O material de inteligência encontrado na operação que matou o líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, contém o que pode ser chamado de "testamento" do extremista, não só com ordens para sua sucessão na rede, mas também determinações para entidades irmãs e cronogramas para células terroristas adormecidas na Europa começarem a agir.
O ex-desembargador e presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, Walter Maierovitch, diz que, após a notícia da apreensão do material na casa onde estava Bin Laden, "muita gente já se mexeu" referindo-se a lideranças extremistas que podem ter mudado de endereço, temendo prisões , o que deve resultar em uma desarticulação no grupo, sobretudo em um primeiro momento. Além disso, as informações podem apontar financiadores e também laranjas que emprestam seus nomes para transações ilegais.
A primeira destas informações encontradas na casa já foi divulgada pela espionagem americana: na quinta-feira, foi revelado que a Al-Qaeda estudava um grande atentado contra a rede ferroviária dos EUA em 11 de setembro deste ano, para marcar os dez anos dos atentados a Nova York e Washington.
Maierovitch destaca o perfil descentralizado da Al-Qaeda atualmente. "Eles não precisam mais de ações espetaculares. Podem realizar ataques contra civis inocentes, em aeroportos, por exemplo", aponta. O jurista conta que, em conversas com membros do Serviço Europeu de Polícia (Europol), soube que a Al- Qaeda coloca em operação 900 novos sites por ano, a fim de disseminar informações sobre o terrorismo. "É uma mensagem de faça o terror você mesmo", diz.
Mesmo com essa descentralização, as informações obtidas pelas agências de espionagem dos EUA poderão gerar um ataque mais concentrado à Al- Qaeda, afirma Heni Ozi Cukier, professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) na capital paulista. "Bin Laden e o grupo que estava na casa não tinham conexão à internet e nem telefone. Mas o comando norte-americano que invadiu a casa apreendeu dados que estavam sob o poder dos extremistas", afirma.
Franquias e subsidiárias
Cukier diz que a Al-Qaeda conseguiu se expandir através das suas "franquias" e subsidiárias, não só no Norte da África, no Iêmen, na África Subsaariana e na Ásia Central, como também no Ocidente. "O terror e a narrativa de destruição da Al-Qaeda não seduziram o mundo árabe. O fato é que em 10 anos, de 2001 a 2011, os árabes estão mais preocupados em construir ou reconstruir os seus países", afirma. O terror, em consequência, pode crescer em áreas periféricas ao mundo árabe e à Europa, como o Cáucaso, e na própria Europa, entre desempregados deslocados, às vezes muçulmanos, em uma sociedade pós-capitalista em crise.
Cukier não acredita que surja outro líder da Jihad tão carismático como Bin Laden.
"O Bin Laden era um ícone, que também representou uma época. Dificilmente surgirá outra figura tão popular quanto ele", diz. "Com sua morte, a capacidade de financiamento da Al- Qaeda será afetada, embora não a parte operacional, que já não estava sob o comando dele há alguns anos."