Entrevista
Sued Lima, pesquisador do Observatório das Nacionalidades, instituição de pesquisa vinculada à Universidade Estadual do Ceará (UFC).
"Guerra contra o regime de Teerã teria consequências devastadoras para os Estados Unidos"
O pesquisador Sued Lima, do Observatório das Nacionalidades, instituição de pesquisa vinculada à Universidade Estadual do Ceará (UFC), defende que a postura norte-americana com relação ao Irã envolve mais interesses econômicos do que preocupação com segurança. Coronel-aviador reformado, Lima também é integrante da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED).
Qual o principal motivo dos conflitos do Irã com os Estados Unidos?
O centro da estratégia dos EUA objetiva assegurar o fluxo permanente de petróleo para atender as necessidades de toda ordem do país. Segundo o próprio presidente Obama, os EUA consomem 20% de todo o petróleo produzido no mundo, embora disponham de apenas 2% das reservas conhecidas. Diariamente, US$ 1 bilhão são destinados ao pagamento dessa conta. Uma eventual interrupção nesse fluxo vital levaria o país ao colapso. Eis aí o motivo central das ações armadas dos EUA no Iraque, Afeganistão, Líbia e as ameaças contra o Irã, além do suporte que dá à manutenção de regimes antidemocráticos na Arábia Saudita, no Iêmen, no Bahrein.
O senhor concorda com a definição de que o Irã seja um país isolado?
A China e a Rússia não têm se alinhado com as propostas de sanções ao Irã promovidas pelos EUA e por alguns países europeus. Em um mundo onde o petróleo está ficando escasso, o boicote a um de seus maiores produtores não tem grandes chances de vingar. E, por fim, se os governos de países árabes se alinham com as potências ocidentais, suas populações estão no sentido contrário. Um exemplo de tal situação é o próprio Iraque, onde a população de maioria xiita é simpatizante ao Irã.
Depois do fim das guerras no Iraque e no Afeganistão, o Irã é um novo alvo dos EUA e de países como a França para ser o principal inimigo a ser combatido?
Parece-me que, no Oriente Médio, desenvolve-se uma nítida estratégia de domínio, através da neutralização de governos de viés nacionalista e anti-imperialista. Além do objetivo de assegurar o acesso às fontes de petróleo, há também a busca de neutralizar a crescente influência global da China. Como parte desse complexo jogo de poder, aplica-se agora um processo de desestabilização orquestrada na Síria e no Irã, enquanto são sustentados outros governos que reprimem movimentos populares, como o que vem ocorrendo no próprio Egito, governado por uma junta militar que era para ser provisória. Todavia, são muitos os analistas que consideram que uma guerra contra o Irã teria consequências devastadoras para o combalido império norte-americano.(JN)
As notícias sobre a agenda de visitas do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad a alguns países da América Latina na última semana foram ofuscadas por outras manchetes envolvendo o país.
O norte-americano de origem iraniana, Amir Mirzai Hekmati, foi condenado à morte pelo tribunal revolucionário de Teerã por espionagem. A Agência Internacional de Energia Atômica confirmou que o Irã faz enriquecimento de Urânio a 20% na usina de Fordo, que poderia ser utilizado para uma arma nuclear. E, na última quarta-feira, o cientista iraniano Mostafa Ahmadi-Roshan foi morto em um atentado com bomba.
Depois das mortes de Osama bin Laden e de Muamar Kadafi e da retirada das tropas norte-americanas do Iraque no mês passado, o país de Ahmadinejad se destaca entre os "inimigos" do Oriente Médio. "O sistema capitalista sempre pressupõe o adversário, o ponto antagônico. A bola da vez vai ser o Irã", diz o professor de Direito Internacional Luiz Alexandre Carta Winter, do Centro Universitário Curitiba Unicuritiba.
A ameaça de produção de armamento nuclear é apresentada por Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e países da União Europeia como justificativa para o aumento de sanções contra o Irã, como fizeram na última semana.
Márcio Scalercio, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ), explica que o Irã é signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o que pressupõe um comprometimento maior do país de Ahmadinejad. Mas ele considera que a paz do Oriente Médio depende também de Israel que, mesmo sem ser signatária do tratado, "também precisa colocar o arsenal na mesa".
Além da questão nuclear, os desentendimentos com grandes potências vêm de um dos bens mais disputados do mundo. O país chegou a ser invadido pelo Reino Unido e pela União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial por causa da exploração de petróleo.
No livro O Petróleo e o Envolvimento Militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico (Unesp, 2008), o doutor em Ciência Política Igor Fuser afirma que, nos anos 1950, "o Irã era o maior produtor de petróleo do Oriente Médio, mas sua população vivia na miséria".
O Estreito de Ormuz, que já foi motivo de guerra com o Iraque, é mais uma razão para o aumento das tensões. O Irã ameaça fechá-lo, o que afetaria diretamente o escoamento de produtos do Golfo Pérsico. Em resposta, navios da marinha norte-americana transitam na região e fiscalizam a ação dos iranianos, que, fazem testes com mísseis.
Guerra ideológica
A Revolução do Irã, no fim da década de 1970, é considerada uma reação à exploração das grandes potências, mas não se tornou sinônimo de liberdade para o povo nem mesmo no discurso. "A revolução iraniana é um marco do século 20. Foi o contrário das outras, como a Revolução Cubana ou a Russa. Todas trouxeram alternativas ao sistema vigente, algo novo. A Revolução do Irã é teocrática, é um retorno à estrutura do passado", observa Winter.
Scalercio também ressalta a questão política. "As relações com o Ocidente vêm se tornando muito ruins desde 1979, especialmente com os EUA. Há divergências bastante contundentes entre as visões de mundo, que vão se acumulando ao longo dos anos", diz o professor da PUCRJ.
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Passado
Confira alguns fatos importantes na história recente do Irã:
1935 O xá Reza Palevi decreta que a Pérsia passa a se chamar Irã.
1979 Com a revolução iraniana, o país deixou de ser uma monarquia pró-Ocidente e se transformou em uma república islâmica xiita. O aiatolá Ruhollah Khomeini se tornou a autoridade máxima do país. O presidente é eleito por votação, mas tem poderes limitados. As principais decisões são tomadas pelo aiatolá e pelo clero islâmico.
1980 Guerra contra o Iraque, que era governado na época por Saddam Hussein e contava com o apoio dos EUA. O conflito durou oito anos. Estavam em disputa questões políticas e territoriais, como áreas no Estreito de Ormuz.
1989 O aiatolá Khomeini morre e é substituído pelo aiatolá Ali Khamenei.
2005 Mahmoud Ahmadinejad é eleito presidente do Irã. Ele substituiu Hojjat ol-Eslam, mais moderado.
2009 Ahmadinejad se reelege com suspeitas de fraude.