Bandeira chinesa é vista em centro de aprisionamento na região de Xinjiang.| Foto: AFP
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A Fundação Memorial das Vítimas do Comunismo concedeu o Prêmio de Direitos Humanos ao economista e intelectual uigur Ilham Tohti, que não pôde aceitá-lo pessoalmente porque está preso na China e seu paradeiro é desconhecido. A filha de Tohti, Jewher Ilham, aceitou o prêmio no lugar dele.

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Jewher tornou uma missão chamar a atenção do mundo para a situação do pai. Em 2013, Tohti e sua filha estavam prestes a embarcar em um voo para os Estados Unidos, onde Tohti havia aceitado um cargo de professor na Universidade de Indiana em Bloomington. A polícia impediu Tohti de embarcar no avião, mas ele implorou para que a filha pudesse seguir viagem. Nos EUA, o contato do professor na universidade buscou a jovem no aeroporto, que à época tinha 18 anos e mal sabia falar inglês.

“Um, dois, três, quatro, ‘como você está?’, coisas assim: esse era o meu nível de inglês quando cheguei aqui”, disse Jewher em entrevista à National Review. Desde então, ela se formou na Universidade de Indiana com diploma em Ciências Políticas e Estudos do Oriente Próximo; aprendeu árabe e, ao mesmo tempo, melhorou seu uigur, que ela não falava continuamente durante a infância.

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Enquanto isso, Tohti foi julgado e condenado por “separatismo” em 2014 e condenado à prisão perpétua. O então secretário de Estado John Kerry repudiou a sentença, destacando que a pena “parece condenar os esforços pacíficos do professor Tohti de promover os direitos humanos aos cidadãos de etnia uigur na China”. Jewher não tem contato com o pai desde 2017 e não sabe se ele está vivo ou morto.

“A única verdade em que acredito é que meu pai não é separatista”, declarou Jewher à Comissão Executiva do Congresso sobre a China em uma audiência de 2014 sobre defensores dos direitos humanos. “Ele sabia que a China é um país tão grandioso e poderoso e tentou ajudar a melhorar as relações entre nós [uigures] e os han [grupo étnico que representa mais de 90% da população chinesa] e diminuir os problemas entre nós.”

Embora Tohti já fosse conhecido entre autoridades dos EUA e defensores dos direitos humanos, a intensificada repressão da população uigur por parte da China pode torná-lo um nome conhecido em outras nações. Nascido em 1969 em Atush, província de Xinjiang, Tohti estudou na Universidade Minzu da China, em Pequim, e se tornou professor de Economia na instituição.

Enquanto morava na capital chinesa, Tohti observou que o governo do país começou a se concentrar mais intensamente em solidificar o controle sobre Xinjiang. As tensões étnicas já existiam entre os uigures e os chineses han, e os muçulmanos uigures se irritaram com a tentativa do Partido Comunista de impor-lhes sua ideologia ateísta. Mas mesmo deixando de lado os conflitos étnicos, o controle sobre a província é de suma importância para o Partido Comunista.

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“A região uigur tem valor geopolítico, pois está cheia de recursos como ouro, urânio e gás natural”, disse Jewher. “O tamanho é um sexto do continente chinês - é uma área enorme”.

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Mas a província possui uma população de aproximadamente 25 milhões de pessoas, ou apenas 1% a 2% da população total da China. “A China está tentando migrar os chineses han para a região, incentivando as pessoas: se você se mudar para lá, nós lhe damos casas, damos educação gratuita. Se você se casa com uma uigur, você recebe dinheiro.”

Os interesses de pesquisa de Tohti incluíam a situação econômica e social dos uigures, e ele criticou repetidamente as políticas do governo chinês em relação à minoria, chamando a atenção da polícia. Como Jewher explica: “Fui para o colégio interno no Ensino Médio porque a polícia não parava de nos incomodar”, até mesmo dormindo na casa deles.

Tohti se posicionou como um defensor da tolerância entre os uigures e os chineses da etnia han, defendendo uma maior margem de liberdade para os uigures praticarem sua cultura. Como tal, ele se posicionou entre funcionários do Partido Comunista tentando ocupar Xinjiang com residentes han e uigures que lutaram ativamente contra o regime.

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O conflito étnico iminente surgiu em julho de 2009, quando um protesto uigur na cidade de Urumchi, capital da província, se transformou em tumultos entre uigures e chineses han, nos quais pelo menos 197 pessoas foram mortas. Em resposta, as autoridades chinesas fecharam as mesquitas uigures e cortaram o acesso à Internet na região.

