A Guerra na Ucrânia escancarou as diferenças de prioridades entre países da Europa. Ficou evidente que a unidade do continente está abalada e que a forma como as peças desse quebra-cabeça serão encaixadas fará toda a diferença para a geopolítica internacional. Ao mesmo tempo, a guerra evidenciou problemas enfrentados pela Alemanha, deixando clara a importância das próximas decisões do chanceler alemão, Olaf Scholz, para o destino da Europa e do mundo.
Assim como a França e a Itália, a Alemanha está no "time" dos países europeus que pedem urgência por negociações de paz entre Rússia e Ucrânia. Mesmo tendo estendido as mãos para os ucranianos, no fornecimento de materiais militares e em dinheiro, tudo é feito com cautela, para proteger o destino econômico do continente. Os três países estão pisando em ovos para "não humilhar o presidente russo, Vladimir Putin", como disse o presidente francês, Emmanuel Macron, no Parlamento Europeu, no discurso de 9 de maio.
Países do leste questionam Alemanha, França e Itália
De outro lado, Polônia e os Países Bálticos, especialmente a Estônia, são os que mais criticam essa falta de posicionamento dos países europeus do oeste e pedem por apoio político e militar à Ucrânia.
O presidente das relações internacionais do Parlamento de Talín, na Estônia, Marko Mihkelson, provocou, em discurso oficial: "(Emmanuel) Macron e (Olaf) Scholz deveriam parar de fazer ligações (para Putin) e comprar uma passagem para Kiev".
Da mesma forma, o primeiro-ministro polonês, Matheusz Moraviecki, questionou o presidente francês: "Você negociaria com Hitler, Stalin ou Pol Pot?" Na ocasião, Moraviecki emendou uma crítica à Alemanha, apontando que o país é o principal obstáculo para a execução de sanções à Rússia. O premiê ainda afirmou que a política alemã dos últimos anos foi a responsável por levar a Rússia a conquistar o monopólio na exportação de matérias primas.
Para a maior parte dos países do leste europeu que se encontram na União Europeia, a Ucrânia não deve ceder territórios nem desistir da guerra. Eles também acreditam que a Europa deve reforçar as sanções impostas aos russos.
Alemanha está presa à Rússia e à China
A dependência energética em relação à Rússia e econômica com a China contribuem para que a Alemanha esteja, de certa forma, em cima do muro. Ela apoia a Ucrânia, mas evita fazer inimizades com o Oriente.
O gás russo corresponde a 55% do combustível presente na Alemanha. Se houver retirada da energia russa, a Alemanha pode, enfim, entrar em recessão. Além disso, desde 2016, a China é o maior parceiro comercial da Alemanha, um dos maiores importadores do mercado automobilístico alemão.
Em março, o ministro alemão das Finanças, Christian Lindner, disse ao periódico alemão Zeit que estava inquieto em relação à dependência econômica do país em relação à China e à Rússia. "Nós devemos diversificar nossas relações internacionais, inclusive nossas exportações", disse em entrevista ao jornal.
Na época, em coletiva de imprensa, o chanceler alemão reforçou que a transição de mercado, no entanto, "não poderia ser feita de um dia para o outro".
A Alemanha, a globalização e a crise
Desde o começo dos anos 2000, o país intensifica as exportações para os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Nos últimos 10 anos, a Alemanha reforçou os laços com a maioria dos países em desenvolvimento.
O país mais globalizado do continente europeu, inevitavelmente, é também um dos mais afetados pela guerra, fora os envolvidos diretamente nela. O crescimento da Alemanha deve ficar abaixo de 2% neste ano, sendo que as autoridades alemãs esperavam pelo dobro. Já a inflação chegou ao recorde em maio, em 7,9% (a maior em 50 anos), conforme o Escritório Federal de Estatística Alemão (Destatis).
Segundo a autoridade federal alemã, o aumento dos preços de energia é o principal responsável pela alta inflação. A energia teve alta de 38,3% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto os preços dos alimentos subiram 11,1%.
Na área militar, Alemanha começou a se mexer
Para a estrutura militar nacional, a Alemanha criou uma forte dependência dos Estados Unidos nas últimas décadas. O cenário, no entanto, começou a mudar. Incentivado pela guerra na Ucrânia, o país assinou, na semana passada, a aprovação de investimento no Departamento de Defesa - o maior dos últimos 80 anos.
O parlamento alemão decidiu modificar a constituição do país e criar um fundo de 100 bilhões de euros (R$ 477 bilhões). Essa manobra vai destinar 2% do PIB à área de defesa. Isso vai fazer da Alemanha a maior potência militar da Europa e a terceira do mundo, atrás somente dos Estados Unidos e da China.
Esse movimento pode modificar a forma como o país se posiciona no mundo desde a queda do Muro de Berlim, que reunificou o país em 1989.
Em que lugar a mediadora vai se posicionar?
Pelos interesses mercantilistas e pelo posicionamento pacifista, a Alemanha costuma se colocar entre os opostos, realocando a Europa diante dos Estados Unidos e da China. O país também interfere diplomaticamente em conflitos menores. Na histórica rivalidade entre Turquia e a Grécia, que recentemente se concentra na briga por petróleo e gás, por exemplo, a Alemanha buscou negociar com os dois lados nas últimas décadas, sempre mirando a desescalada dos conflitos.
As prioridades econômicas e diplomáticas da Alemanha a colocaram à frente na globalização em comparação aos países vizinhos. Até então, essa característica conferia estabilidade ao país.
Mas, desta vez, a cartada russa, com a invasão à Ucrânia - logo depois da crise reforçada pela pandemia de coronavírus-, colocou a Alemanha em uma saia justa: é preciso seguir o jogo e saber no que o país vai apostar. Talvez, mais claramente: de que lado de fato a Alemanha vai ficar.
O futuro das relações internacionais depende muito dos próximos passos da maior economia da Europa, também uma das mais atuantes nas instituições europeias, conhecida como o "coração" do continente.
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