Caminhões enfileiram-se todos os dias nesta fronteira atravessando com cargas de melões, biscoitos, refrigerantes e utensílios para o Iraque buscar. Para o motorista de caminhão Ala Saeedi, o comércio em plena expansão prova que o seu país está ajudando o vizinho assolado pela guerra.
Este ponto no sudoeste do Irã buscar, como ele observa, "um dia foi palco de ataques químicos de Saddam (Hussein) contra tropas iranianas. Mas agora é usado para comércio... O Irã está atendendo as necessidades diárias dos iraquianos".
Mais de quatro anos depois de a invasão liderada pelos EUA derrubar Saddam, a influência do Irã, desde elos comerciais até influência política, nunca foi tão acentuada, fato que atormenta os Estados Unidos em um momento em que o presidente George W. Bush garante que as tropas norte-americanas permanecerão no Iraque em grandes números.
Em discurso na quinta-feira à noite, Bush alertou que a retirada dos EUA serviria de incentivo para o Irã "em seus esforços de obter armas nucleares e dominar a região".
Há muito tempo Washington também acusa o Irã de vender armas e até combatentes para ajudar as milícias xiitas muçulmanas no Iraque que atacam as tropas americanas, e os comandantes britânicos e americanos chamaram a batalha em algumas regiões do Iraque de "proxy war" (ou guerra por representação) pelo Irã.
O Irã rebate as alegações, afirmando que não interfere dentro do Iraque e não está tentando adquirir armas atômicas.
No entanto, os oficiais iranianos de fato concordam que exercem um papel de forte representatividade no Iraque, em grande parte como fazem com o comércio e auxílio que oferecem ao Afeganistão na fronteira a leste, enquanto Teerã tenta aumentar sua influência na região.
"A nação e o governo iraquianos são aliados próximos do Irã", declarou o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad em uma entrevista nesta semana. "Somos aliados naturais".
Para complicar a posição dos EUA, o próprio governo iraquiano dominado pelos xiitas buscou criar sólidos laços comerciais e políticos com o Irã, cuja população é predominantemente xiita.
Irã e Iraque mantinham um relacionamento hostil durante o reinado de Saddam, como comprova a longa e destrutiva guerra travada durante quase toda a década de 80. Entretanto, quando o regime sunita de Saddam caiu e a maioria xiita do Iraque assumiu o poder, os antigos laços históricos, religiosos e culturais entre xiitas de ambos os países se restabeleceram.
Hoje, a influência do Irã ainda é mais nítida no sul predominantemente xiita do Iraque. Mas também é sentida nas áreas curdas ao norte e até mesmo em Bagdá, onde muitos projetos de reconstrução, como o de melhoria da rede elétrica do Iraque, são financiados com investimento iraniano.
"Décadas de guerra somadas à invasão dos EUA destruíram quase tudo no Iraque. E o Irã está bem preparado para aproveitar essa oportunidade de inundar os mercados iraquianos com produtos e serviços", declarou Saeed Leilaz, analista econômico e político do Irã.
A exportação de produtos para o Iraque rende dinheiro e influência, como ele observou. "Os produtos iranianos são vendidos em toda parte no Iraque. Isso nunca aconteceu antes. O Irã está fazendo uma jogada inteligente", disse ele.
O embaixador do Irã em Bagdá, Hasan Kazemi Qomi, declarou no mês passado que o comércio entre Irã e Iraque em 2006 totalizou US$ 2 bilhões, sendo que 97% dessa quantia foram do Irã para o Iraque. Hossein Tizmaghz, representante do Ministério do Comércio Iraniano, disse que a expectativa é de que o comércio aumente para US$ 10 bilhões em cinco anos.
Shalamcheh é um dos três grandes cruzamentos existentes na fronteira de 990 quilômetros.
Na década de 80, era um campo de batalha empoeirado onde iranianos e iraquianos trocavam tiros e morteiros e o regime de Saddam lançava armas químicas. Atualmente, seu terminal de exportação é agitado pela intensa movimentação de caminhões e de famílias iranianas que viajam para as cidades sagradas do Iraque em peregrinação.
A situação fronteiriça é mais complexa no norte curdo do Iraque. A entrada de produtos, inclusive gasolina barata, é abundante, mas o clima é tenso.
O Irã periodicamente lançou artilharia pela fronteira nas últimas semanas em bases usadas por militantes étnicos protagonizando ataques na região curda do Irã. Um enviado iraniano alertou na semana passada que se os iraquianos não conseguissem cessar as incursões curdas, Teerã reagiria com força militar.
Há tensões também no sul do Iraque, onde ocorrem batalhas entre grupos xiitas e partidos políticos, sendo que algumas estão intimamente ligadas ao Irã. Contudo, o trânsito de mercadorias e peregrinos continua intenso.
Todos os meses, mais de 40 mil iranianos visitam os importantes marcos xiitas ao sul do Iraque, como as cidades sagradas de Najaf e Karbala, comprando lembracinhas de cunho religioso e injetando dinheiro na economia hospedando-se em hotéis.
Muitos atravessam a maior cidade do sul, Basra, a apenas 50 quilômetros da fronteira. A cidade conta com diversos centros culturais e religiosos iranianos e suas lojas são repletas de comidas, utensílios domésticos e materiais de construção iranianos bons e baratos.
"A influência iraniana é muito ampla e marcante", disse Ali Abdul Aziz, professor sunita aposentado de Basra.
O Irã declarou que quer construir um aeroporto em Najaf e prometeu ajudar a reformar importantes locais sagrados. O país também iniciou obras em uma ferrovia que liga o porto iraniano de Khorramshar a Basra, conectando o sistema ferroviário iraniano ao do Iraque.
Teerã assinou ainda um contrato de US$ 150 milhões para a construção de uma usina de 300 megawatts em Bagdá. Outro projeto de linha de transmissão elétrica de 400 megawatts da cidade fronteiriça iraniana de Abadan até a cidade iraquiana de Alharasa deve iniciar as operações dentro de alguns meses.
O Irã também está realizando estudos de viabilidade da construção de dois oleodutos para transportar petróleo e derivados de Basra até Abadan.
"Foi-se o tempo da inimizade", declarou o executivo iraniano Bahram Mehrparvar enquanto preenchia a papelada no terminal de exportação de Shalamcheh referente aos tijolos e cimento que exporta para o Iraque. "Negócios e comércio substituíram balas e morteiros".
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