Tohti foi preso por criticar a abordagem da China em 2009, mas libertado após uma campanha de pressão internacional. Antes de sua segunda prisão em 2014, a China chamou Tohti para conduzir um estudo das políticas do governo em Xinjiang e fazer recomendações para melhorias. Ele não se conteve, criticando a “alienação e segregação étnica”, “chauvinismo chinês han” e a ausência de oficiais uigures de alto escalão no governo da província.

“Em todos os níveis de governo em Xinjiang encontramos uma mentalidade que fica muito aquém do que é necessário para governar e gerenciar as complexidades sociais de Xinjiang”, escreveu Tohti. Uma passagem premonitória afirma:

A comunidade uigur tem um medo agravante das políticas étnicas cada vez mais chauvinistas do governo. A forte redução pelo governo da educação bilíngue e das empresas culturais uigures levou muitos na comunidade uigur a sentirem que a política oficial está começando a parecer uma assimilação forçada. Em muitos fóruns públicos, principalmente na Internet, não é difícil encontrar pessoas discutindo abertamente sobre um ponto de vista comum entre os chineses han: que a única maneira de resolver os problemas étnicos de Xinjiang é acelerar a assimilação uigur.

Tohti recomendou o estabelecimento de verdadeira autonomia regional, o que permitiria aos uigures se engajarem em uma educação totalmente bilíngue e participarem da vida nacional chinesa sem abandonar sua cultura. Ele também rejeitou a ideia de que os chineses han e os uigures estavam fadados a se envolver em conflitos étnicos sem fim. “Não gosto de violência e não vou defendê-la”, disse Tohti em entrevista ao escritor tibetano Tsering Woeser em 1° de novembro de 2009. “E definitivamente não acho que os Han sejam nossos inimigos, nem se ódio racial ou assassinatos acontecessem novamente. Mesmo que houvesse genocídio, eu ainda diria: os han devem ser nossos amigos.”

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Esse genocídio agora parece estar acontecendo. Nos últimos anos, os pesquisadores descobriram uma rede de campos de confinamento e esterilizações forçadas sistemáticas de mulheres uigures. Essas descobertas sombrias confirmam que Pequim tem intenção de poder absoluto na região. A ação é liderada pelo secretário do Partido Comunista de Xinjiang, Chen Quanguo, que antes reprimia manifestações no Tibete.

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“De certa forma, é a evolução lógica e o ponto culminante da política étnica e da abordagem do governo local”, disse Adrian Zenz, pesquisador sênior de estudos sobre a China na Fundação Memorial Vítimas do Comunismo, em entrevista à National Review. Zenz é um dos principais pesquisadores e analistas de documentos importantes que detalham a operação e os métodos de repressão à população uigur. Isso inclui os China Cables e a Karakax List, coleções de documentos sigilosos do governo chinês que vazaram para fontes externas.

Quando Pequim iniciou a repressão sistemática aos uigures em Xinjiang em 2009, Zenz disse: “eles descobriram que, bem, em vez de apenas ter uma política de longo prazo, vamos na verdade mudar essas pessoas. Vamos quebrar o pescoço delas”.

A repressão também ameaça os uigures fora da China.

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“Meu laptop e meu telefone são monitorados quase todos os dias”, diz Jewher Ilham, destacando que ela possui certas ferramentas para determinar que isso está acontecendo. A China também tentou extorquir uigures exilados, ameaçando membros da família ainda dentro do país.

“A principal estratégia é que eles querem que todos os uigures exilados retornem à China - não os querem exilados”, disse Zenz. “Eles querem que voltem a Xinjiang para que possam colocá-los em campos de concentração e desestruturá-los.” Uma vez controlados, não são mais um problema.

O reconhecimento do genocídio que está ocorrendo levou o senador norte-americano Josh Hawley a introduzir legislação que aplicaria multas às empresas americanas que usam produtos originários de Xinjiang, onde as fábricas utilizam mão de obra uigur. Agora que a região uigur está sob os holofotes internacionais, esse comentário de Tohti em sua entrevista de 2009 parece especialmente significativo:

“Estou até preparado para a possibilidade de uma sentença de morte. Esse pode ser o preço que nosso povo deve pagar. Quando eu, Ilham Tohti, pagar esse preço - embora talvez eu tenha que partir - talvez isso chame a atenção para o sofrimento de nosso povo.”

* Zachary Evans é repórter na National Review Online. É violinista e veterano das Forças de Defesa de Israel.

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© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.