A Coreia do Norte continua enrolando a Suécia por causa de uma conta referente a 1.000 sedãs Volvo entregues nos anos 70; uma mineradora chinesa afirma que seu empreendimento de quatro anos naquele país foi um pesadelo e a gigante egípcia do segmento de telecomunicações, que tem negócios por lá, não consegue repatriar os seus lucros.
Tudo isto explica porque a Coreia do Norte tem uma merecida reputação de ser um cemitério corporativo para investidores estrangeiros. E isto levanta uma questão interessante: Trump está prometendo ajuda econômica e investimentos se Kim concordar em desistir de suas armas nucleares.
Mas, ainda que a Coreia do Norte se abra economicamente, será que o presidente de uma empresa, em seu perfeito juízo, estaria disposto a colocar muito dinheiro em uma economia planificada de baixo rendimento, mais conhecida pela falta de comida, uma indústria atrasada e lamentavelmente inadequada?
Os otimistas
Os otimistas, como o investidor Jim Rogers, de Cingapura, veem, nessas condições, a mãe de uma reviravolta, baseadas principalmente na necessidade de desenvolvimento da infraestrutura do país, mão de obra altamente disciplinada e proximidade a grandes mercados, como Coreia do Sul, China e Rússia. “A Coreia do Norte é o que era a China nos anos 80”, diz Rogers. “Vai ser o país mais empolgante do mundo nos próximos 20 anos. Tudo na Coreia do Norte é uma oportunidade.”
Segundo o executivo, no meio do caminho não está Kim, mas Trump. O ditador norte-coreano passou parte de sua infância e juventude na Suíça e “sabe que há um mundo diferente e sua gente também o sabe”, disse Rogers. Ele aponta que a imprevisibilidade do presidente americano pode ser a verdadeira surpresa.
Os americanos estão claramente prometendo incentivos atraentes. Mesmo John Bolton, o combativo assessor de segurança nacional de Trump, disse no mês passado que os Estados Unidos estão preparados para suspender as sanções econômicas e “estabelecer comércio e realizar investimentos assim que for possível.” Kim Yong Chol, um assistente sênior do líder norte-coreano, pediu a Trump o apoio americano e o investimento em turismo em troca da desnuclearização do país, informou o jornal sul-coreano DongA Ilbo.
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Além da sua força de trabalho disciplinada e barata, a Coreia do Norte tem vastos recursos minerais, estimados em US$ 6 trilhões, conforme uma estimativa realizada em 2013 pelo North Korea Resources Institute, em Seul. Até agora, estas reservas tem estado fora do alcance das maiores mineradoras do mundo devido às sanções.
Mesmo empresas que tem enfrentado dificuldades na Coreia do Norte estão otimistas. A Orascom, uma companhia pertencente ao bilionário egípcio Naguib Sawiris, ajudou a montar a infraestrutura de comunicação norte-coreana após entrar no país em 2009. Mas o seu empreendimento, a Koryolink, perdeu os direitos exclusivos sobre o mercado logo que Kim chegou ao poder. Ele respaldou o lançamento da rede celular própria da Coreia do Norte. A Orascom tem enfrentando problemas para controlar a sua unidade norte-coreana, tendo, inclusive, sido alvo de ataques ciberbéticos por parte de funcionários de Kim Jong-un.
“O surgimento de um competidor estatal e as rigorosas sanções econômicas tornaram a operação menos atraente”, disse uma porta-voz da Orascon. “A retirada das sanções e a paz entre as duas Coreias melhorará o clima de negócios na Coreia do Norte e terá um impacto positivo na Koryolink”, disse ela.
Os pessimistas
O cenário comercial norte-coreano está cheio de empreendimentos estrangeiros que não deram certo. Isto inclui empresas da China, o principal parceiro comercial da Coreia do Norte. É o caso da mineradora Xiyang Group, que teve problemas com o regime de Pyongyang.
A Xiyang assinou um contrato em 2007 para implantar uma mina com a capacidade de produzir 500 mil toneladas de minério de ferro por ano e enviou mais de 100 trabalhadores da área técnica para fazer a unidade funcionar. Cinco anos depois, a Coreia do Norte encerrou o acordo, fechando a joint-venture e cortando o acesso à água, eletricidade e comunicações. Xiyang disse, por meio de um comunicado, que não recebeu um centavo de compensação de Pyongyang.
J.R. Mailey, um investigador que trabalhou em casos de fraude e corrupção relacionados à Coreia do Norte, vê o caso Xiyang como uma história de advertência. Ele disse que isto é um caso que terminou em uma amarga disputa pública, que custou dezenas de milhares de dólares à companhia.
Grande parte da infraestrutura está dilapidada. O risco de instabilidade é grande. E um grande impedimento ao investimento estrangeiro é o colapso do estado de direito no país.
Andrei Lankov, um diretor do Korea Risk Group, disse que o regime de Kim não permitiria um fortalecimento dos investimentos estrangeiros por razões ideológicas e práticas. “A Coreia do Norte tem a habilidade de atrair investimento estrangeiro, mas não permite o controle: uma vez que vejam que as empresas estrangeiras tornando-se extremamente rentáveis, as autoridades irão querer uma parte maior do negócio.”
Segundo ele, a abertura econômica seria um ato suicida para o regime de Kim porque isto traria um fluxo de informação tão grande do exterior que possibilitaria a perda do controle político.
O fluxo de investimento externo direto é muito pequeno. Dados do Banco Mundial apontam que, em 2016, somente US$ 93 milhões entraram na Coreia do Norte. Só para comparar, na Coréia do Sul foram US$ 12 bilhões.
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“Neste momento, as oportunidades para esta região são muito pequenas”, disse Jason Gerlis, diretor-gerente da divisão americana do TMF Group, uma consultoria global. “Parece que há uma grande lacuna tecnológica, baseada em habilidades, que seria essencial para fazer negócios se o mercado se abrir. Se bem que as matérias-primas poderiam ser o principal atrativo, o risco desde o ponto de vista da complexidade poderia superar qualquer beneficio potencial.”
Lee Byung-jin, presidente do TMF Group na Coreia do Norte, disse que o melhor cenário possível envolveria o capital sul-coreano com a mão de obra barata norte-coreana. Isto, segundo ele, criaria sinergias para os dois países.
Primeiros movimentos viriam da Coreia do Sul
Os primeiros movimentos em direção à Coreia do Norte provavelmente viriam de companhias sul-coreana. Conglomerados como Hyundai, Lotte e KT criaram forças-tarefa para buscar oportunidades de negócio no Norte. A Hyundai está olhando para projetos de cooperação inter-coreanos e está fazendo preparativos para a reabertura do parque industrial de Gaeseong, administrado em conjunto com a Coreia do Norte. O complexo foi fechado devido às tensões militares em 2016.
Uma pesquisa feita pela Federação Coreana das Pequenas e Microempresas com 101 das 124 empresas sul-coreanas que operavam no complexo de Gaeseong aponta que 96% delas pretendem retornar incondicionalmente ao local ou após avaliar a situação.
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Shin Han-yong, presidente de um grupo de empresas que operava unidades no local tinha algumas preocupações, mas se mostrava otimista em relação à abertura norte-coreana. “Demoramos dois anos para quebrar o clima estranho e conviver com os trabalhadores norte-coreanos”, disse Shin, que dirige a Shinhan Trading, uma fabricante de redes de pesca. “Tanto estrangeiros quanto coreanos podem enfrentar um choque cultural.” Ele, entretanto, disse que expandiria seus negócios na Coreia do Norte se o complexo de Gaeseong abrir.
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