No estado atual das coisas, uma intervenção militar estrangeira não vai ocorrer na Venezuela. A resposta mais simples para isso é que nenhuma das partes está interessada em um conflito.
A possibilidade voltou a ser mencionada após a reunião entre os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e dos Estados Unidos, Donald Trump, nesta terça-feira (19). Reunidos em Washington, os dois voltaram a dizer que estão considerando todas as opções para solucionar a crise humanitária da Venezuela.
Bolsonaro ainda fez mistério quando perguntado sobre uma intervenção militar: “tem certas questões que se você divulgar deixam de ser estratégicas. Assim sendo, essas questões reservadas, que se podem ser discutidas, se já não foram, não poderão se tornar públicas, obviamente”. Sua atitude colocou em dúvida o discurso que o Palácio do Planalto vinha mantendo, de que a intervenção militar não estava sendo cogitada.
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No mesmo dia da cúpula bilateral, uma fonte anônima ligada à área militar do governo brasileiro, ouvida pela jornalista da Globo News Natuza Nery, sugeriu que o Brasil poderia fornecer apoio logístico aos Estados Unidos caso o país norte-americano optasse pela intervenção. Ou seja, o Brasil não participaria de uma invasão, mas daria suporte para que os americanos o fizessem. A jornalista acrescentou, porém, que não ficou claro se o assunto foi realmente discutido por Trump e Bolsonaro na Casa Branca.
Oposição dividida
O discurso pró-intervenção também está presente entre a fragmentada oposição na Venezuela, diante da ausência de outras alternativas. Antônio Ledezma, um dos principais nomes anti-Maduro no exílio, e María Corina Machado, coordenadora do partido de centro-direita Vente Venezuela, são alguns dos líderes da oposição que estão pressionando o presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, para que ele solicite uma intervenção humanitária no país. Eles acreditam que Guaidó pode fazer isso baseando-se no artigo 187 da constituição venezuelana, cujo item 11 estabelece que a Assembleia Nacional pode "autorizar o uso de missões militares venezuelanas no exterior ou estrangeiras no país".
Na mais recente mobilização nacional contra Maduro, em 9 de março, Guaidó afirmou que “quando chegar a hora, vamos ativar o artigo 187 da Constituição”.
Lançar mão deste artigo, porém, não é consenso dentro da Venezuela. O cientista político e professor da Universidade Central da Venezuela Miguel Angel Latouche acredita que o dispositivo legal não autoriza a Assembleia Nacional a solicitar o ingresso de tropas estrangeiras no país sob os termos que implicam uma ação de guerra, de modo que “não existe um arcabouço legal que valide a presença de forças militares estrangeiras no país, além de missões militares para eventos e ações específicos”.
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“Além das tecnicalidades, não está claro quais são os níveis de autonomia que Guaidó tem para tomar uma decisão como essa”, acrescentou Latouche, citando que os países da região em sua maioria não têm interesse em uma intervenção militar, como foi declarado na última reunião do Grupo de Lima, em fevereiro.
Ganhos políticos em casa
Outros especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo também concordam que uma ação desta magnitude tem poucas chances de acontecer, considerando o cenário atual. Mesmo assim, a intervenção continua na mesa de opções dos principais países envolvidos como uma forma de pressionar Maduro além das sanções econômicas, ou ainda como uma vantagem política em casa.
“Mesmo que Donald Trump queira intervir, o que eu duvido, o establishment militar e político norte-americano não quer isso. Não os interessa. Não tem o valor estratégico que tem em outras regiões do mundo e este ano começam as campanhas presidenciais”, opinou Laura Gamboa, professora de Ciência Política na Utah State University.
Levar esta ideia adiante também não interessa ao Brasil, segundo o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Jorge Ramalho da Rocha. “O Brasil só se envolveria diante de um fato consumado, quando os EUA lá estivessem, o que é pouco provável”, disse. Por outro lado, segundo Rocha, “o governo [brasileiro] começa a se dar conta de que o papel pode aceitar qualquer coisa, de modo que o mundo das narrativas e ideologias pode dar lugar a muitas posições. Mas no mundo real, onde seus interlocutores têm interesse e idiossincrasias, a dinâmica é outra”.
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Tanto nos Estados Unidos, como no Brasil e na Colômbia, os dois vizinhos mais relevantes da Venezuela, a retórica anti-Maduro pode ser uma maneira de obter ganhos políticos internos. Isso reforça a ideia de que a possibilidade de uma intervenção militar esteja sendo aventada sem reais intenções.
“A oposição ao regime Maduro é um tema que mobiliza a direita no Brasil e na Colômbia”, disse Gamboa. Falando especificamente sobre a Colômbia, ela lembrou que a popularidade do presidente Iván Duque aumentou muito depois de janeiro, graças a seu apoio à Guaidó. “O discurso belicista apela diretamente aos mais radicais dos uribistas, mas, em geral, opor-se ao governo de Maduro é algo que, mesmo aqueles que não são uribistas, concordam”.
As críticas ao ditador venezuelano também são, em geral, bem vistas pelos eleitores brasileiros, apesar de os problemas internos do Brasil terem um peso muito maior sobre a imagem do presidente. Nos Estados Unidos, Trump pode estar usando a questão para atrair os votos de eleitores latino-americanos, especialmente no estado da Flórida, onde há uma grande comunidade de venezuelanos.
À parte de possíveis fatores internos, ao considerar uma intervenção estes países enviam um forte sinal ao ditador de que estão apoiando a oposição, a presidência de Guaidó. “A pressão internacional sobre Maduro é essencial para uma possível transição democrática, mesmo que propor ou levar adiante uma intervenção militar não seja a melhor maneira de fazê-lo”, complementou Gamboa.
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