Apoiadores do ex-presidente Mohamed Mursi em protesto realizado na última sexta-feira, quando o clima no Cairo era de mais tranquilidade| Foto: Muhammad Hamed/Reuters

140 brasileiros vivem no Egito, segundo a Embaixada do Brasil no país. Desde a semana passada eles têm sido orientados a evitar transitar em áreas onde há possibilidade de protestos.

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Instabilidade

Entenda o porquê dos conflitos no Egito:

A renúncia

No início de 2011, milhares de egípcios foram às ruas pedir a saída de Hosni Mubarak, que governava o país há 30 anos. No dia 11 de fevereiro Mubarak renunciou e uma junta militar passou a governar o país.

A vitória

O muçulmano Mohamed Mursi venceu as eleições de junho de 2012, tornando-se o primeiro presidente eleito da história do Egito. Porém, se desentendeu com setores da sociedade e foi contestado pela população.

O golpeEm 30 de junho de 2013, protestos reuniram milhares de pessoas que pediam a saída de Mursi. Três dias depois as Forças Armadas tomaram o poder, suspendendo a Constituição e instalando um governo interino.

Os conflitos

Manifestantes pró-Mursi saíram às ruas para pedir a volta do ex-presidente e foram reprimidos violentamente pelas forças de segurança. Em dois dias, mais de 800 pessoas foram mortas.

O impasse

O governo interino pretende se manter até que um novo presidente seja eleito. Um plano de transição foi rejeitado pela Irmandade Muçulmana, ligada a Mursi, mantendo o impasse político.

Luiz e a mulher, Betina, em foto tirada diante da Esfinge de Gizé

Ao longo do último ano, desde que passou a viver no Cairo, o professor de biologia Luiz Guilherme Mello se acostumou com a movimentação das sextas-feiras, dia tradicionalmente reservado a manifestações e aglomerações em praças da cidade. Mas nada se comparava ao que aconteceu nos dias 15 e 16 deste mês, quando confrontos entre forças de segurança e manifestantes deixaram mais de 800 mortos. Ainda que os últimos dias tenham sido mais tranquilos e, por consequência, de mais otimismo, o curitibano partilha o sentimento vivido pela maioria dos estrangeiros que habitam o Egito: a insegurança e o temor de que, de um dia para outro, possam ser obrigados a deixar o que têm e partir.

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O paranaense Luiz é um dos cerca de 140 brasileiros que residem no Egito, segundo a Embaixada do Brasil no país. Após passar quatro anos na Sérvia, ele está iniciando seu segundo ano no Egito, onde vive com a mulher Betina e leciona no Colégio Americano do Cairo, instituição que reúne alunos de diversas nacionalidades.

Como reside em um bairro afastado das regiões de conflito, a segurança não é a maior das preocupações. "A incerteza é o principal gerador de ansiedade, em especial para professores que já foram removidos em 2011 e a possibilidade, mesmo que remota, de serem removidos novamente", revelou em entrevista concedida por e-mail.

Luiz conta que, desde que chegou ao país no ano passado, tem tomado alguns cuidados por causa da instabilidade política, como evitar algumas áreas da cidade em dias de protesto. Nas últimas semanas, a situação se agravou, com o comércio fechando suas portas no meio da tarde, serviços de entrega comprometidos e ruas desertas antes do toque de recolher das 19 horas. Na escola onde trabalha, o início das aulas foi adiado em uma semana. "Não existe receio em questão de segurança. A decisão foi tomada porque metade dos alunos que ainda estão no Cairo moram em bairros mais distantes, tendo que atravessar áreas mais instáveis", explica.

Turismo

Com a instabilidade política, uma das principais atividades econômicas do país, o turismo, tem se enfraquecido e tirado o emprego de muitos egípcios. "Em outubro, quando fizemos uma viagem a Luxor [cidade que conta com templos e monumentos], parecia que o turismo estava dando uma guinada para melhor. A situação agora é totalmente oposta, com todos os monumentos fechados ao público e um deles inclusive saqueado durante os protestos", lamenta.

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Na última quarta-feira, Luiz relatou que a situação era de tranquilidade, o que não afasta a preocupação com o futuro próximo. "Por enquanto, estamos comprometidos em cumprir o restante do contrato [de trabalho], mas com uma mala de mão no armário já feita caso a coisa mude de uma hora para outra."

"Revolução voltou à estaca zero"

Reuters

O movimento 6 de Abril, de Ahmed Maher, ajudou a liderar o levante que derrubou Hosni Mubarak em 2011. Com Mubarak agora livre da cadeia, o ativista considera que a revolução voltou à estaca zero, e pode precisar de uma nova geração para voltar a prevalecer.

Depois da semana mais violenta na história moderna do Egito, Maher teme as consequências do ódio que dividiu o país em dois campos rivais: o Estado liderado pelas Forças Armadas e seus simpatizantes e os islamistas que os militares retiraram do poder em 3 de julho.

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Maher, de 32 anos, diz que agora pode levar outra geração até que os objetivos da revolução – liberdade, justiça social e dignidade – sejam garantidos.

O próprio trabalho de protestar está se tornando uma vítima da violência: o 6 de Abril cancelou um comício na última sexta-feira contra a libertação de Mubarak, temendo que pudesse provocar violência.

"Nós nos vemos de volta à estaca zero, porque o que está acontecendo agora pode ser mais perigoso, mais complicado do que havia antes de 25 de janeiro de 2011", afirmou.

A libertação de Mubarak na quinta-feira foi uma vitória simbólica para os adeptos do autocrata veterano. Embora ele esteja sendo julgado novamente pelo assassinato de manifestantes na revolta de 2011, não há mais qualquer base legal para sua detenção. "Como uma revolução, sabíamos no início que poderia haver muitos contratempos... Estávamos à espera de dificuldades. Mas ninguém pensou que seria tão difícil."

"Não interessa quem está no poder, egípcios querem estabilidade"

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Luiz Guilherme Mello, professor residente no Cairo.

Política, assim como religião, é um assunto muito tabu no Egito, em especial quando um estrangeiro faz perguntas. Temos vários amigos egípcios, tanto cristãos quanto muçulmanos, embora façam parte de um grupo mais esclarecido, alguns inclusive com formação no exterior. Não são de maneira alguma representativos da população do Egito, mas todos são abertamente a favor da intervenção do Exército e da retirada dos manifestantes.

O sentimento deles foi de alegria com a deposição do antigo presidente. Todos que conhecemos encaram a Irmandade Muçulmana como um grupo terrorista e querem o problema erradicado o mais rápido possível.

O mais triste é que chegou-se ao ponto de os egípcios não terem mais tanto interesse em quem está no poder. Eles querem estabilidade – emprego, segurança pública, menos corrupção. É comum pessoas trabalharem com o que conseguem, como um médico que trabalha como taxista.

Para nós, estrangeiros, o aspecto positivo de uma situação de crise como essa é o fortalecimento dos relacionamentos de amizade, já que todos estão no mesmo barco – longe da família e de amigos nos seus países de origem.

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