Abu Hassan olhava aterrorizado para os fuzileiros que avançavam de casa em casa e imaginava que sua família seria o próximo alvo daquilo que, segundo moradores da cidade de Haditha, no Iraque, foi uma chacina, ocorrida em novembro, e que agora está sob investigação.
- Eu espiava pela cortina. Eles abriam caminho na casa do nosso vizinho e então ouvi muitos tiros. Achei que nossa casa seria a próxima - disse Abu Hassan, que pediu para não revelar o sobrenome, por temer represálias.
Na casa vizinha à de Hassan, morreram quatro irmãos. Ao todo, foram até 24 vítimas civis na incursão dos fuzileiros, inclusive mulheres e crianças. Os responsáveis estão sob investigação militar dos EUA e podem ser processador por vários crimes, inclusive homicídio.
Analistas já chamam o incidente de "o My Lai iraquiano", numa referência a um massacre ocorrido em 1968 no Vietnã, que teve grande influência na virada da opinião pública americana contra aquela guerra.
Mas os moradores de Haditha se sentem muito distantes da polêmica que está se armando em Washington, onde um parlamentar pacifista acusou os fuzileiros de cometerem assassinatos a sangue fio. Seis meses depois, a população local tenta se acostumar à tragédia.
- Os americanos entraram e jogaram uma granada de mão no banheiro. Mataram meu pai na cozinha. Aí atiraram em todos nós. Eu fingi que estava morta", disse Safa Younis, 12, única sobrevivente em uma família de oito pessoas, num vídeo fornecido à Reuters pela entidade iraquiana de direitos humanos Hammurabi.
Pânico
Abu Hassan e outros moradores testemunharam muito menos, mas ele disse que a chacina teve enorme efeito psicológico coletivo na cidade, 200 quilômetros a oeste de Bagdá.
- Agora as crianças fogem quando vêem o Humvees [veículos militares] americanos. Sou um homem feito, de 47 anos, e também estou assustado. Ainda vejo atiradores americanos nos telhados e olho para o outro lado - afirmou.
Abu Hassan começou a ter medo quando ouviu a explosão de uma bomba que matou um fuzileiro, não muito longe da sua casa. Uma explosão semelhante havia matado 14 fuzileiros em agosto, e a possibilidade desses ataques sempre mantém os americanos sobressaltados.
- Olhei alguns minutos depois e vi os fuzileiros abrirem fogo contra duas casas a distância. Eles entraram nas casas e ouvi disparos. Estavam avançando em pequenos grupos - disse ele durante visita a Bagdá.
- Um grupo avançou para a casa do meu vizinho mais de duas horas depois que a bomba explodiu. Depois que entraram lá houve muitos disparos. A mãe começou a gritar: "Meus filhos, meus filhos". Ela continuou gritando durante muito tempo depois que eles foram embora. Tentamos acalmá-la, mas não conseguimos.
Abu Hassan disse que os fuzileiros mataram os filhos adultos da mulher -- chamados Jamal, Chasib, Qahtaan e Marwan.
O incidente aconteceu depois de seis meses de confrontos na cidade entre militantes da Al-Qaeda -- que segundo os moradores impõem violentamente o seu radicalismo religioso à população -- e os fuzileiros, responsáveis por várias ofensivas na região.
Abu Hassan disse que costumava discutir a situação do Iraque com seu amigo Jamal Ahmed, 27, um dos quatro irmãos mortos. Jamal, segundo o vizinho, continuava acreditando que um dia haveria estabilidade. Ex-oficial do Exército, ele havia perdido muitos benefícios depois da invasão norte-americana de 2003, que derrubou o regime de Saddam Hussein.
Na última vez em que se viram, poucos dias antes da invasão dos fuzileiros, Abu Hassan e Jamal caminharam juntos até uma mesquita para rezar.
- Jamal era uma das pessoas mais otimistas de Haditha. Ele sempre me dizia para ser paciente porque Deus nos ajudaria.
Hoje em dia, Abu Hassan, que com seus cabelos brancos aparenta mais que os 47 anos que tem, nunca menciona as mortes com o filho único de Jamal, Khaled, de 13 anos. Tenta, isso sim, incentivar o garoto a ter confiança no futuro, embora ele próprio o veja sombrio.
Sempre beijo Khaled e digo que ele substituiu seu pai agora.
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