No mês em que o mundo lembra os 60 anos das explosões das bombas atômicas americanas em Hiroshima e Nagasaki, no desfecho da Segunda Guerra Mundial, o Irã anunciou que reiniciou o trabalho na usina de processamento de urânio de Isfahan, após rejeitar um pacote europeu de ajuda econômica e política.

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A União Européia já alertou o Irã que se o país mantiver as atividades em Isfahan, o caso pode ser levado ao Conselho de Segurança da ONU, que poderia impor sanções à República Islâmica. Teerã, por sua vez, insiste ter um programa nuclear apenas para fins pacíficos e não militares.

Para o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Odair Dias Gonçalves, a atual crise envolvendo não só o Irã, mas também a Coréia no Norte, revela a necessidade de uma revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). O acordo internacional que prevê o uso pacífico da energia nuclear entrou em vigor em 1970.

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GLOBO ONLINE: O que está na base da atual crise nuclear no Irã?

ODAIR DIAS GONÇALVES: O Irã desenvolveu ações não declaradas, indicando ter urânio altamente enriquecido, o que o colocou sob suspeita. Foram feitas algumas pressões multilaterais e bilaterais. A França e o Irã chegaram a um acordo bilateral prevendo compensações para que o Irã cessasse suas atividades (nucleares) no ano passado. Mas o Irã diz que não houve as compensações e se considera livre para retomar o trabalho.

GLOBO ONLINE: A crise internacional em torno do programa nuclear do Irã soma-se à da Coréia do Norte. O que essa situação revela?

GONÇALVES: A necessidade de se redefinirem as regras do TNP. A gente vive essa situação desde o 11 de Setembro. O investimento do mundo em energia nuclear vai despertar em países que jamais se aventuraram nessa área a vontade de entrar no comércio. Isso leva à necessidade de um novo ajuste, assim como a realidade da ONU.

GLOBO ONLINE: Como os atentados de 11 de setembro nos EUA afetaram o desenvolvimento de pesquisas no setor nuclear?

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GONÇALVES - No Brasil não afetaram. Mas afetaram muito o mundo com a necessidade de um controle muito maior do material nuclear e com propostas. Hoje na agência (AIEA) temos uma proposta do presidente (dos EUA, George W.) Bush na qual todos os países fariam uma moratória. Só continuariam a produzir urânio enriquecido aqueles que dominassem a tecnologia, e ele citou o Brasil como parte desse grupo. Só 10 países que fariam parte dessa produção. Outro problema que surgiu após o 11 de Setembro foi a questão da bomba suja, que passou a ser muito mais grave. Uma bomba suja não é nada mais do que uma fonte radioativa usada em equipamento médico. Você espalha o conteúdo em um reservatório (de água) ou explode uma bomba convencional em um lugar que tenha material radioativo. Essas coisas são sérias.

GLOBO ONLINE: Mas desde a dissolução da União Soviética fala-se muito em um mercado negro nuclear.

GONÇALVES: O mercado negro sempre existiu. Há no mundo uma quantidade razoável de urânio enriquecido. O Brasil só trabalha com enriquecimento de 5%, eventualmente 20% para alguns reatores de pesquisa. Uma bomba precisa mais de 90%, entre 95% e 97%. Para você enriquecer a esse nível não é a mesma tecnologia de você enriquecer a 5%. Existem problemas técnicos sérios para você saltar de um degrau de 30%, 40% para 90%. Mas existe muito urânio enriquecido a mais de 90% que não se sabe onde está e isso está solto por aí. Sempre se falou em bombas portáteis. Não há evidência concreta de que exista e que esteja sendo usada. Certamente existe urânio não localizado no mundo.

GLOBO ONLINE: Quanto o senhor fala em equipamentos médicos que contêm materiais radioativos, logo vêm à mente o acidente com o Césio-137 em Goiânia, em 1987. O que o Brasil aprendeu com esse episódio?

GONÇALVES: O Brasil aprendeu muito. Hoje o Brasil tem um dos melhores sistemas de controle de fontes radioativas do mundo. Nós sabemos onde está cada fonte radioativa do país. Quando uma fonte radioativa deixa de ser usada, nós temos um serviço que vai ao local e recolhe. Nós temos um serviço de emergência que sempre que alguém acha uma embalagem com símbolo radiativo, nós chegamos lá no prazo de 12 horas no máximo e examinamos. É importante dizer que hoje fontes radioativas de energia nuclear são usadas em inúmeras aplicações na vida cotidiana. Por exemplo na esterilização de alimentos, sangue, material cirúrgico. As esterilizações são feitas com grandes irradiadores numa intensidade brutal e que não altera, por exemplo, a comida, não fica no material irradiado. A irradiação passa e não há qualquer efeito colateral. Com isso você consegue matar todas as bactérias que eventualmente possam existir. A energia nuclear está muito mais no nosso dia da dia do que imaginamos. Mas quando falamos em energia nuclear se pensa na produção de energia elétrica, bomba e rejeitos radiativos.

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GLOBO ONLINE: Não só por causa dos rejeitos, mas também devido a acidentes com o de Chernobyl, ainda existe um forte estigma em torno do uso da energia nuclear.

GONÇALVES: Sem dúvida alguma. Até hoje nós temos uma dificuldade imensa em discutir mais friamente a questão da energia elétrica produzida a partir da energia nuclear por causa da bomba (de Hiroshima e Nagasaki). Outro (estigma) é uma discussão muito mal conduzida posteriormente, a questão dos rejeitos nucleares. O que fazer com os rejeitos nucleares é uma questão tecnológica. No mundo inteiro hoje há uma volta à energia nuclear, porque hoje existe uma conscientização muito maior a respeito da poluição Em termos de poluição, a energia nuclear é incomparavelmente mais limpa. Claro que você tem as energias alternativas, a eólica, mas não existe nenhuma evidência de que possam ser fornecidas em quantidades suficientes, sem problemas. A usina nuclear não tem problema de esperar soprar o vento, de o dia estar nublado. E você só emite vapor da água.