bilhões).
Atualmente, a Arábia Saudita, junto com os Emirados Árabes Unidos, está empenhada em sustentar o governo de Sisi com bilhões de dólares em ajuda.
"Eles estão prontos para respaldar a economia egípcia por muito tempo, porque o custo estratégico do fracasso representaria um ônus ainda maior em caso de colapso egípcio", disse Mustafa Alani, analista do Centro de Pesquisas do Golfo.
Além do papel da Arábia Saudita no Bahrein e no Iraque, o reino acolhe os esforços americanos de treinar rebeldes sírios.
O canal Al Arabiya e outros meios de comunicação regionais cobrem de forma simpática as facções contrárias à Irmandade Muçulmana nos países da região.
E Riad fornece apoio indireto aos combatentes da facção antijihadista que luta pelo poder na Líbia, por intermédio do Egito e dos Emirados Árabes Unidos.
Na Tunísia, como observou Alani, os sauditas contribuíram financeiramente para a estabilização do governo e declararam publicamente seu "apoio moral" aos líderes que derrotaram o partido islâmico nas eleições.
A Arábia Saudita virou líder porque "foi capaz de suportar a tempestade", disse o analista. "Então, agora eles sentem que 'sim, sobrevivemos, ótimo, mas precisamos estabilizar o entorno se quisermos sobreviver'."
Toby Jones, historiador da Universidade Rutgers, disse que é cedo demais para avaliações.
"Eles estão apoiando os mesmos personagens que os deixaram numa posição vulnerável", disse, referindo-se à Primavera Árabe, que sacudiu a região, em 2011. "Isso só faz o relógio voltar."
Vai piorar antes de melhorar: reforma complica sistema de impostos nos primeiros anos
Nova York e outros estados virando território canadense? Propostas de secessão expõem divisão nos EUA
Ação sobre documentos falsos dados a indígenas é engavetada e suspeitos invadem terras
“Estarrecedor”, afirma ONG anticorrupção sobre Gilmar Mendes em entrega de rodovia